Coisas Nossas

Partido Alto

terça, 21 de maio de 2019

Compartilhar:

O samba de Noel Rosa está inteiramente ligado ao samba que se fazia no Estácio, apesar do curto flerte que o poeta da Vila teve com o compositor Sinhô aos 15 anos de idade. Entre seus protagonistas encontramos os compositores Bide, Nilton Bastos e Ismael Silva. Este último, o parceiro mais constante de Noel. Juntos fizeram 18 sambas. Mais do que os 11 sambas que Noel compôs com seu parceiro Vadico. Isto prova o comprometimento de Noel com um novo samba que surgia naquele momento, com o samba “urbano”, liberto da influência direta do maxixe ou dos sambas de compositores que vieram da Bahia. Era um samba carioca, de raízes originadas nos morros e subúrbios da “cidade mulher”

Conseqüentemente, este samba moderno tinha ligação direta com o samba de “partido alto”, comum nos morros cariocas. Seu formato era de apenas uma parte, isto é, a primeira parte. A segunda parte do samba ficava por conta da improvisação. Em verdade, o partido tem muitas segundas-partes. O improviso sempre versava sobre um tema específico. É preciso associá-lo às rodas africanas de batuque. O partido alto vem daí. Uma espécie de desafio. Isto talvez seja explicado pela tradição medieval ibérica dos trovadores, dando origem no Brasil aos cantadores – ou seja, aos poetas populares que iam de região em região, com a viola nas costas, para cantarem os seus versos. Eles apareceram nas formas da trova gaúcha, do calango em Minas Gerais, do cururu em São Paulo, do repente nordestino. Ao contrário dos outros, este último se caracterizava pelo improviso – os cantadores faziam os versos "de repente", em um desafio com outro cantador. Não importava a beleza da voz ou a afinação – o que valia era o ritmo e a agilidade mental que permita encurralar o oponente apenas com a força do discurso

O mesmo acontecia com o samba de “partido alto” do Rio de Janeiro. Neste caso encontramos a figura do “partideiro”, do sambista que sabe versar. No entanto, os versos improvisados por estes compositores só se prestam ao “desafio” entre os sambistas em uma roda de samba. Não sobrevivem fora deste contexto. São versos feitos para aquele momento específico, para um tema em particular. Noel descreve com perfeição este tipo de samba na música QUEM DÁ MAIS (Leilão do Brasil). Entre os bens leiloados está justamente o samba de partido altoNoel Rosa faça referência aos sambas urbanos nascentes, sambas de uma parte apenas, feitos no Estácio, Mangueira, Oswaldo Cruz e Salgueiro. Na descrição deste “lote”, o leiloeiro informa que o samba “... não tem introdução, nem segunda parte; e que nasceu no Salgueiro”.

Por falar nisso, Noel Rosa era especialista em versos de improviso. Não só na música DE BABADO de sua autoria, onde ficava improvisando novos versos pelo rádio, como também nos desfiles carnavalescos. O bloco que Noel desfilava era famoso por abrigar respeitáveis foliões improvisadores. O samba do bloco tinha o formato de um partido alto, isto é, um refrão e versos improvisados. Para a turma do Estácio o partido alto serviu como base para a construção de um novo tipo de samba, que viria a se consolidar como o modelo de samba padrão, clássico, definitivo no nosso cancioneiro popular. Inicialmente acrescentaram uma “segunda parte” que não era improvisada. Junto com primeira parte, formava um conjunto mais harmonioso, mais completo do que os versos improvisados do partido alto. Aos poucos, as duas partes foram se integrando cada vez mais. Esta “bossa” - expressão trazida pelo Noel para a canção popular – ao contrário da bossa-nova que surgiria 30 anos depois, mantém-se até hoje viva com excelentes compositores e cantores. Por incrível que pareça, sem nenhum ranço de velhice.


Por: João Carino



Comentários

Divulgue seu lançamento