Um papo com o Cazes

30 anos sem Radames Gnattali

sábado, 04 de agosto de 2018

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Radamés Gnattali (1906-1988) se mostrava tão bem disposto perto de completar 80 anos de idade, que parecia que ia durar pra sempre. Ao longo do ano de 1985 participou animadamente da remontagem de seu Quinteto, com três músicos do original: Chiquinho do Acordeom, Zé Menezes Luciano Perrone e um jovem contrabaixista, o Zeca Assumpção.  

Mesmo uns problemas de saúde que vez por outra o afetavam, não o faziam desanimar da música, das ideias musicais. Lembro de uma visita que fiz no hospital em fins de 1985, quando o encontrei animado com dois projetos, ambos transgressores, não convencionais. O primeiro era um concerto em 5 movimentos em que o Zé Menezes ia solar com um instrumento diferente em cada um: bandolim, cavaquinho, violão, violão tenor e guitarra elétrica. O outro era uma ópera popular com libreto do Aldir Blanc, cujo livro de crônicas "Rua dos artistas e arredores" ele estava lendo e adorando naqueles dias de molho hospitalar. Imaginem!

O primeiro AVC o abateu em janeiro de 1986 e um segundo seis meses depois, o tirou do ar. Convalesceu até 3 de fevereiro de 1988 e na noite desse dia o Theatro Municipal do Rio de Janeiro abriu suas portas para o velório público de Radamés. Fiquei lá, acompanhando o sobrinho e também maestro Roberto Gnattali e essa experiência foi marcante e reveladora. 

(foto do arquivo pessoal de Henrique Cazes)

Principalmente entre 23h e 7 da manhã, toda uma fauna de curiosos acorreu ao foyer do Municipal. Gente que estava passando, gente que veio dar o último adeus ao Maestro antes de ir trabalhar, gente que trabalhou durante a noite e passou lá antes de ir descansar. Só uma coisa era comum a todos, quando se falava Radamés Gnattali, as pessoas respondiam "da Rádio Nacional" e citavam "Um milhão de melodias", "Quando os maestros se encontram" e outros programas. Cabe ressaltar que essa programação da rádio já deixara de existir desde 1964, mas estava viva na memória das pessoas.

No dia seguinte, uma turma grande de músicos "acompanhou o féretro" como diz antigamente e ao final, já quase no portão de saída do Cemitério São João Batista, Tom Jobim levantou o chapéu num gesto para chamar nossa atenção e disse:

– Se o Radamés tivesse vindo no meu enterro ele ia propor um chope. Então vocês venham comigo que o Radamés agora sou eu…

E fomos nós, o pessoal da Camerata Carioca, do Departamento Musical da TV Globo, do Quinteto Radamés, compositores de diferentes gerações, veteranos da Rádio Nacional e MEC, e etc.. Nos acomodamos numa grande mesa do boteco pé sujo em frente ao campo santo com Tom numa cabeceira e Guerra Peixe na outra. Chegou a cerveja, enchemos os copos e na hora do brinde, Tom pediu silêncio e sugeriu que Guerra dissesse alguma coisa sobre o falecido que estávamos homenageando. Guerra suspirou, levantou o copo e disse num tom meio cômico:

– Radamés, com esse eu nunca briguei.

Rimos, brindamos e lembramos do tanto da música que ele havia escrito e morrido sem ouvir o resultado. Sabíamos que a missão de divulgar essa música não podia ser esquecida e ali nos comprometemos a tocar, lembrar e exaltar sempre a obra de nosso querido mestre. 

Trinta anos depois, temos visto resultados que, apesar de todas as dificuldades para se divulgar música de qualidade no país, têm levado a obra de Gnattali rumo a perenidade. Sempre com um pé na música de concerto e outro na música popular, como ele quis que fosse. Salve Radamés



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