A pobreza como empecilho amoroso nas canções de Waldick Soriano
Eurípedes Waldick Soriano nasceu em Caetité, interior da Bahia, em 1933. Vindo de uma família humilde, precisou trabalhar desde criança. Começou na lavoura, sendo inclusive, entre outras coisas, garimpeiro. O próprio afirma que só fez até o quarto ano do primário (hoje equivalente ao ensino fundamental). Contudo, já disse ser formado na “universidade da vida”. Sem dúvida sua música mais conhecida é “Eu não sou cachorro, não”. Seu repertório é cheio de boleros e baladas sobre desilusões amorosas. Estava sempre de roupa preta e óculos escuros, por ser fã do personagem Durango Kid (WALDICK, SEMPRE NO MEU CORAÇÃO, 2007). Já teve até mesmo problemas com a censura no período militar, com a canção “Tortura de amor”, simplesmente porque a mesma tinha a palavra “tortura” e Waldick nem sequer estava se referindo ao que os militares faziam nos porões da ditadura, falando de fato sobre a dor de um amor, prova de como as palavras são fortes e de que os militares não viam com bons olhos tal conteúdo chegando aos ouvidos da grande massa. No texto de hoje vamos discutir um pouco sobre questões de classe e relações amorosas em algumas de suas músicas, começando por “O moço pobre”, do disco “Em ritmo de boleiro”, de 1968:
Um moço pobre como eu não deve amar
E nem tão pouco alimentar sonhos de amar
O mundo é só de quem tem muito pra gastar
Um moço pobre como eu não tem valor
Renunciar é solução que encontrei
Devo apagar do pensamento aquele amor
Devo esquecer de quem de mim já se esqueceu
E conformar com a minha dor [...]
É melhor morrer agora
Para que ela saiba
Que morri por seu amor
No primeiro verso já podemos observar que o eu lírico da canção faz um desabafo em relação à sociedade, afirmando que um pobre como ele não deve amar e que o mundo pertence aos ricos. Levando em consideração a desigualdade social existente no nosso país e todos os problemas trazidos por ela, pode-se considerar que a personagem não está tão errado assim. Pessoas das camadas subalternas se sentem desvalorizadas e desamparadas pelo poder público. Para elas, a vida é uma luta diária em que você precisa sobreviver e conseguir o mínimo para não morrer, sem nenhum luxo, sendo este privado a quem “nasceu bem de vida”. Nosso personagem continua dizendo que deve renunciar (à vida?) e esquecer aquele amor não realizado, que pelo contexto indica ser uma pessoa de classe social abastada. Levando em consideração o primeiro verso da canção, tem-se que a conclusão a que chega o eu lírico é de que melhor seria aceitar a dor e que a melhor forma de pôr fim ao seu sofrimento seria a morte. Muito embora seja possível argumentar tratar-se de mero exagero estético de Waldick em sua composição, o suicídio por questões amorosas, infelizmente, está presente na nossa realidade e não apenas nos desejos idealizados dos poetas ultrarromânticos.
A pobreza está ligada ao surgimento de problemas mentais, como afirma Dilma Ferreira e Paulo Roberto:
Fatores como a sensação de insegurança e falta de esperança,
as rápidas mudanças sociais, os riscos de violência e
problemas de saúde explicariam a maior vulnerabilidade dos
pobres aos transtornos mentais comuns. (FERREIRA; ROBERTO, 2012, P.117)
Além do fato dos mais pobres serem mais vulneráveis aos problemas mentais, por causa dos problemas financeiros, o suicídio por questão amorosa é outro agravante. O suicídio é uma forma de mostrar o desespero, decorrente de uma dor que é impossível de ser sarada. A quebra da expectativa por um amor faz com que a pessoa se sinta abandonada e a morte é a única solução viável (AZEVEDO; DUTRA, 2012). Com isto posto, percebemos que a história contada por Waldick não é mera ficção, é uma realidade e que precisa ser discutida. Para muitos, sofrer por amor é um motivo bobo, mas esse motivo “bobo” pode levar a morte, motivo pelo qual tal questão não deve ser tratada como um problema menor, que deve ser deixado de lado. É um tabu que precisa ser discutido, o suicídio é um tempo em alta nos últimos anos, todo ano existem projetos na luta contra esse problema de saúde pública, como no caso do Setembro Amarelo, com isso vemos que a canção do nosso queriado baiano é atual.
Mas essa não é a única composição de Waldick que a pobreza é colocada como questão na hora do amor, podemos citar “Amar sem ser amado”, também de 1968 que possui os versos “A sorte é para o outro que é nobre/ Sei que sou um moço pobre/ Não mereço ser amado”, assim como “Pobre de amor”, 1972, que até lembra o início da primeira canção citada:
Um homem pobre como eu não deve amar
Eu nunca tive o direito a ser feliz
Vivo a procura dessa tal felicidade
Perdi meu tempo por amar quem não me quis
Ah quem me dera ter direito pra comprar
Um grande amor igual aquele que perdi[...]
Como vemos nesses exemplos, a questão social é bastante presente na poética de Waldick Soriano, poderíamos citar diversas composições para provar esse ponto. Devemos lembrar que Waldick teve uma origem pobre, provavelmente passou por desilusões amorosas nesses termos, e mesmo não sendo um compositor “engajado” falou de questões sociais em suas músicas, fazia sucesso entre as camadas mais pobres. E com essas letras percebemos como a desilusão amorosa se mistura com o estigma social, talvez isso ajude a explicar o sucesso dos chamados artistas “cafonas”.
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