Adolfina Raitzin de Távora – Quem?
Meu universo, pessoal e profissional, é o do violão. Fui atraído a ele pelas más companhias, gente que tocava, fazia uns barulhos bonitos e me fez enveredar por esse caminho. Fui seguindo, estudando, ouvindo, e me deparei com duos de violão. Ora, se violão é bom, em dupla é melhor. E dois duos me impressionaram, ambos brasileiros: Duo Abreu e Duo Assad. Muito diferentes entre si: o primeiro, uma perfeição quase inatingível, o clássico levado ao extremo. O segundo, um suíngue, uma falta de sotaque em qualquer que fosse o repertório. Em ambos, uma integração perfeita, o mesmo respeito ao discurso musical. E por “coincidência”, a mesma professora por trás de ambos: Monina Távora.
Adolfina Raitzin de Távora nasceu na Argentina, em 1921. Já começou a vida de forma inusitada: foi criada num hospício. Seu pai, um psiquiatra moderno para a época, criou uma clínica onde os “loucos” eram tratados soltos, sem grades. Chamava-se, a clínica, Open Door (“Porta Aberta”). Seus preceptores eram os moradores do local. Isso pode – e deve – ter influenciado sua forma totalmente original de pensar.
Estudou piano com um excepcional pianista, um dos favoritos de Ravel e Debussy. Estudava violão, também, e se decidiu por este quando conheceu Andrés Segovia, para quem não conhece, o maioral do violão de todos os tempos. Escreveu em seu diário:
-He tocado hoy para Andrés Segovia y le gustó. Yo prometo que voy a ser una gran artista.
E cumpriu. Foi uma das poucas pessoas a ter aulas regulares com o mestre.
No início dos anos 40 casou-se com o geólogo brasileiro Elysiário Távora e veio morar no Rio de Janeiro, onde teve dois filhos. No início dos anos 50 deu um recital memorável no teatro da Escola nacional de Música do Rio de Janeiro, o que a levou aos braços da comunidade violonística da cidade, quando conheceu Antonio Rebello – avô dos irmãos Abreu, Sergio e Eduardo. Nos anos 60 começou a dar aulas aos meninos, cuidando de suas carreiras com cuidado exemplar: eles fizeram UM recital num ano, UM no seguinte, TRÊS no terceiro (em Buenos Aires) e aí partiram para sua carreira de sucesso internacional. Com esse sucesso outros dois irmãos foram levados a ela: Sergio e Odair Assad.
A didática de dona Monina, nome artístico que adotou, era singular. Raríssimas vezes pegava no violão. Não dizia “faça isso” ou “o certo é assim”. Mais indicava que mandava, sugeria que seus pupilos ouvissem música, muita, e de todos os instrumentos.
Na primeira aula com os Abreu, Sergio começou a tocar, errou, e parou. Ao recomeçar, ela disse:
-Nunca mais faça isso. Se você continuar, 3 ou 4 pessoas num teatro vão perceber; se parar, o teatro inteiro percebe. Antes de tocar, pense na música, o andamento, onde os dedos serão colocados... Quando estiver tudo claro, aí sim, comece a tocar.
Outra:
-Ao invés de tocar com preocupação e com medo de errar, toque sempre com muito entusiasmo.
Outra técnica era a de “esquecer” determinada música que estava sendo estudada. Não falava mais nela, até que um dia pedia que a tocassem. Se a música saísse perfeita, estaria pronta para o repertório; se não, seria reincorporada ao estudo cotidiano, novamente “esquecida” e novamente tocada, até que estivesse sem falhas e natural.
Dona Monina faleceu em agosto de 2011, já morando novamente na Open Door de sua infância.
Sua paixão pela música - e seu romantismo – ficam claros em sua observação a Edino Krieger. Ela o exortou a largar o trabalho burocrático que fazia na Funarte para se dedicar inteiramente à composição, dizendo-lhe:
- Sr. Edino, um compositor da sua categoria e com o seu talento não tem o direito de desperdiçar seu tempo com outra coisa que não seja a música.
- Dona Monina, não tenho condições de ganhar a vida apenas como compositor. Se eu largar este trabalho, vou passar fome.
- Sr. Edino, passe fome, mas faça só música.
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