Música

Do Brasil a Marte: as aulas do Professor Almir Guineto

segunda, 01 de julho de 2019

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Em 2017, o Brasil se despediu de Almir Guineto, sambista, compositor, intérprete e instrumentista que nos deixou em decorrência de problemas renais e diabetes. Se vivo, completaria 73 anos de vida em 12 de julho de 2019. Idolatrado e respeitado por seus contemporâneos, Almir é chamado até hoje por muitos sambistas como "Professor". Segundo Arlindo Cruz, "se o samba tivesse uma imagem, esta seria a de Almir Guineto". Tamanha devoção pode ser compreendida se lembrarmos que o samba brasileiro seria muito diferente hoje se não tivesse existido Almir Guineto. No mínimo, teria sido menos rico.

Isso porque Almir, ao longo da década de 1970, foi um dos assíduos frequentadores das rodas de samba de Cacique de Ramos, que reuniu uma geração de talentosos sambistas, criadores, para alguns, do chamado "pagode", vertente do samba que se assemelha ao partido-alto que estourou na década de 1980. A grande contribuição de Almir foi a criação de um instrumento híbrido, utilizando o banjo com o braço do cavaquinho, dando origem a uma sonoridade que acabou se tornando sua marca registrada.

Nascido no Morro do Salgueiro, Almir já cresceu dentro do universo do samba. Seu pai, Iracy Serra, foi um dos mais importantes compositores da Acadêmicos do Salgueiro. Sua mãe, conhecida como Dona Fia, era compositora, costureira e personagem importante da mesma escola. Seu irmão, Francisco de Souza Serra, mais conhecido como Chiquinho, foi um dos fundadores do grupo Os Originais do Samba.

Nesse cenário, não tinha como ser diferente: Almir estava destinado a fazer sua parte para não deixar o samba morrer. Já na década de 1970, começou a tocar na bateria do Salgueiro e acompanhou diversos conjuntos como instrumentista. Foi nessa época também que ele estreou como compositor. A música "É ouro só", composta em parceria com o amigo Mussum, foi incluída no LP Alegria de sambar dos Originais do Samba. Pouco depois, em 1979, suas músicas começaram a ganhar a voz daquela que seria sua principal intérprete e madrinha artística: Beth Carvalho. Nesse ano, ela gravou "Pedi ao céu" (parceria com Luverci Ernesto), "Tem nada não" (também com Luverci Ernesto e mais Jorge Aragão) e o grande sucesso "Coisinha do pai", que se tornou um clássico de Beth Carvalho, de Almir Guineto e, sem dúvidas, da música popular brasileira.

Mas a missão de Almir Guineto no samba brasileiro estava só começando, pois foi na década de 1980 que ele viveu seu auge criativo e de sucesso. Em 1980, participou da fundação do Fundo de Quintal, um dos mais importantes grupos de samba do Brasil até os dias de hoje. A estreia se deu com o disco Samba é no fundo de quintal e a formação do grupo, além de Almir, contava também com os sambistas Bira, Ubirany, Jorge Aragão, Sereno, Neoci e Nemezio. Neste disco, estão presentes outras duas composições de Almir: "Volta da sorte" (com Luverci Ernesto) e "Gamação danada" (com Neguinho da Beija-Flor).

Este foi, no entanto, o primeiro e último disco da rápida passagem do Professor pelo Fundo de Quintal. No ano seguinte, estreou em carreira solo com o disco O Suburbano. Com este trabalho inicial, Almir confirmava mais uma vez seu talento de compositor e instrumentista, e se revelava também um intérprete inspirado, cantando diversas composições de autoria de compositores seus amigos, como Beto Sem Braço, Martinho da Vila e até sua mãe, de quem gravou o divertido samba "Saco cheio", que recentemente foi regravado por Maria Rita: “Tudo que se faz na Terra/ Se coloca Deus no meio/ Deus já deve estar de saco cheio!”.

A partir daí, Almir Guineto firmou-se efetivamente como o Professor: deu aulas excepcionais com compositor, tocador de banjo e cavaquinho e intérprete. Foi gravado por grandes nomes do samba, como Zeca Pagodinho, Alcione, Jovelina Pérola Negra e, claro, Beth Carvalho, que nessa década eternizou, por exemplo, as músicas "É, pois é" (1980) e "À luta Vai-Vai!" (1984).

Em 1986, Almir Guineto nos presentou com aquele que é certamente o disco mais significativo de sua carreira. Intitulado simplesmente como Almir Guineto, o álbum traz sucessos definitivos na sua voz, como "Caxambu", "Mel na boca", "Conselho" e uma de suas composições mais inspiradas, feita em parceria com Zeca Pagodinho: "Lama nas ruas". A música fala das enchentes que já naquela época inundavam as ruas do Rio de Janeiro e as relacionava aos bons e maus tempos no amor. Mais uma pérola lapidada por Almir para a grife do cancioneiro nacional: “Que importa/ Se há tanta lama nas ruas/ E o céu é deserto sem brilho de luar?/ Se o clarão da luz/ Do teu olhar vem me guiar/ Conduz meus passos/ Por onde quer que eu vá”.


No final da década de 1990, a música de Almir Guineto ultrapassou as fronteiras. Não, não estamos falando de carreira internacional, pois isso é pouco para o Professor. Estamos falando do espaço mesmo! Em 1997, a engenheira brasileira da NASA Jacqueline Lyra usou a música "Coisinha do pai" para “acordar” o robô Pathfinder, que explorava o solo de Marte. No ano seguinte, Almir comentou o episódio na música "Samba de Marte", composta em parceria com M. Xerife, Arlindo Cruz e Sombrinha, e registrada por Beth Carvalho, cuja voz eternizara a música que ganhou o espaço.


Dizem os versos do "Samba de Marte": “Onde eu cheguei/ Nenhum mortal chegou/ Modéstia à parte, nessa arte/ Deus me consagrou/ O meu canto ecoou/ Por todo o universo/ Até em Marte o meu samba fez sucesso”.

De fato, Almir Guineto chegou aonde ninguém chegou, e fez mais do que não deixar o samba morrer. Deu – e continua dando – verdadeiras aulas de maestria às rodas de samba de todo o país, que nunca estão completas se não incluem ao menos um samba de Almir Guineto. E quem sabe ele não está lá em cima, talvez em Marte, sambando com a gente?


Texto por: Tito Guedes 
Fonte da imagem: Internet

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