Colunista Convidado

O miniaturista Carlos Careqa em “60 mini songs”

quarta, 11 de maio de 2022

Compartilhar:

Deve ser um recorde, embora seu protagonista, o cantor, compositor, músico e produtor catarinense Carlos Careqa não vise honrarias numéricas. Seu novo álbum, “60 mini songs” (Barbearia Espiritual), conforme anuncia o título, contém nada menos de seis dezenas de canções, dos mais variados formatos e gêneros, um trabalho acurado de miniaturista.

“A fugacidade das canções! Temos 30 segundos, 45 segundos, 1 minuto, no máximo, para expressar uma ideia no mundo virtual que nos abrange todos os dias”, escreveu no texto de apresentação. “Sem muita enrolação, mostro a que veio a ideia da canção”, complementa ele, que desenvolveu o repertório durante o período da pandemia, de 2020 a 2021. Mas evitou o tema óbvio, além da chamada polarização política, ou o derramado “amor romântico”.

Sucintos três verbos definem o projeto – “pensar, compor, cantar” - desenvolvido ao lado do parceiro Marcio Nigro (guitarra, violão, viola caipira, baixo teclados e samples), com quem dividiu arranjos, ideias, e também foi responsável pela gravação, mixagem e masterização. “Somos assim. Poucos e muitos. Uma canção para cada ano vivido”, decupa o sessentão Careqa, titular das múltiplas vozes da jornada, além de violão e samples.

Foto de Edson Kumasaka

Nascido em Lauro Muller (SC), criado em Curitiba, Carlos de Souza, o Carlos Careqa estudou teatro e música. Nos anos 90, morou em Berlim, Alemanha, e Genebra, Suíça, onde apresentou-se em casas noturnas. De volta ao país, estabeleceu-se em São Paulo, onde integrou o grupo Pelo Público, e pegou o último vagão da vanguarda paulistana, associando-se a Arrigo Barnabé, no selo Thanx God Records, por onde lançou seis álbuns entre 1993 e 2009. Entre eles, “Os homens são todos iguais”, “Não sou filho de ninguém”, “Pelo público” e “Tudo que respira quer comer”. Lançou outros discos, nos anos seguintes, por sua etiqueta Barbearia Espiritual, como “Alma boa de lugar nenhum”, “Made in China”, “Palavrão – Música infantil para adultos”, e “Por um pouco de veneno – um tributo a Tom Waits”. Também compôs trilhas sonoras para peças de teatro, comerciais e participou de filmes como “Canção de Baal” (2007), dirigido por Helena Ignez, baseado em Bertolt Brecht, onde ele interpretou o papel principal e ainda o cientista Albert Einstein. 

No turbilhão de “60 mini songs”, o satírico e iconoclasta Careqa viaja por um caleidoscópio de gêneros e ritmos, do baião ao tango, pop/rock, música circense, brega, marcha, erudita, canção e outras abordagens menos identificáveis. Ele põe letra em temas do erudito checo-austríaco Gustav Mahler (1860-1911), em “Vou voltar”, “O cuco está morto” (“Quem vai passar o tempo/ quem vai contar o tempo”); do alemão Hans Eisler (1898-1962), em “Cemitério de automóveis” e “Cara de pau” (“pertence à escoria a tua laia/ merece a prisão”) e ainda musicou “Cansaço” (“a sutileza das sensações inúteis/ as paixões violentas por coisa nenhuma”), de Álvaro de Campos, um dos heterônimos de Fernando Pessoa (1888-1935). O poeta português é homenageado em outra composição que leva apenas seu nome: “coisas breves/ vão te tocar/ qual vento leve/ primeiro estranhas/ depois entranhas”. Como as demais, toda apenas de autoria do multifacetado Careqa.

Entre elas, estão micropoemas ancorados nos sete pecados capitais, que abrem o cortejo. Da “Gula”, cevada por som de bombardino (“as estrelas que brilham são estrelas tão magras/ mas ela gosta de comer”) à contra ritmada “Avareza”, com uma citação da antiga marchinha carnavalesca “Me dá um dinheiro aí” (dos irmãos Homero, Glauco e Ivan Ferreira), sucesso do personagem mendigo de Moacyr Franco, na inicial “Praça da Alegria”, de 1960. “Inveja” (“olho gordo, mau olhado/ sentimento desgraçado”) desliza num compasso de tango. Embolerada, a “Vaidade” receita, “é perigoso apostar tudo em si mesmo”, enquanto a “Preguiça" exalta seu célebre avatar baiano: “o ócio é a mãe da invenção (...) Dorival sambou/ sem se levantar”. Lendário pela lenta formulação de suas obras primas, o compositor reaparece na farpada “Adoro perder tempo”: “tempo não é dinheiro não/ então, Caymmi na jogada”.

Há também micro canções que abordam as quatro estações, “Verão” (“mormaço/ tento me esquecer/ que eu existo”), “Outono” (“renovar o mesmo ar/ preparar o mesmo solo”), “Primavera” (“desfolha/desagua”) e “Inverno” (“eu vou morrer pra renascer”). Com ginga nordestina, “The request” vadeia entre o onirismo e a ironia: “Já que tu vais pra Miami/ traz umas coisas pra mim (...)/ uma mulher inflável pra ser minha namorada/ dessas que a gente deseja/ quando a gente é criança/ com cabelo de princesa e a virtude da esperança”. Lenta, valseada, ácida, “Inveja plágio” remexe o caldeirão de admirações: “Tenho inveja de Beethoven/ de Chopin/ tem também o jovem Mozart/ Villa Lobos e Sebastião/ Pixinguinha e Noel Rosa/ Tom Jobim e Debussy/ Kurt Weil e o Satie/ Piazzolla e o Gustavão/ isso não é um plágio/ apenas uma citação/ todos os grandes fizeram/ mas você não prestou atenção”. E arremata na profissão de fé, “Eu faço canção”, “como quem limpa casa/ de dentro pra fora/ soprando brasa”.


Comentários

Divulgue seu lançamento