Canções Eróticas de Ninar

Na capa do disco, do sagaz Elifas Andreato, Tom Zé olha pelo buraco de uma imaginária fechadura com o ícone símbolo do gênero feminino. 

No título, a promessa libidinosa: “Para dançar o sobe ni mim – Canções eróticas de ninar – Urgência didática” (Independente). “Aqui, os assuntos do sexo como eram tratados (ou não) na minha infância e juventude”, anuncia no encarte. “Só agora, aos oitenta anos, encontrei forças para mergulhar na questão, embora ela seja sempre presente, como o ar. Tema que envolve curiosidade, brincadeira, ansiedade, segregação, gosto, blasfêmia, oração...vida e morte. Sendo algumas vezes metáfora desta e a própria origem daquela”, filosofa. 

Assinando arranjos finais, produção, baixo e guitarra, Paulo Lepetit é um dos parceiros de Tom Zé na imersão dos labirintos da sexualidade, cevada por "descanções" de vários formatos, sempre instigantes. 

Bailam variações de xote (“Descaração familiar”, “No tempo em que havia moça feia”), xaxado (“Orgasmo terceirizado”), samba (“Sexo”) e baião, na fábula “Arroz, lenda e buquê” (“e como rainha/ a nudez expulsou as bruxas do mal”), calcado em zabumba (Eder Rocha) e sanfona (Adriano Magoo), que remete (sem trocadilho, por favor) ao Tom Zé inicial, da bucólica “Namorinho no portão”. 

A metalinguagem (de novo, sem trocadilho) de “Por baixo”, associa a viagem erótica da letra (“por baixo do vestido, a timidez/ baixo da timidez, a seda fina/ baixo dela uma nuvem de calor/ baixo desse calor/ um perfume da China”) ao protagonismo do contrabaixo. 

Tom Zé equilibra-se na lâmina fina do tema, sempre à beira do despenhadeiro do ditatorial politicamente correto. Como no circular e untuoso “Dedo” (“se era namoro antigo/ a mão naqui, dedo naquilo/ o casal ia na horta/ sem abrir a porta”) e nas fanfarras finais do sambaião “Um circo voador”: “na hora do escorrega-mão/ rega mão, rega mão/ meu bem, só escorrega lá/ rega lá, rega lá”.