Música

Bossa Nova: Chegava eu no Rio depois de 18 anos de ausência

Capítulo 5 da série especial BOSSA NOVA

terça, 18 de setembro de 2018

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É importante o título deste parágrafo porque quero, por intermédio dele, relatar um fato.

Quando a gente está presente durante as transformações naturais das coisas, recebe-se essas transformações em doses homeopáticas, o que faz difícil notar a verdadeira dosagem da evolução. Para quem chega de fora, depois de uma longa ausência, essa evolução é um impacto muito maior. A pessoa recebe tudo de uma vez só. Foi o que aconteceu comigo em 1956. Eu não sabia o que estava acontecendo com a nossa música por que todo esse movimento ainda não tinha sido divulgado nem gravado. Tudo isso estava acontecendo em apartamentos, em reuniões, no “Club da Chave, etc.”.

Depois de “ligeiras investidas” no Rádio e na TV, que não deram certo, o Sr. Douglas Reed, um dos diretores da Odeon, me convida para assumir a direção artística da gravadora. Durante um “cocktail” me apresentaram um rapaz a quem eu iria substituir, o seu nome Antonio Carlos Jobim, de quem nunca havia ouvido falar antes. O elenco da Odeon então, era bem pequeno. Dorival Caymmi e o Trio Irakitan eram dos nomes mais conhecidos. Pelo menos que eu conhecia. De resto, eram todos novos para mim e entre esses nomes havia o de uma moça chamada Sylvia Telles.

O meu primeiro suplemento foi “Andorinha Preta” com o Trio Irakitan, “Marancagalha” com Caymmi e uma gravação que já havia sido preparada pela direção anterior, “Foi a Noite” de Antonio Carlos Jobim e Newton Mendonça com arranjo de Jobim e regência de Leo Perachi. A intérprete era Sylvia Telles. Entrei no estúdio ignorando a música, o arranjo e a intérprete. Daí a razão por que descrevi o título deste parágrafo. Foi o meu primeiro contato direto com a Bossa Nova.

O impacto que tive é até hoje quase indescritível. A construção melódica da música era uma coisa inteiramente nova dentro dos padrões brasileiros. O arranjo simples, impecável, fornecia uma sequência harmônica que enaltecia a melodia de um modo incomum. A interpretação era genial. Sylvia Telles conseguia com sua voz rouca e suave, penetrar dentro da gente e mexer com todas as nossas emoções. Bem, eu estava definitivamente diante de uma “coisa” que eu não esperava encontrar, era a Bossa Nova na sua maior expressão.

Lembro-me bem que naquela época, usava-se colocar na etiqueta do disco, o gênero da música (samba, samba-canção, marcha, etc.). O mais próximo seria “samba-canção”. Mas não era bem isso. Era diferente. Resolvemos então, pela primeira vez, não colocar o gênero da música. Saiu simplesmente: 

Foi a Noite

Sylvia Teles

Daí em diante comecei a observar bem de perto todas as ramificações deste acontecimento. Tudo naquele momento, parecia convergir para Antonio Carlos Jobim. Logo depois aconteceu a associação de Tom e Vinicius. E isto aconteceu na produção de “Orfeu da Conceição” que nos deu o primeiro sucesso da dupla “Se Todos Fossem Iguais a Você”. Este acontecimento foi registrado em disco, num LP de 10 polegadas pela Odeon. A parceria Tom Jobim e Vinicius de Morais nos deu uma série de sucessos como: “Eu Não Existo Sem Você”, “Garota de Ipanema”, “Insensatez”, “A Felicidade”, “Sem Você”, “O Que Tinha de Ser”, “Só Em Teus Braços” e uma série interminável de sucessos.

Se isso não bastasse, o Tom uma noite me telefona dizendo que fosse com urgência à sua casa para ouvir um rapaz baiano que cantava e tocava um violão diferente. Cheguei à sua casa e no canto da sala estava o rapaz baiano, que cantou e se acompanhou em 2 números: “Chega de Saudade” e “Bim Bom”. Marquei um teste no dia seguinte na Odeon, pois mesmo que eu achasse o rapaz muito bom, eu teria que convencer a diretoria da Odeon de lançar este rapaz que era uma coisa inteiramente fora das normas daquele tempo.

Fizemos o teste, e eu o submeti à diretoria que cheia de restrições, resolveu tentar essa incrível aventura. Gravamos um 78. O disco saiu e a princípio foi quase nada. Parecia que a experiência não seria bem sucedida. Em São Paulo, depois do gerente de vendas ter quebrado o disco dizendo “isso é coisa que esperam que a gente venda”, um componente da divulgação resolve promover o disco. Começa a insistir pelas rádios e finalmente o disco começa a apontar, antes em São Paulo, depois no Rio. E depois alastrou-se pelo Brasil. Estava com esse fato, definitivamente lançada a Bossa Nova. É evidente que o rapaz baiano era João Gilberto. E consequentemente o LP “Chega de Saudade” passa a ser um dos marcos da Bossa Nova.

E a moçada de talento, que já estava preparada há muito tempo, só esperava uma oportunidade como essa.



Nota: "Este depoimento sobre 'Bossa-Nova' não tem nenhuma intensão de ser nformativo didático sobre o assunto. Ele é somente um panorama visto com os meus olhos, contendo fatos vividos por mim e observações exclusivamente minhas. Se fosse feito por outra pessoa que também viveu o assunto, esta poderia citar outros fatos e descrever outros momentos também importantes. Portanto, se alguma coisa aqui deixar de ser mencionada é porque não recorri a informações de outras fontes, e sim, baseei-me somente nas experiências em que tomei parte, nesta fase da música brasileira que foi uma das mais importantes de sua história." Aloysio de Oliveira

Fonte do texto: extraído do CD box "Bossa Nova, sua história, sua gente" nas palavras de Aloysio de Oliveira.


Este é o quinto de 7 artigos, contados pelo olhar de Aloysio de Oliveira, sobre a história e os artistas que contribuíram na construção e divulgação de um movimento importante da música popular brasileira no final dos anos 50: a Bossa Nova. No próximo capítulo, o tema abordado será os compositores, intérpretes, trios e conjuntos que caracterizaram esse gênero musical. Enquanto isso, não deixe de conferir e saber mais sobre o tópico citado acima!

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