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A canção gaúcha contemporânea cintila em “Contraluz”, de Bebeto Alves

quinta, 27 de janeiro de 2022

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Um dos expoentes da cena multifacetada que colocou a MPB gaúcha no mapa nacional, ao lado de Raul Ellwanger, Nelson Coelho de Castro, Totonho Villeroy, Nei Lisboa e os irmãos (Kleiton, Kledir e Vitor) Ramil, Bebeto Alves desembarca um novo álbum, “Contraluz” (ProdutoOficial). Trata-se de um artefato típico destes tempos pandêmicos. “Gravei sozinho na minha casa, sem nenhum outro músico, sem técnicos, sem ninguém”, descreve ele, no encarte da edição em CD. “Não tinha certeza do que ia acontecer – um desafio, um experimento: escrever e trabalhar musicalmente essas novas canções, esse novo agora”, admite. O resultado é um mergulho estético intimista, mas ao mesmo tempo voltado para fora. Dissemina metaversos, como os de “Beat” (“la carretera ha sido larga, el desierto es el único lugar donde/ el horizonte es um espejo donde podemos mirarnos”), alinhavada  por guitarras, parceria com o compositor uruguaio Atílio Perez Acunha, recém falecido, A canção inspira-se no clássico libelo libertário “On the Road”, do escritor americano Jack Kerouac e cita o grupo de hard rock Steppenwolf (“mas se ha dormido el rock and roll”). 

 “Olha/ me apura/ me diz, fiz juz?”, questiona a sombreada faixa título, onde a voz arenosa, flambada em minuanos, do solista, esgueira-se na “Contraluz”: “Uma palavra solta ou ao revés/ outro sentido, um outro viés/ nada se explica/ nada é como é”. Mais indagações povoam a secular interjeição “Aque D’el Rey” (parceria com Alexandre Vieira), desdobrada em canção folk encorpada: “o que se desenha em luz e carvão/ risca a vida, linha da mão/ céus, montanhas, me vão e vem/ serei esse relevo, eu serei?” Adornada por scat e falsete no miolo, a encordoada “Desconversa”, de percussão circular, dissimula: “Não me pertenço/ faço e me desfaço/ não uso o tempo/ não ocupo espaço”. 

Foto de Simone Schlindwein

Mas há décadas, Luis Alberto Nunes Alves, o Bebeto Alves, nascido na fronteiriça Uruguaiana, ocupa um espaço generoso na canção gaúcha e nacional. Significativamente, debutou em Porto Alegre, no começo dos 70, a bordo do grupo Utopia. Depois de participar do coletivo “Paralelo 30” (1978), o primeiro solo, em seu nome, saiu em 1981. Infiltrando elementos de pop, reggae, rock e música eletrônica na milonga e outros ritmos gaúchos, Bebeto edificou uma discografia eclética, com títulos como “Notícia urgente”, “Novo país”, “Pegadas”, “Danço só”, “Milonga de paus”, “Paisagem”, “De aço e algodão”, “Bebeto Alves y la milonga nova”, “Porto reggae”, “Blackbagualnegovéio”, “Devoragem”, “O maravilhoso mundo perdido”, “Milonga orientao”. E mais coletivos como “Juntos ao vivo” (com Totonho Villeroy, Nelson Coelho de Castro e Gelson Oliveira), “Paralelo trinta ontem e hoje (Raul Ellwanger, Carlinhos Hartlieb, Nelson Coelho de Castro, Cláudio Vera Cruz, Nando D’Avila), e ainda “Mandando lenha” (com Lúcio Yanel e Clóvis Boca Freire) e “Porto Alegre canta tangos”. Bebeto também atuou nas trincheiras da cultura. Foi diretor do Centro de Música (CEMUS), da Funarte, do Instituto Estadual de Música (IEM), da Secretaria Estadual de Cultura. Presidiu a Cooperativa Mista de Músicos de Porto Alegre, foi Secretário Municipal de Cultura e Turismo de Uruguaiana e coordenador de música da Secretaria de Cultura da cidade de São Leopoldo. 

No texto do encarte, Bebeto admite ter se determinado a um ponto final, “num último disco no ano passado”. Mas, “gravei este novo trabalho. Um trabalho que é um contínuo do meu tempo e de mim”. Como ele clareia, na enevoada “Terra à vista” (com Gelson Oliveira): ‘um beijo daqui de ontem/ é uma ponte sobre água corrente/ traz vento, traz vida, luz”. Ou como propele nos melismas de guitarras calçadas por percussão marcada, em “Aroma perdido” (com Cao Trein): “Eu já não posso deixar de rasgar as asas do poema/ (...) nem deixar de sentir o aroma perdido/ no ar da fronteira”. (Tárik de Souza)


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