Historicizando as canções

Fernando Mendes, o sádico poeta das multidões

segunda, 26 de setembro de 2022

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Luiz Fernando Mendes Pereira, mais conhecido apenas como Fernando Mendes, nascido em Conselheiro Pena, Minas Gerais, em 1950. Com 17 anos formou o grupo Blue Boys, tocando nos bailinhos de sua cidade natal, mas não durou muito, um tempo depois se mudou com a família para o Rio de Janeiro, onde se tornou crooner na Boate Plaza, em Copacabana.

Lançou seu primeiro LP em 1973, fazendo sucesso com a canção “A Desconhecida”. Assim como Paulo Sérgio, Fernando Mendes conseguiu sucesso no seu primeiro disco, e isso é interessante de ser pontuado pois grandes nomes da música brasileira não conseguiram esse feito, como João Gilberto (sua primeira gravação não foi "Chega de Saudade", ele teve trabalhos pelo conjunto Garotos da Lua e dois solos antes do famoso abre alas da Bossa Nova) e Roberto Carlos, que como Paulo Cesar de Araújo nos mostra, nenhuma gravadora queria contratá-lo e mesmo quando conseguiu uma gravação, "Louco Por Você", não teve o sucesso esperado.

Capa do seu primeiro LP

“Numa tarde tão linda de Sol
Ela me apareceu
Com um sorriso tão triste
Um olhar tão profundo, já sofreu [...]
Nunca teve amor
Não sentiu calor de alguém
Nem sequer ouviu a palavra carinho
Seu ninho não existiu
Sinceramente eu chorei de tristeza
Ao ouvir
Tanta coisa que a vida oferece
Que a gente padece
Sem querer [...]"

Em 1974, lançou mais um disco e dessa vez teve problemas com a Censura por causa da canção “Meu Pequeno Amigo”, a canção foi feita em razão do desaparecimento do garoto Carlos Ramirez Costa, conhecido como Carlinhos, o garoto foi sequestrado em agosto de 1973 no Rio de Janeiro.

“Na mesma rua que você brincou
Já não existe mais aquele Sol
A mesma paz
Não adianta procurar
Quem viu não vai falar
E o sonho terminou
Digam pra mim
Digam pra mim onde está
E o que foi que fizeram
Com o meu pequeno amigo [...]"

Inicialmente a canção foi liberada mas depois das execuções nas rádios a música foi vetada. Fernando Mendes afirmava que na época não tinha consciência política e não entendeu o que aconteceu, o motivo do veto, qual seria o problema da música. Muitos podem achar simplesmente que a Censura do governo militar era burra, como muitos que falam sobre determinado grupo de músicos no período da Ditadura Militar tentam endossar com a intenção de exaltar um seleto grupo. A questão da censura é complexa, os censores eram de graus de escolaridade distintos e muitos tinham consciência do jogo de palavras que poderia ser feito nas composições. Essa canção de Fernando Mendes foi feita em um período em que tiveram muitos “desaparecidos!” políticos, e a canção em nenhum momento fala do nome de Carlinhos, associando ela ao sequestro do garoto, tratando o desaparecimento em um sentido mais amplo, e por isso não agradou os militares. Algo parecido aconteceu com Waldick Soriano, que teve sua composição "Tortura de Amor" por causa da palavra censura, e sabemos que a música não estava falando dos porões da ditadura e sim tortura em um sentido poético, se referindo a uma dor de desilusão amorosa.

Capa do LP de 1974


Contudo, essa não foi a única vez que Fernando Mendes sofreu com a Censura. Em 1978, a canção “Sádico Poeta” foi censurada por causa de sua primeira estrofe:

"Eu quero te comer feito antropófago
Sugar teu sangue assim que nem vampiro
Em ti vou me afundar que nem um náufrago
Eu quero respirar o teu suspiro[...]
Eu sei que pode parecer loucura
Mas eu te amo com muita ternura
Eu quero te falar que eu já não sou meu
Agora eu sei que sou completamente teu [...]"

Fernando Mendes teve bastante sucesso na sua carreira. Além de “A Desconhecida”, podemos citar “Cadeira de Rodas”, “A Menina do Subúrbio”, “Feitiço”, entre outras, mas uma em especial precisa ser lembrada, “Você Não me Ensinou a te Esquecer”, que muitos pensam ser uma canção de Caetano Veloso, que a regravou e fez parte da trilha sonora do filme Lisbela e o Prisioneiro:

“Não vejo mais você faz tanto tempo
Que vontade que eu sinto
De olhar em seus olhos, ganhar seus abraços
É verdade, eu não minto [...]
Você bem que podia perdoar
E só mais uma vez me aceitar
Prometo agora vou fazer por onde nunca mais perdê-la
Agora, que faço eu da vida sem você?
Você não me ensinou a te esquecer
Você só me ensinou a te querer
E te querendo eu vou tentando te encontrar [...]”

Assim como Odair José, nosso artista de hoje cantou diversas músicas usando personagens do nosso cotidiano, sempre falando de amor, sendo um cronista das histórias de amor do cotidiano brasileiro. Essa lembrança ao Odair é feita aqui pois os dois artistas, apesar de sua vasta obra e sucesso, foram tratados por desprezo pela elite intelectual do nosso país, os tratando como cafonas/bregas, e por muito tempo foram deixados de lado nas discussões acadêmicas sobre a história da nossa música.

Porém, pelas camadas mais populares da nossa sociedade, são lembrados com carinho e admiração. Nesse grupo, Fernando Mendes não é visto como um artista de baixa qualidade, mas sim como um exemplo da maior estirpe da música romântica, presente na memória afetiva de vários brasileiros.

Fernando Mendes possui uma vasta discografia, não será a única vez que estará estampando essa coluna, mas com certeza esse texto serve como uma pequena amostra do grande valor que este compositor tem e sua importância no cancioneiro brasileiro.


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