Música

A voz de um cantador: ‘20 Super Sucessos’ de Zé Ramalho

quarta, 14 de outubro de 2020

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A coletânea “20 Super Sucessos” de Zé Ramalho, lançada pela Polydisc em 2000, é um dos discos mais explorados no site do IMMuB pelos nossos usuários. Trata-se de uma boa amostra da obra desse cantor e compositor nascido na Paraíba que fez do inusitado casamento entre o rock´n´roll e a música tradicional nordestina a tônica de sua discografia - e, consequentemente, dessa coletânea também. 

A voz de um cantador

Ela abre justamente com o sucesso “Avôhai”. Nascida de uma experiência alucinógena, a canção foi lançada por Vanusa em 1977 e é também a faixa que inaugura o disco de estreia de Zé Ramalho, de 1978. E ela já aponta as principais influências que ele abordaria ao longo da carreira: a temática esotérica, o misticismo, a influência de Bob Dylan e o eco dos cantadores populares do Nordeste que foram trilha sonora de sua infância. 


Do álbum de estreia, a coletânea inclui também “Vila do sossego” e a versão instrumental de “Bicho de 7 cabeças”, parceria com Geraldo Azevedo e Renato Rocha revivida no filme homônimo dirigido por Laís Bodanzky em 2001. 

O álbum seguinte de Zé Ramalho se tornou um clássico da música brasileira ao propor a eletrificação da antiga temática de tradição nordestina do confronto entre Deus e o diabo, sempre presente nos repentes e nos livros de cordel, que transpôs para a música pop. Estamos falando do antológico “A Peleja do Diabo Com o Dono do Céu”. Com esse disco, Zé Ramalho se firmou como espécie de trovador contemporâneo, um cantador popular a narrar, em epopeias modernas, questionamentos filosóficos e situações cotidianas. 

Além da faixa-título, “20 Super Sucessos” selecionou outras três canções desse álbum histórico: “Beira mar”, “Pelo vinho e pelo pão” (lançada por Fagner em 1978 no disco “Eu Canto - Quem Viver Chorará”) e, claro, “Admirável gado novo”, que se tornou um dos grandes sucessos da carreira de Zé Ramalho


Esse mesmo estilo reaparece no álbum seguinte de sua discografia, “A Terceira Lâmina”, de 1981, que também é muito bem representado na coletânea da Polydisc. Dele estão presentes “Canção agalopada”, a pungente “A terceira lâmina” e “Filhos de ícaro”, um grito por liberdade: 

“Desamarrem os laços
Façam coisas pela liberdade
Digam versos pela resistência
Pelos caminhos das aventuras
As alturas merecem todas as asas” 

Parcerias

As 20 músicas do repertório do álbum revelam também importantes parcerias firmadas por Zé Ramalho ao longo da carreira. A primeira é, claro, Geraldo Azevedo, com quem assinou, além de “Bicho de sete cabeças”, o clássico “Táxi lunar” (junto com outro parceiro, Alceu Valença). Foram eles três, junto com Elba Ramalho, que se uniram no histórico show de 1996, “O Grande Encontro”, que originou um álbum ao vivo gravado no Canecão e diversos outros desdobramentos que se repetem até hoje com novos discos, turnês comemorativas e lives

A parceria com o produtor e hitmaker Mauro Motta, especialista em canções românticas e populares, é representada por “Acredite quem quiser”, de temática religiosa. Essa música foi lançada em 1987 no álbum “Décimas de um cantador”, que revelou outras parcerias dos dois, como “Pelos telefones” e “Ser boy”, versão de Mauro para “This boy”, dos Beatles. 

A amizade com Fagner se revela em “Filhos do câncer”, gravada em dueto e retirada do álbum “Orquídea Negra”, de 1983. A parceria dos dois já rendeu diversas outras interseções, incluindo um álbum em conjunto, “Fagner & Zé Ramalho Ao Vivo”, registro ao vivo da turnê colaborativa de 2014. 

Foto: Marcos Hermes/Reprodução (Agência O Globo) 

O intérprete

Os “20 Super Sucessos” também revelam uma outra faceta importante de Zé Ramalho: a de intérprete. Ao longo da carreira, ele lançou diversos discos com releituras, como os tributos a Raul Seixas (2001), Bob Dylan (2008), Luiz Gonzaga (2009), Jackson do Pandeiro (2010) e Beatles (2011), além do regionalista “Nação Nordestina”. A coletânea “20 Super Sucessos”, anterior à maioria desses trabalhos, já contém algumas gravações de canções que não foram compostas por ele mas ganharam interpretações muito interessantes, quando não definitivas. 

Orquídea negra”, por exemplo, que dá nome ao belo disco de 1983, é uma composição de Jorge Mautner, outro compositor afeito aos temas místicos e filosóficos. Há ainda a gravação de “Um índio”, composição de Caetano Veloso que ficou marcada pela voz de Maria Bethânia no disco “Doces Bárbaros”, gravada originalmente por Zé Ramalho no álbum “Opus Visionário”, de 1986. Uma canção que se encaixou perfeitamente no estilo de suas narrativas grandiloquentes. 


Outra pérola é a engajada “Hino de Duran”, lançada por Chico Buarque em 1979 na peça “Ópera do Malandro”, relembrada por Zé Ramalho no álbum “Décimas de um cantador”, seis anos antes de Oswaldo Montenegro regravá-la no show “Seu Francisco”

Por fim, “Paisagem da flor desesperada”, música que fecha a coletânea, é um bolero meio rock´n´roll de Israel Semente, um lado B delicioso lançado no irreverente disco de 1984, “Pra Não Dizer Que Não Falei de Rock Ou Por Aquelas Que Foram Bem Amadas”

Foto: Reprodução 

Para além da discografia completa de Zé Ramalho, o “20 Super Sucessos” é, enfim, um álbum que merece ser ouvido. Com o recorte preciso de 20 músicas, é um bom apanhado da obra monumental desse artista que segue enovelando os mistérios da vida e dos tempos na voz retumbante de um cantador. 

Texto por: Tito Guedes

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