Colunista Convidado

Joyce e Alfredo Del Penho reafirmam a grandeza de Sidney Miller em “Argumento”

sexta, 09 de novembro de 2018

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Cantora com faro de produtora e propulsora de talentos, Nara Leão (1942-1989) em seu disco “Vento de maio”, de 1967, de 12 faixas, abriu espaço para nada menos de cinco composições de Sidney Miller (“Maria Joana”, “Passa passa, gavião”, “O circo”, “A praça”, “Fui bem feliz”, com Jorginho), cujo samba “Pede passagem”, já havia nomeado o álbum da intérprete no ano anterior. Seu, digamos, rival de geração, Chico Buarque foi contemplado com quatro escolhas no mesmo “Vento de maio” (“Quem te viu, quem te vê”, “Noite dos mascarados”, “Com açúcar com afeto”, “Um chorinho”). A diferença é que Chico agigantou-se como um dos maiores compositores do país e Sidney, prisioneiro de sua timidez, depois de uma estreia emepebista no heráldico selo Elenco (“Sidney Miller”, 1967) ensaiou uma crítica ao tropicalismo no seguinte “Do guarani ao guaraná” (Philips, 1968) e embrenhou-se pelas guitarras no ácido “Línguas de fogo”, de 1974 (Som Livre), antes de retirar-se para os bastidores. Destacou-se como produtor em espaços culturais como o MAM e a Funarte cariocas, onde foi homenageado com uma sala em seu nome, após a morte precoce e nebulosa, aos 35 anos, em 1980. 

Coube a dois conterrâneos igualmente superlativos compositores e músicos - a amiga de Sidney, Joyce Moreno e seu admirador, Alfredo Del-Penho - em show em abril de 2012, no Instituto Moreira Salles, no Rio, a revisita a sua obra então no limbo do esquecimento. Finalmente lançada no CD “Argumento” (Kuarup), a homenagem, foi sucedida por regravações de composições de Sidney por Roberta Sá, Teresa Cristina e o grupo Casuarina, além do musical inspirado em sua obra, “Deixa a dor por minha conta”, de Hugo Sukman e Marcos França. Hábil melodista e poeta afiado, Sidney bebeu na cantiga de roda (“Marré de cy”, “Passa, passa gavião”) e entrançou reflexões sombrias nas síncopas de sambas irresistíveis como “Meu violão” (“por um segundo ninguém perde o mundo/ ninguém vai chorar/ virá meu tempo eu vou me embora quando for”), “Pede passagem” (“chegou a hora da escola de samba sair/ deixar morrendo no asfalto uma dor que não quis”), “Botequim no. 1” (“Que tristeza lhe amedronta?/ que paixão te desencanta?/ põe teu copo em minha mesa/ deixa a dor por minha conta”), “Nós, os foliões” (“a mágoa não compensa/ e o orgulho é mais cruel/ que toda a indiferença”) e a taxativa faixa título, “Argumento”: “vá cantar um samba antigo/ pra entender o que há de novo”

Além do incrível balanço de sambista (“Maria Joana”, “É isso aí”), Sidney expressava-se com fluência em marcha rancho (“A menina da agulha”), “Chorinho do retrato”, e  na toada “A estrada e o violeiro”, premiada no Festival da TV Record, de 1967, como melhor letra, concorrendo com “Alegria, alegria”, de Caetano Veloso, “Domingo no parque”, de Gilberto Gil, “Ponteio”, de Edu Lobo e Capinam e “Roda viva”, de Chico Buarque. Mas é na canção testamento “O navegante”, prefaciada por uma advertência de Joyce (“essa é pra chorar, quem tiver lenço...”) que Sidney destila sua grandeza autoral, ainda não reconhecida na plenitude: “Semearei meu sangue/ meu amor, meu rosto/ pra que depois de mim/ eu possa estar presente/ entre as canções que eu não houver composto”

Lançamento do disco com pocket show de Joyce Moreno e Alfredo Del Penho, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, em São Paulo, dia 13 de novembro, às 19 hs. 



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