Cultura

A música brasileira pelo Dia da Consciência Negra

quarta, 20 de novembro de 2019

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O Brasil pode ser um país colorido, festivo e alegre, mas uma coisa não há como negar: o racismo ainda está presente em nossa sociedade, e se manifesta de muitas formas diferentes. O Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, foi instituído com esse intuito: colocar em pauta o tema da negritude no Brasil, lutar pela igualdade social e ressaltar a importância de personagens negros na História do país.

Na música brasileira, tivemos dezenas de músicos, compositores e cantores negros e negras que fizeram de sua arte também uma forma de luta contra qualquer tipo de opressão. Listamos abaixo alguns artistas que estão brilhando na cena atual e que levantam, de alguma maneira, essa bandeira em seus trabalhos.

Elza Soares não teve uma vida fácil. Vinda de uma família muito pobre, foi obrigada a casar aos onze anos. Aos doze, teve o primeiro filho. Aos quinze, perdeu um filho para a fome. A luta e o peso das injustiças sociais continuaram marcando sua vida por muito tempo, mas Elza falou mais alto. Cantou mais alto, aliás. Fez de sua voz rouca e jazzística a plataforma para superar todos esses obstáculos. Hoje, mais do que nunca, ela faz questão de escancarar tudo isso em suas músicas. Em 2002, no disco Do cóccix até o pescoço, ela cantou pra todo mundo ouvir que "a carne mais barata do mercado é a carne negra" (A carne, de Seu Jorge, Marcelo Yuka e Ulisses Cappelletti). Em 2019, no seu mais recente álbum, Planeta Fome, ela cantou que "a carne mais barata do mercado não tá mais de graça" (Não tá mais de graça, de Rafael Mike).

E não está mesmo, graças a gente como Elza, que insiste em erguer sua voz contra os que tentam silenciá-la. 


Liniker é uma das mais gratas surpresas da MPB contemporânea. Mulher negra e trans, ela arrebatou muita gente quando apareceu em 2015, cantando suas músicas autorais em vídeos que logo se espalharam pelo YouTube. O vozeirão, somado ao figurino exuberante, os turbantes e o batom no rosto já mostravam que ela não estava para brincadeira. Hoje, a cantora já possui dois álbuns na praça (Remonta, de 2016 e Goela Abaixo, de 2019), gravados em conjunto com Os Caramelows, e é um exemplo de resistência. Embora suas músicas não falem explicitamente dessas problemáticas, sua própria figura já é revolucionária. Afinal, ser uma mulher negra e trans e existir - com orgulho - publicamente já é um ato político. Uma mulher negra e trans falando sobre afeto, amor e sexo, é sobretudo necessário nos tempos de hoje!


Outra que também faz de seu sua arte instrumento pela valorização e positivação do corpo e da cultura negra é Majur, cantora baiana não-binária que já está chegando com tudo na música brasileira. Apadrinhada por Caetano Veloso, ela mistura R&B com MPB e lançou, em 2018, o EP Colorir, que fez sucesso com a música Náufrago e Africaniei, composição da própria Majur que fala sobre ancestralidade.


Também expoente da nova cena musical baiana, a cantora e compositora Luedji Luna está ligada à luta contra o racismo desde o início de sua trajetória. Ela foi co-fundadora do Palavra Preta, mostra que reúne compositoras e poetisas pretas de todo o Brasil. Mesclando jazz, blues, MPB e R&B, Luedji Luna lançou, em 2018, Um Corpo no Mundo. Seu trabalho autoral tem como grande preocupação o tema da influência da cultura africana nos modos de vida brasileiro, trazendo à tona elementos de ancestralidade para se afirmar no mundo, como explicita a música que dá nome ao disco: 

Eu sou um corpo, um ser, um corpo só
Tem cor, tem corte
E a história do meu lugar
Eu sou a minha própria embarcação


Karol Conka já conquistou seu espaço na música brasileira como cantora, compositora e rapper "100% feminista", como ela se classificou em uma música com a funkeira Mc Carol. Sua produção é marcada por referências ao afrofuturismo e ao movimento tombamento, que reforçam a identidade negra por meio da estética, com batons metálicos e tranças coloridas, além de referências à ancestralidade africana.

Esse visual se mistura às letras que tratam de empoderamento e o resultado é um sabor pop e potente dado ao discurso contra a opressão, como no clipe e na música de É o poder, um de seus grandes sucessos.


Além de ser um dos compositores mais inspirados da música brasileira contemporânea, Emicida é também uma voz essencial, que não se cala diante das injustiças do mundo. Em suas músicas e clipes, o discurso contra a desigualdade social e o racismo estrutural da sociedade brasileira são frequentes. No histórico clipe de Boa Esperança, por exemplo, ele escancarou todas essas questões ao retratar um levante de empregados contra a arrogância e os abusos de seus patrões em uma mansão. No seu recém-lançado álbum, Amarelo, Emicida ergue mais uma vez sua voz contra os discursos de ódio, tratando desses temas e da importância dos afetos. Uma obra potente que - tomara - ainda vai reverberar muito!


Depois de integrar por sete anos a banda paulistana Aláfia, Xênia França passou a trilhar carreira solo, chegando a ser indicada ao Grammy Latino de 2018 com seu álbum de estreia, Xênia. Sua obra autoral é pautada pelo discurso do empoderamento feminino e a valorização da cultura afro-brasileira. Um de seus maiores sucessos, Breu, é bom exemplo da potência do seu trabalho.


Mas a história não para por aí! Poderíamos criar uma lista infinita com outros artistas que também se posicionam no mundo como sujeitos negros dispostos a lutar contra o racismo, como Criolo, Preta Rara, Mc Soffia, Mano Brown, além, claro, de nomes de outras gerações que foram e ainda são fundamentais para abrir as portas para essa discussão, como Itamar Assumpção, Gilberto Gil, Jorge Ben Jor, Zezé Motta e muitos outros.

Que esse Dia da Consciência Negra sirva para que escutemos cada vez mais essas vozes - dentro e fora da música. 

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