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Nostalgia e Pedrada em Noite Tributo ao Relicário de Cássia Eller

por Mila Ramos

quarta, 18 de maio de 2022

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A nostalgia BRock esteve presente no último final de semana com os Tributos de Cazuza e Cássia Eller, realizados no Teatro Riachuelo Rio. Confira como foi o Tributo “O Relicário de Cássia Eller”, no sábado 14 de maio.

"Agora vamos ter os girassóis do fim do ano e o calor vem desumano. Tudo irá se expandir, crescer com as águas. Quiçá, amores nos corações". 

Foi assim, à capela, entoando pelas quatro paredes do Teatro que Tacy de Campos abriu seu show e deu sequência em explosão de luz e som com sua banda. Os versos são da canção-título do álbum "Milagreiro", de Djavan, gravada com Cássia Eller em 2001 - uma letra que fala de religiosidade, traição e solidão, temas profundos e complexos, mas muito bem explorados na interpretação da cantora e compositora curitibana, que segurou as pontas agudas da música. Outra bela canção flamenca deu curso ao repertório, "Nós", do maranhense Tião Carvalho ("Eu sei que me disseram por aí e foi pessoa séria quem falou que você tava mais querendo era me ouvir cantar por aí").

Com o repertório calcado no lado A, e salpicadas do lado B, onde os verdadeiros fãs da cantora demonstraram conhecer de cor, Tacy provou que seu lugar no rock já está conquistado. E ela entregou tudo o que os fãs da Cássia Eller esperavam e um pouco mais em um show diverso.

Foto de Mila Ramos

Gentilmente, Tacy nos cedeu uma entrevista. Leia ao longo da matéria.

IMMuB: No ano de 1982, a banda Barão Vermelho lançou o álbum que é considerado o marco zero do rock nacional e, para celebrar este momento e o aniversário de Frejat agora em maio, o IMMuB traz o BRock como tema do mês. Como você enxerga a importância desse movimento?

Tacy: Olá! O rock’n’roll como um movimento de contracultura, originário dos Estados Unidos nos 50, teve uma importância fundamental na música brasileira. A mistura do nosso suingue e da nossa pegada com as origens do Blues, do Country e do Jazz, formou um rock popular que atinge seu ápice na sonoridade de bandas como Barão Vermelho, Titãs, Legião Urbana, Paralamas, entre outras, que marcaram a década de 80 e os anos subsequentes. Acho muito importante homenagear e trazer à memória essa época tão intensa, que reforça um ponto de partida, um marco musical pop da nossa história, influenciando a geração do presente e semeando as misturas que estão por vir. É seta pro futuro.

IMMuB: Além da Cássia Eller, quais são os outros talentos que você acredita que tenham lhe formado como artista?

Tacy: A Cássia é uma parte do iceberg de formação da artista Tacy. Mas claro que muito antes dela eu já colecionava outras influencias. E sempre fui muito sem preconceito musical, o que me chegava eu tragava. Elis Regina foi uma das primeiras vozes femininas que me impactaram com 8 anos de idade. Eu não entendia porque ela chorava ao cantar, eu vi uma semelhança comigo e que eu não sabia explicar porque as vezes entoar uma melodia me levava as lágrimas. E a infância foi ouvindo Elvis Presley, Air Supply, Roupa Nova, os LP’s do Julio Iglesias, as fitas cassete de vanerão…Rs. Na adolescência eu me apaixonei pelo rock nacional e foi quando conheci mesmo o som da Cássia.

Foto de Mila Ramos

Obviamente não poderia faltar o maior sucesso de sua carreira. Composta por Frejat e Cazuza nos anos 80 para Ângela Ro Ro que, ao receber a demo, não gostou muito, achou a letra pueril ofensiva para ela que não era mais uma "garotinha esperando o ônibus da escola". A música ficou esquecida até o dia em que Frejat, já nos anos 90, lembrou da Cássia, ela gravou e foi um sucesso - parece ter sido feita sob medida para ela. Neste momento do show, toda atmosfera visual e performática da Cássia Eller e sua vibrante energia estavam presentes na versatilidade de Tacy que brilhou com intensidade, em modulações e vocalizes perfeitos. O público vibrou e foi difícil não se emocionar.

"Criamos esse projeto em 2018 quando morávamos em SP e estreamos no Blue Note do Rio, em 2019. Ele foi idealizado quando o Musical entrou de 'férias' e as pessoas continuaram pedindo a Tacy para cantar Cássia Eller. A pandemia trouxe muita frustração, pois estávamos com muitos shows pra fazer e foram todos cancelados. Agora voltando com força total.", diz Chrisce de Almeida, produtora e co-autora de "O Relicário de Cássia Eller".

Mudando o tom, mas sem diminuir o peso, houve espaço para Tacy apresentar duas canções do seu trabalho autoral Quarto Mundo, lançado em janeiro deste ano. Nascido entre quatro paredes durante a pandemia, o álbum traz a essência da poesia em forma de canções que falam de amor e das relações humanas. "Eu acho que o amor é uma das forças mais poderosas e realizadoras que a gente pode ter dentro das relações humanas e isso é tão forte e tão poderoso que eu resolvi criar uma analogia na minha canção com as arvores. A mesma força e solidez do tronco de árvore deveria ser a força e a solidez das relações amorosas que é a força essencial do amor", complementou Tacy antes de cantar "Nosso Amor Vai Virar uma Árvore" e oferecer aos seus avós que completavam Bodas de Ouro naquele dia, para ela, o maior exemplo de um amor que virou uma árvore. Dando continuidade, a cantora Lica Tito fez uma participação solo especial, com Sir Lucas ao teclado, e também cantou "Ain't No Mountain High Enough" em dueto com Tacy, sucesso dos anos 70.

Quando perguntamos a Tacy sobre o que o público pode esperar de seus projetos para o futuro, ela complementou: "Sou compositora de natureza. Então, estou sempre compondo novas canções, novas parcerias. Lancei recentemente meu segundo álbum "Quarto Mundo" e quero poder levar essas canções pra mais pessoas por aí. Fora isso, adoro cantar coisas novas, de jovens compositores ou coisas velhas que pra mim são novas. Tô longe de parar ou restringir minhas as atividades no teatro ao Cássia Eller O Musical e super aberta a propostas também."

Foto de Mila Ramos

IMMuB: Em 2014 você estreou no espetáculo "Cássia Eller - O Musical", o que te motivou a fazer as audições e como se sentiu após passar no processo e ser escolhida para interpretar a personagem principal?

Tacy: Em 2014, eu fui solicitada pra fazer as audições sem sequer ter me inscrito. Eu morava em Curitiba, nasci lá, já era cantora e instrumentista, tocava na noite. Acontece que a preparadora de elenco Cibele Santa Cruz achou um vídeo meu na internet cantando um medley da Cássia, ela gostou e entrou em contato.  Cheguei de paraquedas, fiz o primeiro teste e já me pediram pra voltar na semana seguinte. Aí eu entendi que eles já haviam me escolhido. Foi um processo muito intenso na época, transformador, que me introduziu no universo do teatro e me profissionalizou definitivamente na música. Sou muito grata a essa oportunidade que a vida e a Sapatroa me deram.

IMMuB: Quem te vê no palco nota a clara semelhança entre você e a Cássia Eller contidas na mesma timidez, no timbre de voz que muitas vezes se confunde com a personagem em cena. Existe algum processo de mantra ou conexão mística que te preparam antes de entrar no palco para interpretar a Cássia ou, de fato, é algo espontâneo e natural?

Tacy: A priori era algo espontâneo e natural, sim. Eu era muito quieta e introspectiva, ainda mais recém chegada no Rio. Mas aos poucos eu fui mudando, me soltando e me descobrindo uma pessoa bem menos tímida. Uma mudança natural e necessária pra sobrevivência no meio, inclusive. Hoje em dia, várias semelhanças no palco, principalmente quando estou fazendo o espetáculo teatral, são conscientes e propositais, para criar o efeito mágico do teatro. Pra conseguir isso, eu tive ir atrás de descobrir e descontruir todo aquele espontâneo e ai redescobrir quem eu era e onde ficava a Cássia nisso tudo hehe.

Foto de Mila Ramos/Montagem

Com certeza um dos grandes destaques da noite e que mais movimentou o público, a interpretação de "Por Enquanto" - com Daniel Oliveira ao violino -, "All Star" e "Palavras" merecem todas as loas possíveis. A artista interpretou com maestria e precisão cirúrgica, para em seguida relembrar momentos bem rock com "Luz dos Olhos" e o som de "O Segundo Sol", despejado com riqueza de detalhes. Por momentos se confundia não ser a própria Cássia quem estava no palco.

Tacy parecia estar muito à vontade. Dançou, tocou seu violão e foi interativa com o público. Pra fechar a noite, trouxe uma apresentação bastante variada com um medley de "Jorge Maravilha" (Chico Buarque), "Luz de Tieta" (Caetano Veloso), "Beija-Flor" (Timbalada), "Velha  Roupa Colorida" (Elis Regina) e "Top Top" (Os Mutantes). O show teve todos os ingredientes para satisfazer a plateia.


IMMuB: Parafraseando a canção: você poderia ser uma arquiteta, uma deputada ou jornalista, porque escolheu mesmo ser é a Cássia Eller?

Tacy: Nunca escolhi ser a Cássia. Ela me escolheu, na realidade. De várias formas durante ao longo da minha vida, a música e existência de Cássia atravessaram meu caminho, forçando a aceitar esse papel de representá-la, de cantar sua música e levar sua figura pelos palcos. Já lutei contra isso, mas hoje em dia levo como uma missão que me coube por razões que desconheço e que vai me guiar pelo tempo que precisar, enquanto “precisarem” de mim.

IMMuB: A música brasileira é tocada nos quatro cantos do mundo, a nossa produção musical é tão rica quanto vasta. São incontáveis canções, célebres intérpretes, incontáveis compositores e um universo muito particular de gêneros, ritmos e entoadas. Para ti qual a importância da memória musical brasileira? 

Tacy: Memória musical é tudo o que a gente tem de mais precioso. Complementando o que respondi na primeira pergunta, a gente tem que conhecer bem nosso passado pra entender o presente e criar melhor pra vislumbrar um futuro. Acredito na diversidade musical, na capacidade da nossa música se miscigenar, se fundir e transformar-se incansavelmente. O Brasil é um berço de artistas e deve continuar sendo. Só conseguiremos isso através de investimentos em educação e cultura. Sempre. Esse é o único caminho. E a pandemia tá aí como prova de que não somos máquina. Não somos só corpo, salário e pão. A gente é subjetivo, é fantasia, é sonho. E é aí que as artes atuam. Elas salvam a alma. Uma alma doente destrói o corpo. Acredite, a música salva!


Sim, Tacy, a música Salva! :)

Foi nostalgia e pedrada em noite tributo ao rock. Uma apresentação intensa e pode-se dizer que Cássia Eller está bem representada. Noite memorável, produção impecável, público participativo, músicos de grande potencial: Victor Arcaya (Violão Elétrico), Daniel Oliveira (Baixo e Violino) e Daniel Filgueiras (Bateria e Percussão). Impossível deixar passar despercebido as imagens do telão que deram seu toque sensível e na magia das luzes que complementavam o espetáculo. Trabalho este realizado pelo técnico de luz Felício Mafra, e um salve ao técnico de som João Paulo Pereira que foi impecável em sua execução. A produção do Tributo “O Relicário de Cássia Eller” ficou por conta de Chrisce Almeida, a quem devemos um agradecimento especial por nos abrir esse caminho e por toda gentileza que nos prestou. A equipe do IMMuB também agradece toda cordialidade do Teatro Riachuelo Rio.


Mila Ramos é fascinada por música e foi em seu trabalho com bandas cover em 2012 que encontrou uma nova paixão: o Music Business. Especializou-se em Marketing e Design Digital pela ESPM-RJ e somou seus conhecimentos ao mundo musical como Produtora Artística. Em 2017, entrou para o Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB). Lá chegou ao cargo de Coordenadora de Comunicação e, sob sua gestão, conquistaram o Prêmio Profissionais da Música 2019, e o Programa Aprendiz esteve entre os finalistas de 2021.

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