Supersônicas

A sonoridade atmosférica e a poesia crua de Juliano Gauche em “Afastamento”

terça, 22 de maio de 2018

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Cantor e produtor capixaba radicado em São Paulo, Juliano Gauche desembarca seu terceiro disco, “Afastamento” (EAEO Records), co-produzido por ele e o guitarrista Fernando Catatau, do grupo cearense Cidadão Instigado. As canções do repertório externam visões, memórias e mitos da infância do artista passada em sua cidade natal, a pequena Ecoporanga, de 24 mil habitantes. Lá, circulavam personagens como “Silmar Saraiva” (“tentou ser um santo/ depois de se machucar/ o povo gosta de rir/ o povo quer brincar/ o povo quer carnaval/ quer um dia tranqüilo e morrer em paz”), uma espécie de Syd Barrett local (o visionário fundador do Pink Floyd, que não voltou da viagem alucinógena), biografado na faixa que abre o disco, numa marcha batida de mais de seis minutos e meio de narrativa.

“Normalmente, eu fazia canções em três horas. Não mais. Essa eu fiquei três dias compondo”, contabiliza Juliano no texto de apresentação.

Também há textos curtos como o de “Longe, enfim”, atravessado por guitarras lancinantes e microfonia incorporada: “devagar, abracei e senti me abraçar o seu corpo se abrindo feito flor a chamar e pedir: /meu amor, me atravesse com sua força, e o calor a nos aliviar de nossos dias/ sem encontrar o que agora nos leva para longe, enfim”.

O disco foi gravado com uma banda enxuta, Daniel Lima (baixo), Gustavo Souza (bateria e percussão), João Leão (teclado) e Kaneo Ramos (guitarra), além do próprio Gauche que toca violões e guitarra rítmica em algumas faixas. O co-produtor, Catatau, é titular dos comentários da guitarra solo no intermitente “Pedaço de mim” (“tudo aqui é doença e loucura/ e eu já não me sinto bem/ tem dias que eu imploro pelo começo do fim”). Dustan Gallas, também do Cidadão Instigado, pincela cordas no devastado abandono de “Dos dois” (“ela disse, eu não suporto mais, ele, meio morto, cabisbaixo, concordou”).

O cenário sonoro atmosférico de “Afastamento” não é casual. Foi lapidado por Juliano e o baterista Gustavo, numa base eletrônica que permitisse a flutuação das melodias e harmonias. “Não gosto mais da bateria convencional do rock, aquela que faz virada, tenta acompanhar os instrumentos”, contesta. E fecha o disco com a devastada “Dos cachorros sisudos”: “dos canteiros de armas acesas no céu ao redor/ das bocas dos jatos que bebem a força do ar/ do vai e vem miserável/ das explosões das cidades/ dos caminhões carregados de brinquedo e veneno”.


Fonte da imagem: Juliano Gauche (foto de Haroldo Saboia)

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