Além da Frequência

O grito da expressão independente do Lira Paulistana

quinta, 23 de setembro de 2021

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Teatro que se tornou palco de um importante movimento independente da música nacional, o Lira Paulistana trouxe realce para a expressão urbana que buscava ter voz na capital paulista, o que tornou possível uma movimentação cultural responsável por grandes transformações na música nacional.

Tudo se iniciou com a vivência sensitiva de Wilson Souto Jr. em 1979, que até esse momento era um músico que participava de diversas apresentações, dentre elas integrando a orquestra do Gota d’Água, peça teatral de Chico Buarque que se prolongou por uma longa temporada. Após esse convívio com a rotina do teatro, o músico, junto com Valdir Galiano (este permanecendo apenas pelos dois primeiros meses), passou a procurar um espaço para exposições e apresentações teatrais, dada sua experiência anterior. Assim, encontraram em no bairro de Pinheiros um apresentável porão, com lotação para aproximadamente 150 pessoas que viera a trazer vida para o projeto dos sócios que mal se imaginava a proporção que este tomaria.

As atividades do espaço foram iniciadas pela peça “É Fogo Paulista”, por indicação dos membros da banda do Gota d’Água, e que teve a importante participação do diretor Mário Mazetti, que além de nomear o até então teatro como Lira Paulistana, reuniu um grande elenco para a peça, permitindo assim um sucesso imediato da apresentação, inaugurando assim o espaço.

Após esse momento de abertura de suas portas, o Lira logo preencheu seus horários alternativos com uma programação musical, sendo iniciada pelo projeto chamado “Vozes e Violas”, que teve a participação de nomes como Almir Sater, Tetê Espíndola, Paçoca, entre outros artistas, se mostrando também como um espaço ideal para o campo musical.



O núcleo para funcionamento do espaço era responsável por Wilson Souto Jr., Chico Pardal, Plínio Chaves, Fernando Alexandre, e por fim, Ribamar de Castro, este último tendo escrito um livro de memórias vivenciadas no espaço, chamado “Lira Paulistana – Um delírio de porão” e que dirigiu também um documentário de 2013 intitulado “Lira Paulistana e a Vanguarda Paulista”.

Após ser convidado para ser jurado da Feira da Vila, Wilson passou a conhecer Itamar Assumpção, que por sua vez era músico do Arrigo Barnabé, sendo uma figura que se mostrava inspiradora e que já frequentava o Lira, nos apresentando assim o diálogo da cena musical que vinha ocorrendo. Foi então que a vontade de montar uma gravadora trouxe um eixo central para o Lira, tendo seu primeiro disco lançado com “Beleléu, leléu, eu”, de Itamar junto com a banda Isca de Polícia, logo no ano de 1980, sendo um marco para a música independente e o que os jornais posteriormente chamariam de Vanguarda Paulista, termo cunhado de fora para dentro.

A partir disso, se enxergou a força catalisadora presente no Lira Paulistana, sendo um berço musical que possibilitou a livre expressão cultural, ao reunir pessoas e sendo um ponto de encontro de diversas linguagens, levantando as mais diferentes tendências, com o ponto comum de serem músicos independentes.

Além do movimento de vanguarda paulista contar com a presença de Arrigo Barnabé, que já caminhava sua carreira com o álbum “Clara Crocodilo”, lançado em 1980, esse movimento trouxe a unidade necessária para bandas que estavam produzindo de maneira esparsa, como Premeditando o Breque, Rumo, Língua de Trapo, Tonelada & Seus Kilinhos, Grupo Um, e o regional Grupo Paranga, além de músicos como Tetê Espíndola, Cida Moreira, Eliete Negreiros, Laura Finocchiaro e Zé Eduardo Nazário.

Se formava assim um cenário musical à margem do mercado da época, desconectado da realidade das gravadoras, que era vista como uma expressão engessada e até mesmo atada.

Por um breve período, já nos últimos anos de sua atividade, o Lira foi palco para bandas de rock e punk que começaram a aparecer, nomes como Ratos de Porão (que chegaram a gravar um álbum no Lira), Titãs, Ira! e Cólera foram algumas das bandas a se apresentarem no palco do teatro.

O Lira Paulistana encerrou suas atividades no ano de 1986, e ao tomar seus anos em atividade, desde 1979, e tendo um selo fonográfico que rendeu 17 discos de artistas que se tornariam grandes nomes da música nacional, podemos observar que o teatro na realidade significou um movimento cultural e de comportamento, e como toda movimentação dessa natureza possui um prazo de validade.

Assim como relatado pelo autor do livro, Riba: "O Lira era reflexo do fim da ditadura, um momento de mudança, e acabou como acabam as paixões.”.

O cenário da música independente evidencia sua importância ao ecoar a voz de quem tem muito a dizer, oferecendo um caminho para conhecer a real diversidade da música brasileira e as grandes fontes para a sua renovação.

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