A música nova para cavaquinho do múltiplo Henrique Cazes

terça, 13 de agosto de 2019

Um dos instrumentos básicos do choro e do samba, o cavaquinho (cavaco, para os íntimos), além de Nelson Antonio da Silva, o genial Nelson Cavaquinho (1911-1986), que o adicionou como sobrenome artístico, teve um grande mestre-escola que o popularizou: o carioca Waldir Azevedo (1923-1980). Numa época em que não havia barreiras contra a música instrumental, ele emplacou ao menos três mega sucessos nas paradas, os choros “Brasileirinho” (1949) e “Pedacinhos de céu” (1951) e o baião “Delicado” (1950), que, além do Brasil, explodiu no mercado americano com um milhão de cópias vendidas na gravação da orquestra do maestro Percy Faith.

Há quatro décadas, o também carioca Henrique Cazes, autor do método “Escola moderna do cavaquinho”, titular de dois álbuns em homenagem ao antecessor (“Tocando Waldir Azevedo”, 1990, “Relendo Waldir Azevedo”, 1997), difunde o instrumento em gravações solo como líder, atuando em grupos, acompanhamento, e através de pesquisas e estudos. Ele lança agora a coleção “Música nova para cavaquinho” (Muzicazes), que inclui CD com parte das obras, livro completo de partituras e 12 clipes para a internet com os doze “Estudos para cavaquinho solo”, reunindo imagens capazes de auxiliar os interessados em executar as obras.

“A gênese deste trabalho data de 1982, quando numa conversa com o maestro Radamés Gnattali, ele me pediu que gravasse uma fita com coisas que eu gostava de fazer no instrumento, e ideias que serviriam para ele compor uma peça, ‘Introdução e choro para cavaquinho e cordas’, infelizmente inacabada. Gravei a fita e nela coloquei uma série de arpejos na tonalidade Mi menor. Ele gostou e disse: ‘Isso aí dava um estudo para cavaquinho’. Feita a sugestão, completei o ‘Estudo número 1’ e o gravei em meu primeiro LP, de 1988. A partir daí, garimpei ideias ao longo dos anos para escrever os demais estudos”, historia Cazes no encarte.

O CD “Música nova para cavaquinho” traz quatro desta modalidade, que transportam Cazes para a fronteira, “limítrofe entre erudito e popular, dentro do pensamento de um Villa-Lobos e um Radamés”, como define Guinga, em comentário ao lançamento. “Estudo no. 5” aborda o tremolo brasileiro, dedicado a Jacob do Bandolim, “um mestre do assunto”. Também em ré-sol-si-ré’, o “Estudo no. 10” (“composto na casa do cavaquinista Sérgio Prata e a ele dedicado”) explora escalas e notação recorrente. Já o “Divertimento para cavaquinho e violão de 7 cordas”, dialogado com João Camarero (em memória do ás do 7 cordas, Raphael Rabello), com quase oito minutos, parte de uma introdução, flutua na valsa e deságua em samba. Com o cello pungente de Hugo Pilger, a “Suíte estudo II – Valsa estudo” também tem três movimentos encadeados: choro, valsa e polca. Seu clima erudito não nega: é dedicada ao mestres dos mestres, Heitor Villa-Lobos.

Nas demais faixas, hora do recreio. Cazes dedica ao patriarca Waldir, “Doce Azevedo”, sua primeira composição em ré-sol-si-ré; e ao da Viola, o choro “Alô Paulinho”, após uma conversa com o próprio ao telefone. No piano, Cristóvão Bastos, que tocou durante anos com o chorão/sambista vascaíno, cria de Botafogo. “Sensacional” repleto de ginga e balanço, celebra o violão 7 cordas de aço do exímio Rogério Caetano, que pontifica na gravação. Digno do nome, o esquivo choro “Esquisitinho”, composto em 2018, tem apenas uma parte. Veloz e altamente suingado, “Viravoltando” é dedicado aos chorões mais jovens, “que acham que a turma da velha guarda (na qual me incluo) só toca devagar”, ironiza o solista. Cazes ainda leva sua maestria cavaquinista a passear pelo sambalanço (ele dirigiu uma série sobre o tema no CCBB) em “Praça do Lido”, coadjuvado pelo vibrafonista Mark Duggan, seu colega no grupo Canadioca (canadense + carioca), formado quando lecionou na Faculdade de Música da Universidade de Toronto. Músico múltiplo, Cazes desmistifica rótulos e desbrava novos filões estéticos, agigantando o pequeno instrumento em que é virtuose.