Cultura

Um Adeus: 40 Anos Sem Candeia, a Luz da Inspiração

sexta, 16 de novembro de 2018

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Uma vida tão rica quanto a de Antônio Candeia Filho é biografia difícil de traçar. Intensa demais, vida demais nos 43 anos entre o nascimento em Oswaldo Cruz – berço também da Portela, sua escola e paixão – e o dia em que, Orixá maior, Zumbi-Candeia se vestiu de luz e se foi para assumir o comando da corte de bambas no Orum, o céu negro da língua-nação iorubana. 

Candeia, Oxóssi em passagem avassaladora, turbulenta e generosa pela terra, abençoada com a força seminal do seu axé; que gerou sambas; que levantou bandeiras de luta; que disse “não” ao medo, à humilhação, ao sofrimento e ao conformismo; que animou o povo oprimido a acreditar em si mesmo. 

“De qualquer maneira, meu amor, eu canto.
De qualquer maneira meu encanto eu vou samba.”

Luz que se foi mas continua a brilhar, chama que ficou. Tão bem o disse o sambista Luiz Carlos da Vila:

“A chama não se apagou
Nem se apagará.
És luz de eterno fulgor,
Candeia.
O tempo que o samba viver
O sonho não vai acabar.
E ninguém irá esquecer
Candeia.”

Também o soube dizer Candeia em linguagem de partido alto:

“Um sambista
Não precisa ser membro da Academia.
Ao ser natural
Com a sua poesia
O povo lhe faz imortal.”

Povo. Samba. Luta. Resistência. Quatro palavras do cotidiano de Candeia. Sua verdade, seu hino, vida e atitude. Partia pra luta derrubando tudo – dificuldades, preconceitos, o que encontrasse atrapalhando o caminho. Qualidade de líder naquele homem preso a uma cadeira de rodas que, ainda assim, era puro movimento, ação, dinamismo: “Enquanto houver samba na veia, empunharei meu violão”.

Foi esta determinação que o levou a criar Quilombo, um centro de resistência à violentação cultural e social (por isso mesmo, política) do povo. “Um país que deixa a cultura do povo se perder nunca será uma nação”, ele me dizia.

Biografia difícil a desse negro orgulhoso, cuja prática de vida ultrapassou os limites do que seriam as suas próprias possibilidades.

Lena Frias
julho 1983



"Testamento de Partideiro" de Candeia:

Pra minha mulher 
Deixo o meu sentimento
Na paz do Senhor
E para os meus filhos 
Deixo o bom exemplo
Na paz do Senhor
Deixo como herança 
Força de vontade
Na paz do Senhor
Quem semeia amor 
Deixa sempre saudade
Na paz do Senhor
Pros meus amigos 
Deixo o meu pandeiro
Na paz do Senhor
Honrei os meus pais 
E amei meus irmãos
Na paz do Senhor
Mas aos fariseus 
Não deixarei dinheiro
Na paz do Senhor
Pros falsos amigos 
Deixo o meu perdão
Na paz do Senhor
Se houver tristeza
Que seja bonita
Na paz do Senhor
De tristeza feia 
Opoeta não gosta
Na paz do Senhor
Um surdo marcando 
Um choro de cuíca
Na paz do Senhor
Que chora mansinho
Na paz do Senhor
Quem reza por mim
Que o faça sambando
Na paz do Senhor
Um bom partideiro
Só chora versando
Na paz do Senhor
Tomando com amor
Batida de limão
Na paz do Senhor
Porque um sambista
Não precisa ser membro de Academia
Ao ser natural
Com a sua poesia
O povo lhe faz imortal


E a Chama virou Cometa...16 de novembro de 1978. Onze horas e trinta minutos, Hospital Cardoso Fontes, Jacarepaguá. Uma parada cardíaca, em consequência de uma septicemia (infecção generalizada do organismo), transporta a figura prodigiosa de Candeia para a memória dos sambistas.

É virada a página ao som do surdo trazido por mestre André e marcado por Cabelinho, por coincidência 19 anos após a morte de Heitor Villa-Lobos


*Texto extraído do livro “Candeia – Luz da Inspiração” de João Baptista M. Vargens.


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