Amigo ao Peito

Meu amigo Leo

segunda, 23 de novembro de 2020

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Fui aluno do professor Leo Affonso de Moraes Soares. Nome de diplomata, pinta de galã (a cara do Charlton Heston), um dos maiores professores de violão de nossa história. 

Tive poucas aulas com ele, logo não tem culpa do tanto que eu toco mal. Fui à primeira aula bem intimidado, afinal era o famoso Leo e o desconhecido eu. Bobagem minha. Ele e sua querida Ruth me receberam em sua casa com todo o carinho possível.

Eram os anos 80. Fumávamos. Muito. A aula durava um cinzeiro cheio. Enchia, acabava a aula. Dentro de casa... Sua santa esposa não reclamava. Terminada a aula, ele normalmente me dava carona até o metrô. No seu Opala, o carro mais anos 80 de todos. Ele morava – mora – na Rua das Laranjeiras, movimentada rua aqui no Rio de Janeiro, mão dupla. Ali ele repetia o maior sucesso de seu sósia, Charlton Heston: Moisés. Abria o Mar Vermelho que era a rua movimentada virando à esquerda, cruzando a pista, ignorando os incautos que trafegavam normalmente, as buzinas, cantando o pneu do Opalão. Quando chegávamos no metrô eu tinha que esperar alguns segundos para minha alma me alcançar, o susto era grande. 

E fumávamos. Eu parei. Ele continuou.

E o inevitável aconteceu. Teve um piripaque bem sério, e num dia em que seria homenageado na Escola de Música veio a notícia de sua internação. Quase enfartei junto, chegou um recado dele pedindo que o representasse na cerimônia. Foi – e não gosto de falar sério – uma das maiores emoções da minha vida. Lisonjeado com a honra, emocionado com o carinho, e preocupado com sua saúde, mas tendo a certeza que ele sairia dessa, como de fato saiu. E no meu improviso falei dessas mesmas coisas que falei acima, de suas características mais curiosas, e terminei falando do privilégio que é ter sido seu aluno, da segurança que ele nos passava, de sua amizade, de poder sempre contar com ele. Os grandes professores sempre são também grandes amigos, e ele era um. 

Irmão adotivo de meu outro mestre, Jodacil Damaceno, começou a aprender com ele. Mas com estilo próprio, um violonista ágil, virtuoso, inconfundível. Ouvi-lo uma vez era não esquecer mais. E ser seu aluno era sempre lembrar de sua frase famosa, “estudando, sai”. E que no fim das contas resolve: de fato, estudando tudo sai.

Resolvi pedir a um outro seu aluno, que toca um bocadinho melhor que eu, para se juntar a mim nessa homenagem, Marcelo Kayath:

Comecei a estudar com o Professor Leo Soares no final dos anos 70 na Pro-Arte do Rio de Janeiro. Minha aula sempre acontecia às sextas no final da tarde. Naquela época, a Pro-Arte era um centro de excelência de educação musical, a gente respirava música assim que entrava pela porta. Eu sempre chegava pelo menos três horas antes da minha aula com o Leo, porque assim tinha chance de participar de alguma coisa que estivesse acontecendo ali na hora. Dei sorte muitas vezes, adquirindo conhecimentos musicais inestimáveis de professores como Homero Magalhães, Norton Morozowicz e muitos outros. No entanto, a coisa mais importante do meu dia era realmente a aula com o Leo.

Aquelas aulas no início da minha formação foram importantíssimas para a minha personalidade musical. Leo sempre soube como entusiasmar e desafiar os alunos, muitas vezes até exagerando no desafio, mas sempre visando a evolução musical, e não apenas aspectos da técnica violonística. Muitas vezes ele tocava para mim, exemplificando passagens, ou mesmo músicas inteiras. Nessas ocasiões, ele sempre me chamava muito a atenção, não só pelos cuidados com a qualidade do som mas também com a preocupação de sempre tocar com personalidade e focado na interpretação. Para ele, a técnica estava sempre a serviço da música, e nunca tive a impressão de que usava ou recomendava técnica como uma coisa de exibição pura.

Tenho até hoje na memória muitas daquelas aulas, e aquele som especial que ele tirava daquele Hauser de tampo escuro permanece nos meus ouvidos até hoje. E aquele vibrato especial, que fazia com que o relógio digital que ele usava no pulso esquerdo fizesse um barulho intenso, "sambando" de um lado pra outro? Ali naquelas aulas aprendi que a técnica era importante, mas era apenas um meio para atingir meus objetivos musicais - e nunca mais esqueci disso. Sem aquele empurrão inicial na direção certa, tenho convicção que jamais teria conseguido realizar o que alcancei na música. 

Amigo Leo: conte com a minha eterna admiração e os mais sinceros agradecimentos - sem os seus ensinamentos e entusiasmo, minha vida teria certamente tomado um rumo diferente. 

Do amigo de sempre, 

Marcelo Kayath

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