Colunista Convidado

O arranjo

quinta, 14 de janeiro de 2021

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Fazer arranjo é vestir uma música. Essa frase eu ouvi a primeira vez de um professor de arranjo, há quase 30 anos. E até hoje eu não achei definição ou analogia melhor. Fazer arranjos não é só escrever para orquestras, produzir partituras complexas. A cada vez que alguém canta uma música, ou toca num instrumento, ou mesmo assovia uma melodia, já tem um arranjo ali. Já tem, por exemplo, a definição do andamento, se está mais rápido ou mais lento. Já tem a definição do tom da música. Se a pessoa canta uma música se acompanhando ao violão, já tem arranjo na definição dos acordes que ela vai tocar, na levada que ela faz na mão direita. Tudo isso faz parte do arranjo, do ato de arranjar, de, mais uma vez, vestir uma canção.

Na chamada música erudita ou clássica, o compositor é o arranjador, o orquestrador, ele escreve toda a partitura que vai ser lida pelos músicos, pelos intérpretes. Alguns compositores eruditos faziam mesmo a função de arranjadores, quando recolhiam temas folclóricos e transformavam em peças completas, orquestrais ou com outras formações.

Já na música popular, o trabalho do arranjador fica no meio do caminho entre o compositor e o intérprete. O arranjador trabalha em cima do que o compositor escreveu - no caso de canções é normalmente uma letra com melodia e uma harmonia de acompanhamento. Cabe ao arranjador, em parceira com o intérprete e o produtor, dar a roupagem para a música. E isso passa por decisões básicas: a canção vai ser apresentada uma vez ou com repetições? Terá algum tipo de introdução? Todas essas decisões são decisões de arranjo.

Até o começo do século XX, não era comum a música popular ser escrita, era normalmente improvisada, mais espontânea. Não existia a figura do arranjador tal como depois ficou conhecida, era um trabalho mais coletivo. Com o advento das gravações, a função do arranjador passou a ser fundamental na produção de partituras que seriam executadas pelos músicos no estúdio.

Com a chegada da radiodifusão, o arranjador passou a ser ainda mais requisitado. Em grandes emissoras como a Rádio Nacional (RJ) havia várias orquestras diferentes para executar a programação ao vivo. A produção de arranjos era muito intensa, cada emissora tinha uma equipe de arranjadores contratados, e muitos dos maiores arranjadores brasileiros do século passado trabalharam em rádios, como Pixinguinha, Radamés Gnatalli, Lindolfo Gaya e Moacir Santos.

Até meados dos anos 1970 algumas emissoras de televisão ainda tinham uma orquestra contratada, assim como as grandes gravadoras. Dos anos 80 para cá a demanda por arranjos para orquestras diminuiu paulatinamente, hoje é praticamente restrita a projetos especiais.

Atualmente o trabalho de arranjador se mistura um pouco com o trabalho de produtor na definição de grooves, timbres e texturas. No fundo, é o trabalho de sempre, mas com outros elementos: usa-se menos os recursos de instrumento de orquestra e mais instrumentos elétricos e sintetizados. 

A função do arranjador é pouco compreendida até hoje pelo público em geral, o que me levou a produzir uma série de programas chamada "O ARRANJO" no meu canal de YouTube. Nesses programas, eu analiso gravações importantes da música brasileira tentando apresentar de forma didática e clara elementos dos arranjos que muitas vezes passam desapercebidos aos ouvintes: uma frase de violinos, uma introdução de flauta, um naipe de metais. E qualquer amante da música pode acompanhar, não precisa ser músico. Além de mostrar o arranjo, eu contextualizo a gravação da música, conto quem são os autores, os intérpretes, os arranjadores, enfim, traço um painel do que existe por trás de uma gravação, de um arranjo. 

Assista abaixo um dos vídeos publicados no canal: 


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