Colunista Convidado

A ancestralidade à flor da pele de PC Castilho em “Tambor do mar”

Sexta, 2 de agosto de 2024

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Ouça "Tambor do Mar"

Multi-instrumentista de sólida formação, professor e compositor, o fluminense de Angra dos Reis, P.C. (Paulo Cesar) Castilho (31/1/1968) filia-se a uma nobre vertente afro brasileira por onde palmilharam entre outros, os maestros Abigail Moura (Orquestra Afro Brasileira), Moacir Santos (“Coisas”) e Letieres Leite (Orkestra Rumpilez). Após o manifesto duplo “Vento leste” (2008), seu mais recente disco, “Tambor do mar” (distribuído pelo selo de Los Angeles, EUA, Pacific Sands Recordings, dirigido pelos produtores Hans Zimmer e Steve Lindsey) ostenta na faixa título letra de Nei Lopes, parceiro do magistral Moacir Santos e outro ilustre praticante deste ramal musical. ”Com enorme prazer uni minha modesta poesia ao universo mágico e telúrico da musicalidade deste enorme PC Castilho”, elogia Nei, entrevistado pela jornalista Monica Ramalho para o release. “E nossa canção foi por ele vestida com toda a diversidade de modos e ritmos que o mar traz aos nossos sentimentos. Omi-ô, Iemanja obi olôcum!”, saúda Nei em iorubá, que em português significa “o mar sabe o que estamos lhe dizendo”. Em paralelo com as canções praieiras do baiano-mór Dorival Caymmi, obá de Xangô, o álbum de PC lança-se ao mar na maior parte de suas dez canções como a do título que o solista define como “ancestralidade à flor da pele”. “Tudo aconteceu a partir dessa composição”, salienta.

“Lá no fundo mais profundo/ dos mistérios da calunga/ a vida se faz mais rica/ lá retumba e repica/ junto ao cais do meu navio/ um batuque de arrepio/ é tambor do mar” proclama a letra sobre melodia fluida crivada de tambores e pastoreada pela flauta encantatória do autor da música. “São retalhos de lamentos/ que vem talvez de Luanda/ nas asas curvas do vento/ ritmando um sentimento/ tão solar quanto sombrio/ meio calor, meio frio” instiga o canto maleável de PC. Em “Festa na praia” (com Diego Zangado), PC evoca suas passagens pela África mãe, em Angola e Senegal. “Essa praia é aqui e lá”, situa. “Ah tambor de crioula/ tambor de Aruanda/ quilombo na areia/viola ao luar/ Tem jongo (...) tambor de ciranda no mar”.  Em parceria com Carmélio Dias, PC evoca a “Rainha dos maracatus”. Ele considera a composição um “maracatu balada” (“com pifes, caixa, gonguê e agogô, além de piano e guitarra dialogando na melodia”), mas não desguia do tema central: “O tambor que a gente escuta no mar/ é amor/ tomara/ é amor/ não para”. 

PC, no disco, além do vocal é titular das flautas, violão de nylon, percussão e também assina a produção, arranjos e direção musical. Seu currículo é robusto. Bacharel em música com habilitação em flauta transversal pela UNI-Rio, Mestrado em Criação e Interpretação pela Universidade da Bahia, ele integra o corpo docente da Escola de Música Villa Lobos desde 2003. Estudou harmonia com Luis Otávio Braga (Galo Preto), arranjo vocal com Marcos Leite (Garganta Profunda) e improvisação com Carlos Malta (Pife Muderno). A bordo de seu grupo abriu shows de vários artistas como Wagner TisoLeny AndradeMarcio Montarroyos e Toninho Horta em Angra dos Reis. Com Toninho gravou o CD “De Tom para Tom” (2000). Também participou de discos de Vittor Santos (“Trombone”, 1993), Yuri Popoff (“Era só o começo”, 1998) e Nelson Faria (“Ioiô”, 1994) e do musical “O samba Valente de Assis” (CCBB, 1995).

Luis Perequê, com quem gravou o disco “Encanto caiçara” (1993), é seu parceiro na faixa “Soa”. Em fogo brando percussivo, “fala de ancestralidade, do tempo que segue em frente, do mar que nos leva e traz a tantos lugares, com cello, coro e tambores”, decupa PC. Expoente da ressurreição musical da Lapa, Rodrigo Maranhão traz seu inefável sotaque sambista para a parceria com o solista, “Iara”, que evoca Madureira, Império Serrano e Portela, embalado pelo coro estrelado das “cabrochas” Nilze CarvalhoAna Costa e Maira Martins. Também da dupla autoral com Maranhão é “Devaneio” que PC começou a compor ao violão dedilhando uma levada de maculelê. “Acordes com cordas soltas e esse afrodedilhado me guiando. A melodia veio com notas longas. A letra do Maranhão chegou impulsionando um voo lindo que gosto muito de fazer cantando”, descreve o solista que plaina nos versos, “por onde eu vou/ por onde andei/ agora sei os segredos de cor/ (...) pássaros errantes/ voam no espaço milenar”. 

Ainda dos dois autores é “Rua da preguiça”, ijexá de exaltação às cores e sabores da Bahia da festa de Iemanjá do dia 2 de fevereiro, já incensada por Caymmi. Também ambientada na Bahia é “Luana” suingada pelo samba reggae das percussões do soteropolitano Bóka Reis. Foi escrita em louvação a uma afilhada (“foi você nascer aí/ bateu aqui no coração/ feito um tambor de Salvador”). Também do âmbito familiar é o xote “Moara” (“a flor que vai brotar/ do ventre da mãe”), resfolegado pela sanfona virtuose de Marcelo Caldi.  

Composta inicialmente para um espetáculo de dança, ”É hora” convida: “é hora de entrar no mar/ maré vazou/ agora dá pé”. A música incidental que atravessa o tema faz parte da Festa do Divino de Angra, que conduz e prega: “remar, remar, remar”. “Tambor do mar” tem show de lançamento nesta sexta feira, 2 de agosto, na Casa de Luzia, na Lapa, onde funcionou o seminal bar Semente.

Tárik de Souza

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