Colunista Convidado

Francisco Alves, o Rei da Voz – 70 anos de Saudade

por Marcelo Bonavides de Castro

terça, 27 de setembro de 2022

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Que o Brasil é um país de muitas riquezas naturais e culturais, muitos concordam e conhecem um pouco dessa diversidade cultural. É uma cultura que veio sendo, ao longo dos séculos, construída e fixada por inúmeros protagonistas, mulheres e homens. Entre eles, se encontra Francisco Alves, cantor que encantou várias gerações de 1919 a 1952. Há exatos 70 anos, ele falecia, calando uma das mais belas e importantes vozes de nossa música popular.

Francisco Alves em 1930 - Arquivo Nirez

Francisco de Moraes Alves nasceu em 19 de agosto de 1898, na Rua da Prainha, no Rio de Janeiro. Foi uma criança peralta e brincalhona, não sendo muito amigo dos livros. Preferia ficar brincando pelas ruas. Ainda na infância, recebeu o apelido de “Chico”.

Na segunda metade da década de 1910, seguiu os passos da irmã, Nair Alves, que era atriz do Teatro de Revista. Além de Nair, ele também trabalhou com a atriz Zazá Soares que o batizou de “Chico Viola”, e sempre gostava de ouvi-lo cantar.

Sua primeira grande oportunidade como cantor aconteceu em outubro de 1919, quando o compositor Sinhô (José Barbosa da Silva) o convidou para gravar três músicas em disco. A gravadora era A Popular, de propriedade de João Gonzaga, companheiro da compositora Chiquinha Gonzaga. No dia da gravação, Francisco Alves estava acompanhado de algumas sobrinhas, que fariam parte do coro. Ele gravou as seguintes músicas de Sinhô: O Pé de Anjo, marcha; Fala, Meu Louro (Papagaio Louro), samba; e Alivia Esses Olhos, samba. O acompanhamento foi feito pelo Grupo dos Africanos, sendo o disco lançado em 1920. 

Embora a marcha O Pé de Anjo fizesse muito sucesso, inclusive sendo o título de uma famosa peça de Teatro de Revista em 1920, Francisco Alves ainda continuava tentando alcançar a fama.

Após um rápido casamento, que se iniciou e terminou em 1920, ele conheceria ainda nesse ano a atriz-cantora e dançarina Célia Zenatti, com quem passou a viver. A união duraria aproximadamente vinte e oito anos, tendo os dois atuado juntos nos palcos várias vezes.

Ainda na primeira metade da década de 1920, Francisco Alves atuava como ator-cantor aliando, a isso, o trabalho como chofer de praça. Nessa época, ele gravou dois discos para a célebre Casa Edison. Em um deles, gravou as músicas de Sebastião Santos Neves, Chamas do Carnaval, marcha carnavalesca, sendo acompanhado pelo Coro do Theatro São José; e Miúdo, samba gravado por ele com o Grupo do Sebastião e Coro. A gravação aconteceu em 24 de janeiro de 1924. Esse disco chegou até nossos dias, sendo possível conferir as gravações. O outro disco, que se encontra desaparecido, até o momento, trazia as marchas carnavalescas de Freire Júnior: Não me Passo pra Você e Mademoiselle Cinema (Mlle. Cinema).

Voltaria a gravar por volta de 1926, ainda no processo mecânico de gravação, tendo lançado vários discos Odeon Record para o ano de 1927, com aproximadamente 19 músicas. Ainda em 1927, lançaria 13 músicas pelo selo Odeonete, ligado à Odeon.

Francisco Alves em Fortaleza, 1938 - Arquivo Nirez (1)

O ano de 1927 marcaria também o surgimento do processo de gravação elétrica em discos. E coube à Francisco Alves gravar o primeiro disco nesse sistema de gravação. O disco, Odeon, trazia as composições de Duque (Antônio Lopes de Amorim Diniz), Albertina, marcha e Passarinho do Má, samba. A partir de então, Francisco Alves passou a gravar regularmente, lançando vários discos no mercado. Já em 1928, devido ao seu sucesso nos discos e nos teatros, é considerado o Príncipe dos Cantores Brasileiros.

A partir de 1928, passou a gravar também pela Parlophon, subsidiária da Odeon. Nessa gravadora atuava como Chico Viola, lançando discos até 1931. O interessante é que ele concorria consigo mesmo, pois seus discos na Odeon também faziam sucesso. Na Parlophon, Chico Viola gravaria aproximadamente 106 músicas.

Em janeiro de 1930, em um concurso promovido pela Casa Edison, interpretou (e gravou) a marcha Dá Nela, de Ary Barroso, que ganhou o primeiro lugar. A música fez muito sucesso e foi lançada no Teatro de Revista pela jovem gaúcha Zaíra Cavalcanti que, dessa forma, se fez estrela de nosso teatro musicado.

No final do ano de 1933, atuava na Rádio Mayrink Veiga. O locutor César Ladeira, que também era o diretor artístico da rádio, criou o famoso slogan para Francisco Alves, batizando-o de Rei da Voz.

Ao longo de sua carreira, Francisco Alves gravou com outros artistas. Entre eles, se destaca Mário Reis. Os dois gravaram por volta de vinte e quatro músicas, em uma grande sintonia: a suave voz de Mário Reis casou-se perfeitamente com a potente voz de Francisco Alves. Entre as músicas, destacamos Se Você Jurar, samba de Francisco Alves, Ismael Silva e Nilton Bastos, e Fita Amarela, samba de Noel Rosa.

Como outros artistas de sua época, Francisco Alves comprou várias músicas de outros compositores, colocando seu nome como autor. Era uma prática comum de seu tempo...porém, ele também foi compositor e era um grande violonista, tendo sido professor de violão, chegando a gravar alguns discos em solo deste instrumento. Entre as composições de sua autoria que fizeram sucesso, citamos A Voz do Violão, que ele compôs ao lado de Horácio de Campos. A primeira gravação foi feita em 1928 e, devido ao sucesso, ele gravaria ainda em 1929, 1939 e em 1951. Essa música era um de seus prefixos.

Seus discos vendiam muito bem. Em entrevista à revista O Malho, em 1929, Francisco Alves citava o samba Não Quero Saber Mais Dela, de José Barbosa da Silva (Sinhô), que ele gravou com a atriz-cantora Rosa Negra e foi lançado em janeiro de 1928, que vendeu vinte e cinco mil cópias, um ótimo número para a época. Já o disco em que trazia Samba de Verdade, samba de sua autoria e S. Fernandes (Brancura), vendeu vinte mil cópias, sendo lançado em setembro de 1928. Ambos gravados em discos Odeon.

O Rei da Voz gravou um disco, com duas músicas, ao lado da Pequena Notável, Carmen Miranda. Eles lançaram, pela Victor, Retiro da Saudade, marcha de Antônio Nássara e Noel Rosa, e Ninho Deserto, samba de Evaldo Ruy. Francisco Alves, curiosamente, também gravou, em 1930, uma música com sua esposa, Célia Zenatti, chamada Que Me Importa, marcha de Joubert de Carvalho. Seriam sucessos igualmente as gravações que fez ao lado de Dalva de Oliveira, a Rainha da Voz. Os dois deixaram páginas antológicas de nosso cancioneiro, como Brasil, samba de Benedito Lacerda e Aldo Cabral; Acorda Estela, samba de Herivelto Martins e Benedito Lacerda; Valsa da Despedida, valsa de Robert Burns, em versão de João de Barro e Alberto Ribeiro, e Dois Corações, samba de Herivelto Martins e Valdemar Gomes.

Por três vezes fez excursões artísticas a Buenos Aires, em 1930, 1931 e 1936. Na excursão de 1931, entrou em cena logo após Carlos Gardel, o grande ídolo argentino. Francisco Alves cantou um dos tangos do repertório de Gardel, recebendo do público uma das maiores ovações de sua vida.

Entre os artistas que lançou, citamos Orlando Silva, o Cantor das Multidões, e João Dias, que seria seu herdeiro artístico.

Ao longo das décadas de 1930 e 1940, atuou no rádio, discos, cassinos, shows, fez excursões e apareceu em alguns filmes. Entre eles estão: Alô, Alô Brasil (1935), Alô, Alô Carnaval (1936), Laranja da China (1940), Céu Azul (1941), Berlim na Batucada (1944), para citar alguns. Em Berlim na Batucada ele interpreta, entre outras músicas, seu sucesso, A Voz do Violão

Atuando nas principais gravadoras de seu tempo, como Odeon, Victor e Columbia, Francisco Alves lançou centenas de sucessos ao longo de sua carreira. Para os festejos juninos gravou Pula a Fogueira (1936), Marcha de Getúlio Marinho (Amor) e João Bastos Filho; ao longo dos carnavais, lançou A Malandragem (1928), samba de sua autoria e Alcebíades Barcelos (Bide), Grau Dez (1935), marcha de Ary Barroso e Lamartine Babo, Eu Brinco (1944), marcha de Pedro Caetano e Claudionor Cruz, Isaura (1945), samba de Roberto Roberti e Herivelto Martins, fora outros êxitos. Aliás, ele foi um dos poucos cantores que gravou praticamente todos (ou quase todos) os ritmos de seu tempo. Foi o cantor que mais gravou discos em 78 rpm.

Francisco Alves também lançou em discos vários clássicos, como Aquarela do Brasil (1939), samba de Ary Barroso; Na Virada da Montanha (1935), P R Você, marcha de Cristóvão de Alencar e Hervê Cordovil; samba de Lamartine Babo e Ary Barroso; Eu sonhei que tu estavas tão linda, valsa de Lamartine Babo e Francisco Matoso; Nervos de Aço (1947), samba de Lupicínio Rodrigues; Marina (1947), samba canção de Dorival Caymmi, entre tantos outros que, ainda hoje são cantados.

Francisco Alves, anos 30 - Arquivo Nirez

Em 24 de setembro de 1952, ele estava contratado pela Odeon, porém, foi “emprestado” para a Victor a fim de realizar algumas regravações de antigos sucessos. Na ocasião, ele gravou; É Bom Parar, samba de Rubens Soares; Foi Ela, samba de Ary Barroso; A Mulher que ficou na taça, valsa de sua autoria e de Orestes Barbosa e Serra da Boa Esperança, samba canção de Lamartine Babo. 

Toda essa carreira de sucesso foi interrompida no final da tarde do dia 27 de setembro de 1952, na Via Dutra, na altura da cidade de Pindamonhangaba, quando o veículo em que Francisco Alves estava, chocou-se contra um caminhão. O cantor teve morte instantânea. Ele retornava para o Rio de Janeiro, vindo de São Paulo, onde havia feito um show no Largo da Concórdia.

Hoje, passados setenta anos de seu falecimento, Francisco Alves é um nome injustamente (quase) esquecido. Em 1952, ele teve um dos maiores velórios e enterros que o Rio de Janeiro e o Brasil já presenciaram, com milhares de pessoas lhe dando adeus. Atualmente, seu nome e carreira, felizmente, são relembrados por fãs, colecionadores e uma mídia especializada em cultura nacional. Dessa forma, Francisco Alves ainda canta e conquista novas gerações, impressionando ainda por sua belíssima voz e repertório apurado. A depender dessas pessoas, a memória do Rei da Voz está bem segura e seu canto ainda será ouvido por muito tempo ainda.



Marcelo Bonavides de Castro, 47 anos, é natural de Fortaleza (CE). É jornalista, historiador, pesquisador musical e ator. Desde 1988, pesquisa a vida e a obra de artistas do teatro de revista, do disco e do rádio, no período de 1859 a 1940. Possui o blog Arquivo Marcelo Bonavides (Estrelas que nunca se apagam)Atualmente, está cursando Mestrado em História, Culturas e Espacialidades pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Contato: bonavides75@gmail.com


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