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Duda Beat e Mahmundi: o remédio sonoro/feminino que cura almas

Por: Gabriela Rodrigues

quarta, 23 de janeiro de 2019

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O céu estava azul enegrecido e o branco da lua banhava de paz a noite resplandecente que estava por vir. Um arco-íris de cores surgiria no palco simbolizando a Nova Era da Música Brasileira, e o astro maior Sol liberou suas ondas de sofrência para evaporar os amores líquidos dos corações e irradiar um futuro mais afetivo de laços fortes entre os amantes. A filha de Pernambuco chegou: Duda Beat incendiando o Circo Voador.


Misturando ingredientes como reggae, dub, brega, pop e manguebeat o disco de Duda resultou em uma explosão de fãs por todo o Brasil. Porém, o tempero nada secreto de Beat foi colocar uma pitada bem generosa de sofrência em sua composição. O resultado pode ser visto em centenas de gargantas colocando para fora toda a “Bédi Beat” que guardavam, o público underground cantava palavra por palavra, degustava, apreciava, se saciava. A energia da cantora era transmitida em sentimentos repartidos, um pedaço era destinado a cada um presente. A incontestável exaltação da cultura pernambucana é nítida, mas com uma roupagem que somente a nova “cara” da música popular poderia dar. Um sotaque contagiante que expõe a preciosidade de suas falas, sua mensagem, sua verdade. 

O coral circense beatiano mostrava a força que a memória musical tem de se renovar e reinventar legados, tornando “Sinto Muito”, primeiro álbum da cantora, uma exaltação ao amor próprio, a sagacidade e a perspicácia de fazer da dor – por um amor mal correspondido – em arte medicinal com poder de cura interior. 


Chegando as partes finais de seu show, Duda Beat nos presenteia cantando uma de suas músicas mais pedidas que, inacreditavelmente, não consta em seu álbum, mas caiu nas graças do público, o single hit de verão, “Chapadinha na Praia”, onde a pernambucana ensinou ao seu coral exclusivo como cantar bem devagarzinho a canção para todos aprenderem. E esse som, que carregou no instrumental brega, sintonizou com sucesso na lona, uma música chiclete, gostosa por demais.

Estreando com maestria na nave, Eduarda Bittencourt não deixou a desejar. Chegou, dançou, simpatizou e mostrou que veio para ficar. Fechando com chave de ouro sua apresentação, a cantora deu uma “palinha” inesperada de uma regravação da música “Seu Pensamento” de Adriana Calcanhotto, que estreará no dia 15 de fevereiro, mas em primeira mão a nova roupagem foi vestida em 17 de janeiro nos Arcos da Lapa. 


Eletrizante, não poderia esperar menos de quem recebeu o título mais do que merecido de Rainha da Sofrência Pop! O bastão nordestino foi passado para o Estado da cidade maravilhosa, agora o Circo conheceria a voz vinda de Marechal Hermes...

Ao final do texto tem uma ENTREVISTA super bacana que a Duda Beat deu para o IMMuB, graças ao amado Circo Voador. Confere lá!

“Alegria, de repente” surge no palco na persona de Mahmundi, uma cantora e compositora de brilhantismo visível no cenário revitalizador da música nacional. Com sua poesia reflexiva, vibrações positivas em sons eletrônicos, preciosidade do lo-fi acompanhado do indie, a próxima estrela da noite iluminou a todos com músicas de seu segundo álbum, “Para Dias Ruins”, elevando a plateia em estado de transe entre a pureza imagética e a assimetria sonora, combinação perfeita da identidade visual da musicista.

Orquestrando contra a maré político/militante, Marcela Vale consegue transmitir sua mensagem convencionou de amor e paz, que se encontra em pleno desuso nos tempos modernos. A comunicação de Mahmundi com o público se tornou fluída e a sintonia entre eles e o espaço em que estão vem de longa data, pois na lona, a artista revela seus tempos de bastidores, onde trabalhou por 7 anos como técnica de som no palco em que pisava, o Circo antes era a sua casa, mas hoje o Circo é ela. O seu som é o que movimento o picadeiro, tornaram-se um só. E a energia fluía, em calmaria inebriante.


O antídoto da música de Mahmundi pôde ser sentido em cada corpo que estava presente, a cura emanava, a pluralidade das vozes tornaram-se um só grito de felicidade. De cor e salteado os amantes da música brasileira cantavam um dos sucessos da artista, “Qual É a Sua?”, onde o som radiante preenchia com muitas energias positivas a noite. Mah ainda celebrou o seu Estado natal interpretando a música “Cariocas”, de Adriana Calcanhotto em uma configuração renovada. 

Ao longo do show, Mahmundi discursou mensagens de paz, alegria e positividade entre os seus. Exaltando a nobreza do aprendizado em conjunto quando disse: “Eu aprendo muito com vocês, aprendemos juntos porque é normal aprender as coisas. Não desista de deixar coisas para trás, deixar relacionamentos abusivos. Você pode continuar. Seja leve hoje. Viva hoje. Seja hoje. É incrível quando a gente consegue.”. E assim a emoção tomou conta de todos e foi preciso “Desaguar”. Cantando esta última canção, pedida pelos circenses, “Desconfigurar o meu coração pra saber da boa nova que corre por aí”, a cantora encerrou com chave de ouro, elevando a autoestima da alma daqueles que anseiam pelo amor não líquido. 


“Nunca serás quem não és. Então seja quem tu és!”, Mahmundi, 17 de janeiro de 2019.



Confira a entrevista que rolou entre a Duda Beat e o IMMuB:

IMMuB: Quando foi que você teve o momento "Eureka" ao descobrir que, na verdade, a medicina que você deveria seguir era a sonora, onde a manutenção e restauração da saúde mental e cura para corações partidos seria, nada mais nada menos, que uma boa dose de sofrência pop, fruto de suas próprias frustrações? Como foi esse processo?

DUDA BEAT: Bom acho que meu momento “eureka” foi quando eu percebi que precisava e sentia a necessidade de ser respeitada, principalmente pelos caras com quem eu sempre quis ter um namoro, sempre quis estar junto e não consegui. E foi nesse momento que eu me encontrava no fundo do poço, porque eu estava muito frustrada na minha vida. Foi quando uma grande amiga chegou pra mim e falou assim: “eu acho que você deveria ir em um retiro espiritual que eu fui e foi muito importante na minha vida”. E foi assim que eu fui naquele retiro e neste momento minha vida mudou. Hoje em dia eu estou muito melhor, mais calma, entendo mais as coisas que o universo dá, que o presente dá pra gente. Eu percebi que deveria tomar esse lugar pra mim, de cantora, principalmente porque todos os caras por quem eu me apaixonei eram músicos. No retiro eu meditei pra caramba, fiquei em silêncio por 10 dias e refleti bastante sobre minhas decepções. Sai de lá tendo a certeza de que eu queria a música pra minha vida, então foi uma coisa mais ou menos assim, o destino me deu esse presente de ter essa amiga em especial e de me dizer que eu tinha que ir para esse lugar pra poder realmente me descobrir. É muito doido porque quando sai de lá eu já tinha a certeza absoluta de que iria dar tudo certo, de que eu ia conseguir tudo que eu queria, veio de dentro de mim uma certeza que nem eu sei explicar, esse foi o momento. Sai de lá e chamei, até então meu grande amigo, Tomás Troia pra poder começar a “brincar” de música comigo. Ele que é uma pessoa que eu admiro muito e que estuda desde os treze anos harmonia, me deu a certeza de que tinha que ser o Tomás, meu amigo que tá comigo e tem as mesmas referências que as minhas. Eu tinha certeza que ia dar “meet” esse encontro. Comecei a ir sempre na casa dele, nisso eu já tinha umas 4 canções, assim mais ou menos, que eu tinha escrito em momentos corriqueiros da minha vida, em que estava sofrendo, e mostrei a ele. Pra minha surpresa ele amou as canções e falou “vamos começar a fazer aos poucos e sem presa”. Fizemos todo o processo com muita calma, muita paciência e com muita certeza de que tudo ia dar certo. Demoramos dois anos ao todo, principalmente pelo fato de que eu tinha que pagar, pagar mix, pagar master e, fazer um disco é uma coisa cara, então eu fui fazendo esses processos aos poucos, trabalhava, juntava dinheiro, fazia uma música, fazia outra, então todo esse processo durou dois anos e foi muito importante ter durado esse tempo para um amadurecimento meu, de palco, de tudo assim, de me projetar naquele lugar, então acho que foi o time perfeito pra gente soltar o disco e ele ser o sucesso que tá sendo, como a gente já tinha previsto.

IMMuB: O que nos chamou a atenção em suas músicas são as letras e harmonias que falam de coisas sérias, como a desvalorização do amor não líquido, em um tom leve. Por estarmos em um momento efervescente no cenário político brasileiro, que afeta todas as facetas da arte e relações interpessoais, onde para sobreviver às pessoas devem ser fortes, militantes, sempre ter uma resposta para tudo e nunca mostrar as fragilidades que atingem o ser humano, você chega com uma porção de reggae, dub, brega, pop e manguebeat e trata de dores que são os resultados desse desamor todo. Você já parou para pensar que sua música não fala diretamente de uma pauta revolucionária, porém ela acaba revolucionando drasticamente por si só, chegando aos primórdios desse momento crítico que vivemos, que é a fragilidade dos laços humanos e o amor líquido? Como as pessoas reagem a sua proposta de mensagem sonora?

DUDA BEAT: Sim, eu já parei para pensar nisso, acho que a revolução que você (IMMuB) fala e que eu percebo também é uma revolução de quebrar um pouco, por exemplo, no Instagram a gente percebe que as pessoas estão sempre muito felizes, a vida das pessoas são muito perfeitas e eu acho que é um ato de coragem muito grande a gente demostrar fraqueza sabe. No meu disco eu demonstro toda a minha fraqueza, de uma forma leve porque desde o início era um intuito meu e de Tomás, que tudo isso fosse muito leve, fosse uma sofrência, mas que as pessoas se divertissem muito com isso, até porque isso tem haver comigo, isso é um protesto também, aos tipos de laços que são construídos hoje em dia. Eu sou uma pessoa muito romântica, então eu sofri muito. Um dos caras, por quem eu sofri, foi o que fiquei por 7 anos e ele não queria me assumir e eu senti na pele o que é gostar de alguém e querer ter ele pra si – não no sentido de pose, mas de ter uma relação, construir uma relação com essa pessoa e não conseguir. Depois disso entrei em mais um que foram 3 anos ficando comigo sem me assumir, foi um processo muito doloroso pra mim e demostrar isso foi uma revolução. E é tão revolucionário que você (IMMuB) me pergunta aqui, "como as pessoas reagem a sua proposta nessa mensagem sonora?". A maioria das pessoas chegam pra mim e falam "nossa, eu me identifico totalmente com o que você fala, o seu disco me ajudou a superar um relacionamento, a superar um fim de um casamento" e pra mim isso é o verdadeiro sucesso, quando você consegue tocar profundamente uma pessoa que sente a mesma coisa que você, que sente empatia pelo seu som, pelo fato dela sentir a mesma coisa e por viver nesse mundo onde os relacionamentos líquidos estão a todo vapor e acaba se fragilizando também, tanto quanto eu me fragilizei em todos esses momentos. Hoje em dia eu to feliz a beça, tenho um relacionamento construído com o Tomás, nesse meio do processo a gente acabou se apaixonando, o que foi uma grande surpresa pra mim e ao mesmo tempo uma grande alegria. E é isso, no final das contas eu tenho um disco muito bom, ainda tenho muita música de sofrência pra botar ai pro mundo e pra fazer as pessoas também se conscientizarem sobre isso que estou falando, sempre com tom empoderador, de se amar, se respeitar e não buscar a felicidade em mais ninguém – que era o que eu fazia. Então acho que é isso, a tampa da panela da gente ta por ai e todo mundo acha, eu acredito muito nisso. Que bom que você (IMMuB) notou que era revolucionário as minhas canções, porque eu também acho é uma revolução do amor, uma revolução de outro tipo de amor, um amor que se entrega, se doa e que é feliz e se constrói.

IMMuB: Como você vê a importância do trabalho de resgate, preservação, manutenção e divulgação da memória musical brasileira para os novos artistas em cena?

DUDA BEAT: Eu acho de extrema importância esse trabalho de resgate, preservação e manutenção da memória musical brasileira. O Brasil é muito rico culturalmente e com certeza os artistas são novos, porém todos eles escutam as múltiplas músicas que estão por aí desde sempre, como a bossa nova. Eu, que vim da minha cidade (Recife) de frevo, maracatu, tenho isso dentro de mim, a minha formação musical é essa, e todos os ritmos que estão ai, pagode, axé, então é muito importante que haja essa manutenção. Cada dia mais acho que é assim, os tempos mudam e com certeza os artistas novos dão tons diferentes a todas essa músicas que já existem, mas ela precisa de alguma forma tá ali para poder reafirmar o que a gente tem de melhor, que é a nossa cultura, então é fundamental essa preservação e resgate da memoria nacional da música, porque ela é perfeita e maravilhosa, não tem porque a gente não se lembrar disso, eu sou muito feliz em ter nascido no Brasil e, quando olho pra cultura brasileira, fico mais feliz ainda porque é muito rica, muito maravilhosa, tem coisas que até a gente nem conhece e que estão ai, então acho fundamental.


Texto escrito por Gabriela Rodrigues
Fonte da imagem: fotos de Michelle Castilho



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