Tema do Mês

A despedida do boêmio

PARTE 3: O adeus de Nelson Gonçalves

domingo, 30 de junho de 2019

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Segundo o biógrafo Marco Aurélio Barroso, Nelson Gonçalves teve tudo em excesso na vida: voz, sucesso, dinheiro, mulheres e tormentos. Embora com a popularidade quase sempre inalterada, a vida pessoal de Nelson Gonçalves passou longe de ser estável. O período mais conturbado de sua vida começou em 1958, quando se envolveu com as drogas, viciando-se sobretudo na cocaína.

A partir daí, a vida do artista seria dividida entre a consagração popular recebida nos palcos e o inferno vivenciado na vida real. O vício fez com que o nome “Nelson Gonçalves” deixasse de aparecer somente nos segundos cadernos e começasse a aparecer também nas páginas policiais.

Perseguido por traficantes, teve que se mudar do Rio de Janeiro para São Paulo em 1964. A estratégia, no entanto, não adiantou: ele apenas trocou de fornecedores. Tanto que em 1966 foi preso na frente dos filhos e levado para a Casa de Detenção sob acusação de tráfico de entorpecentes.

Na prisão, aconteceu um significativo episódio, que serve para exemplificar o fascínio e o respeito que a figura - e a voz - de Nelson Gonçalves inspirava em seu público - seja esse público qual fosse. Em poucos dias preso, o cantor recebeu um um apoio de peso. Não de seus colegas artistas, mas dos novos colegas presidiários. Ao saberem que o ídolo do rádio tinha sido preso, 3 mil carcerários reuniram-se num abaixo-assinado que pedia o aumento da pena de um dia cada um em troca da libertação de Nelson Gonçalves. Nesse mesmo dia, durante o banho de sol, Nelson ouviu a mais melancólica e ainda assim comovente homenagem que poderia receber naquele momento: os 3 mil presos entoaram em uníssono os versos de "A volta do boêmio", seu grande sucesso.

Depois do episódio, o cantor foi levado para uma clínica, dando início ao seu processo de desintoxicação. A partir daí, viu-se livre finalmente do vício da cocaína.

Não pense, no entanto, que a carreira de Nelson decaiu durante esse período. Como mostra o exemplo citado acima, sua popularidade era inquebrantável, e ele só ficou sem gravar novos discos pelo período de dez meses, entre 1965 e 1966. A partir daí, encerrando a fase mais turva de sua trajetória, Nelson iniciou um novo momento de sua carreira, que durou até o fim, em 1998: sem conseguir firmar sucessos inéditos, dedicou-se a regravar o repertório de outros intérpretes, como Elizeth Cardoso e Sílvio Caldas. Assim, durante esse período gravou diversas músicas das mais diferentes épocas e dos mais variados estilos, em que se incluem, por exemplo: "Rosa", de Pixinguinha, "Amanda amante", de Roberto e Erasmo Carlos, e "Corcovado", de Tom Jobim

Seu último disco, Ainda é cedo, lançado em 1997, revela sua incursão pela música pop, gravando canções de Lulu Santos, Herbert Viana e Cazuza. Mostrando que Nelson Gonçalves ainda era Nelson Gonçalves, o disco vendeu 150 mil cópias em apenas três meses, rendendo-lhe o Disco de Ouro. Menosprezado à época pela crítica, hoje esse trabalho mostra como Nelson soube cantar de tudo, sem nunca perder o estilo que lhe foi tão característico e que lhe consagrou: a voz grave, potente e intensa. Tão intensa quanto foi sua vida.

Mesmo livre da cocaína, Nelson nunca abandonou o cigarro, por acreditar que se o fizesse, poderia perder a potência da voz. Por causa do consumo excessivo que fazia, sofreu dois enfartes. Conseguiu sobreviver ao primeiro, mas não ao segundo. Morreu no dia 18 de abril de 1998, depois de quase oitenta anos de vida e sessenta de carreira. Como herança ao país, deixou mais de dois mil registros fonográficos, divididos em 183 discos de 78 rotações, 100 compactos, 200 fitas cassete e 127 LPs. Material farto e generoso, que ainda ecoa no imaginário coletivo de muitos fãs que teimam em não esquecer daquele que talvez tenha sido o maio cantor popular do Brasil. 


Texto por: Tito Guedes 
Fontes:
BARROSO, Marco Aurélio. A revolta do boêmio: a vida de Nelson Gonçalves. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 2001
SEVERIANO, Jairo. Uma história da música popular brasileira: das origens à modernidade. São Paulo: Editora 34, 2008


Este é o terceiro de uma série de 3 textos sobre o centenário de Nelson Gonçalves, uma das maiores vozes da música brasileira . Fique ligado em todos os capítulos dessa história: 

Parte 1 - O surgimento do boêmio 

Parte 2 - Nelson Gonçalves e Adelino Moreira

Parte 3  - A despedida do boêmio (lendo agora)

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