Música

Os Carnavais Antigos de Francisco Alves

por Mila Ramos

domingo, 19 de agosto de 2018

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Francisco de Moraes Alves nasceu no Rio de Janeiro, ainda no século XIX, em 19 de agosto de 1898. Era filho de imigrantes portugueses, e começou a trabalhar aos 18 anos em uma fábrica de chapéus. Uma coisa jamais se contestou na carreira de Chico Viola (pseudônimo com o qual assinou algumas autorias): a versatilidade. Colocou sua voz a serviço de quase todos os gêneros musicais. Gravou sambas, marchas, canções românticas, toadas, maxixes, paródias, hinos, o que lhe caiu nas mãos. Ele foi considerado por muitos o maior cantor do Brasil de todos os tempos (para outros esse título pertencia a Orlando Silva). 

Reconhecido pelos brasileiros como o maior nome do rádio e dos estúdios de gravação durante toda a sua trajetória artística, Francisco Alves teve a carreira interrompida no auge do sucesso, em 24 de setembro de 1952, por um acidente de carro. O país parou para chorar, por vários dias, a perda do grande ídolo.

Para celebramos a sua carreira, trazemos abaixo um texto extraído do LP OS CARNAVAIS ANTIGOS DE FRANCISCO ALVES, lançado em 1967, pela Odeon. Item RARO! Edição para Colecionador.

Boa leitura!



Francisco Alves estreou em discos gravando para carnaval. Isso ocorreu em outubro de 1919, quando Chico, a convite de João Gonzaga, filho da maestrina Chiquinha Gonzaga, compareceu ao estúdio da etiqueta “Popular” e, com um coro formado por suas sobrinhas e seu amigo Juvenal Fontes (“Jeca Tatu”), acompanhado por Sinhô, gravou, deste, a marcha Pé de Anjo e o samba Fala, Meu Louro, ambos sucessos do carnaval de 1920.

Após uma rápida fase na “Popular”, Chico Alves só voltou a gravar em 1927, na Odeon. O próprio cantor conta em sua autobiografia “Minha vida” (Editora Brasil Contemporâneo, Rio de Janeiro, 1963): “Anos depois, já cansado de trabalhar para os empresários teatrais, aceitei um convite de Freire Júnior para fazer uma experiência na Casa Édison, distribuidora dos discos Odeon”.

Na Odeon e sua subsidiária Parlophon, Francisco Alves gravara inúmeros discos para o carnaval, entre 1927 e 1934. Para o tríduo momesco de 34, levou à cera, entre outros, o samba O Correio já Chegou, de Ary Barroso, que conseguiu fazer sucesso em um carnaval musicalmente fortíssimo, pois nele foram apresentados Agora é Cinza, Ride Palhaço, O Orvalho vem Caindo, Tipo Sete, Carolina, Há uma Forte Corrente Contra Você, etc. Os velhos foliões sabem de cor, certamente, o delicado estribilho: “O correio já chegou, ô ô / Nem uma cartinha de você. / Todo o dia a mesma coisa / E eu de longe sem saber porque”.

O primeiro sucesso carnavalesco de Ary Barroso não foi esse, porém, mas Dá Nela. Eduardo Souto estimulara o grande compositor mineiro a inscrever-se no concurso de músicas carnavalescas da Casa Édison e Ary, como o prazo já estava terminando, teve de apressar-se. Dias depois, mostrava o Dá Nela a Eduardo, o qual gostou bastante da marchinha sádica: “Essa mulher há muito tempo me provoca / Dá Nela / Dá Nela / É perigosa, fala que nem pata choca / Dá Nela / Dá Nela”. Com Dá Nela, Ary conquistou o primeiro lugar e o prêmio de cinco contos de réis – cinco cruzeiros novos de hoje, sem correção monetária – dinheiro graças ao qual pôde casar-se, a 26 de fevereiro de 1930, com sua noiva, a Srta. Ivone Belfort de Arantes. A marcha, gravada por Chico Alves, foi um dos maiores sucessos tanto de Chico Alves como de Ary Barroso.

Meu Primeiro Amor é um samba de uma respeitável dupla de sambista: Alcebíades Barcelos (1902) e Armando Marçal (1903-1947), que assinam juntos Agora é Cinza, considerado o melhor samba já feito até hoje. Não foi dos mais cantados no carnaval de 1939, mas ficou como um clássico de nossa música popular: “Meu primeiro amor / vem ouvir meus ais / São lamentos d’alma / Em agonia se desfaz / Minha alma não suporta tanta dor / Tenha pena de mim, ó meu primeiro amor”.

Para o carnaval de 1944, Chico Alves compareceu, entre outras, com a marcha Eu Brinco, da dupla Pedro Caetano e Claudionor Cruz, música que exalta a fibra inquebrantável do folião carioca: “Com pandeiro ou sem pandeiro / Ê, ê, ê, ê eu brinco / Com dinheiro ou sem dinheiro / Ê, ê, ê, ê, eu brinco”.

Para me Livrar do Mal, samba de Noel Rosa e Ismael Silva, não fez sucesso maior no carnaval de 1933, o que não impede tratar-se de um dos grandes sambas de todos os tempos: “Estou vivendo com você / Num martírio sem igual / Vou largar você de mão / Para me livrar do mal”.

Outro grande samba do Estácio é Nem é bom falar, de Nilton Bastos e Ismael Silva e assinado também por Chico Alves. Não fez também grande sucesso no carnaval de 1931, abafado por Com que Roupa, Lua Cor de Prata, Eu vou pra Vila, etc. Mas que é um samba de ouro, lá isso é: “Nem tudo que se diz se faz / Eu digo e serei capaz / De não resistir / Nem é bom falar / Se a orgia se acabar”.

A Lapa, de Benedito Lacerda e Herivelto Martins, ao contrário, marcou o carnaval de 1950: “A Lapa / Está voltando a ser a Lapa / Infelizmente hoje a Lapa / Vai deixar de ser a Lapa”...

Tipo Sete, de Nássara e Alberto Ribeiro, é a réplica a Linda Lourinha, lançada para o mesmo carnaval de 1934. Silvio Caldas queimara incenso diante da lourinha “dos olhos claros de cristal”, mas Chico Alves vinha repor no trono a linda morena de Mário Reis: “O tipo louro / Vale um tesouro / Mas perto do moreno / É café pequeno”.

No carnaval de 1947 Francisco Alves marcou um belo tento com o samba de Benedito Lacerda e Herivelto Martins (a mesma dupla de A Lapa), Palhaço, samba com que o carioca desrecalcou em massas nesse ano, gritando para todo o mundo: “Eu assisti de camarote / O teu fracasso / Palhaço / Palhaço”.

Chico fez muito sucesso no carnaval de 1932 com uma marchinha toda feita de cinismo, Gosto de Você mas não é Muito, no qual o galã, após a proposta para acabar com “esse negócio de amor”, aconselhava à sua ex-adorada: “Fica firme, não estrila / Traz o retrato e a estampilha / Que eu vou ver / O que posso fazer por você”.

O samba Foi Você, de Ataulfo Alves e Roberto Martins, não dominou no carnaval de 1938, aliás, um dos mais fortes de todos os tempos, pois incluía Periquitinho Verde, Touradas em Madri, Tenha Pena de Mim, As Pastorinhas, Não Tenho Lágrimas, Camisa Listrada, Seu Condutor, Yes, Nós Temos Bananas, Juro, etc. Mas ficou na memória de todos: “Quem bateu na minha porta? / Foi você / Quem levou tudo o que tinha? / Foi você”.

Samba de Verdade, gravado em 1928, está assinado só por Francisco, mas à sua confecção não deve ser estranho o nome de um dos maiores sambistas de todos os tempos: Nilton Bastos, do Estácio. Acompanhado apenas por dois violões (provavelmente Rogério Guimarães e o próprio Chico), o Rei da Voz, então com 30 anos de idade, conta a estória: “Mulher, para mim perdeste o valor / Porque zombaste do meu sofrer / Mas o destino Deus é quem dá / Escuta, vem cá / Mais tarde hei de te ver / Chorar”. É que a mulher, tão incensada, por exemplo, por J. B. da Silva, o grande Sinhô (“Deus criador / Fez da mulher o seu divino resplendor”), não ganha muita colher de chá da turma do Estácio (Ismael Silva, Nilton Bastos, Alcebíades Barcelos, Armando Marçal, etc). Não porque, em relação às mulheres, eles fossem de “gostar mas não muito”. É que, como o amor delas às vezes era “insensato”, “amofinavam mesmo de fato” e a isso – não levem a mal – a rapaziada do Estácio preferia “a lei marcial”.

ARY VASCONCELOS


imagem da capa LP OS CARNAVAIS ANTIGOS DE FRANCISCO ALVES


LADO A

1) O CORREIO JÁ CHEGOU – samba de Ary Barroso – c/ Orquestra Odeon.

2) DÁ NELA – marcha de Ary Barroso – c/ Orquestra Pan American.

3) MEU PRIMEIRO AMOR – samba de Bide e Marçal – c/ Orquestra Odeon.

4) EU BRINCO – marcha de Pedro Caetano e Claudionor Cruz – c/ Fon Fon e sua orquestra.

5) PARA ME LIVRAR DO MAL – samba de Ismael Silva e Noel Rosa – c/ Gente Boa.

6) NEM É BOM FALAR – samba de Ismael Silva, Francisco Alves e  Nilton Bastos – c/ Bambas do Estácio.


LADO B

1) A LAPA – samba de Herivelto Martins e Benedito Lacerda – c/ Orquestra.

2) TIPO 7 – marcha de Antonio Nassara e Alberto Ribeiro – c/ Orquestra Odeon.

3) PALHAÇO – samba de Benedito Lacerda e Herivelto Martins – c/ Benedito Lacerda e s/ conjunto, com Raul.

4) GOSTO MAS NÃO É MUITO – marcha de Francisco Alves e Ismael Silva – c/ Bambas do Estácio.

5) FOI VOCÊ – samba de Ataulfo Alves e Roberto Martins – c/ Orquestra Odeon.

6) SAMBA DE VERDADE – samba de Francisco Alves – com Dois Violões.


Reconstrução Técnica com a colaboração do colecionador JOSÉ COSTA
Capa: FOTO MAFRA
Lay-out de M. ROCHA
INDÚSTRIAS ELÉTRICAS E MUSICAIS FÁBRICA ODEON S. A.
Inscr. no Cadastro Geral de Contribuintes do Ministério da Fazenda N° 33-249-640



Mila Ramos é fascinada por música e foi em seu trabalho com bandas cover em 2012 que encontrou uma nova paixão: o Music Business. Especializou-se em Marketing e Design Digital pela ESPM-RJ e somou seus conhecimentos ao mundo musical como Produtora Artística. Em 2017, entrou para o Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB). Lá chegou ao cargo de Coordenadora de Comunicação e, sob sua gestão, conquistaram o Prêmio Profissionais da Música 2019, e o Programa Aprendiz esteve entre os finalistas de 2021.

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