Historicizando as canções

A pobreza como empecilho amoroso nas canções de Waldick Soriano

terça, 08 de fevereiro de 2022

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Eurípedes Waldick Soriano nasceu em Caetité, interior da Bahia, em 1933. Vindo de uma família humilde, precisou trabalhar desde criança. Começou na lavoura, sendo inclusive, entre outras coisas, garimpeiro. O próprio afirma que só fez até o quarto ano do primário (hoje equivalente ao ensino fundamental). Contudo, já disse ser formado na “universidade da vida”. Sem dúvida sua música mais conhecida é “Eu não sou cachorro, não”. Seu repertório é cheio de boleros e baladas sobre desilusões amorosas. Estava sempre de roupa preta e óculos escuros, por ser fã do personagem Durango Kid (WALDICK, SEMPRE NO MEU CORAÇÃO, 2007). Já teve até mesmo problemas com a censura no período militar, com a canção “Tortura de amor”, simplesmente porque a mesma tinha a palavra “tortura” e Waldick nem sequer estava se referindo ao que os militares faziam nos porões da ditadura, falando de fato sobre a dor de um amor, prova de como as palavras são fortes e de que os militares não viam com bons olhos tal conteúdo chegando aos ouvidos da grande massa. No texto de hoje vamos discutir um pouco sobre questões de classe e relações amorosas em algumas de suas músicas, começando por “O moço pobre”, do disco “Em ritmo de boleiro”, de 1968:

Um moço pobre como eu não deve amar
E nem tão pouco alimentar sonhos de amar
O mundo é só de quem tem muito pra gastar
Um moço pobre como eu não tem valor
Renunciar é solução que encontrei
Devo apagar do pensamento aquele amor
Devo esquecer de quem de mim já se esqueceu
E conformar com a minha dor [...]
É melhor morrer agora
Para que ela saiba
Que morri por seu amor

No primeiro verso já podemos observar que o eu lírico da canção faz um desabafo em relação à sociedade, afirmando que um pobre como ele não deve amar e que o mundo pertence aos ricos. Levando em consideração a desigualdade social existente no nosso país e todos os problemas trazidos por ela, pode-se considerar que a personagem não está tão errado assim. Pessoas das camadas subalternas se sentem desvalorizadas e desamparadas pelo poder público. Para elas, a vida é uma luta diária em que você precisa sobreviver e conseguir o mínimo para não morrer, sem nenhum luxo, sendo este privado a quem “nasceu bem de vida”. Nosso personagem continua dizendo que deve renunciar (à vida?) e esquecer aquele amor não realizado, que pelo contexto indica ser uma pessoa de classe social abastada. Levando em consideração o primeiro verso da canção, tem-se que a conclusão a que chega o eu lírico é de que melhor seria  aceitar a dor e que a melhor forma de pôr fim ao seu sofrimento seria a morte. Muito embora seja possível argumentar tratar-se de mero exagero estético de Waldick em sua composição, o suicídio por questões amorosas, infelizmente, está presente na nossa realidade e não apenas nos desejos idealizados dos poetas ultrarromânticos.

A pobreza está ligada ao surgimento de problemas mentais, como afirma Dilma Ferreira e Paulo Roberto:

Fatores como a sensação de insegurança e falta de esperança,
as rápidas mudanças sociais, os riscos de violência e
problemas de saúde explicariam a maior vulnerabilidade dos
pobres aos transtornos mentais comuns. (FERREIRA; ROBERTO, 2012, P.117)

Além do fato dos mais pobres serem mais vulneráveis aos problemas mentais, por causa dos problemas financeiros, o suicídio por questão amorosa é outro agravante. O suicídio é uma forma de mostrar o desespero, decorrente de uma dor que é impossível de ser sarada. A quebra da expectativa por um amor faz com que a pessoa se sinta abandonada e a morte é a única solução viável (AZEVEDO; DUTRA, 2012). Com isto posto, percebemos que a história contada por Waldick não é mera ficção, é uma realidade e que precisa ser discutida. Para muitos, sofrer por amor é um motivo bobo, mas esse motivo “bobo” pode levar a morte, motivo pelo qual tal questão não deve ser tratada como um problema menor, que deve ser deixado de lado. É um tabu que precisa ser discutido, o suicídio é um tempo em alta nos últimos anos, todo ano existem  projetos na luta contra esse problema de saúde pública, como no caso do Setembro Amarelo, com isso vemos que a canção do nosso queriado baiano é atual.

Mas essa não é a única composição de Waldick que a pobreza é colocada como questão na hora do amor, podemos citar “Amar sem ser amado”, também de 1968 que possui os versos “A sorte é para o outro que é nobre/ Sei que sou um moço pobre/ Não mereço ser amado”, assim como “Pobre de amor”, 1972, que até lembra o início da primeira canção citada:

Um homem pobre como eu não deve amar
Eu nunca tive o direito a ser feliz
Vivo a procura dessa tal felicidade
Perdi meu tempo por amar quem não me quis
Ah quem me dera ter direito pra comprar
Um grande amor igual aquele que perdi[...]

Como vemos nesses exemplos, a questão social é bastante presente na poética de Waldick Soriano, poderíamos citar diversas composições para provar esse ponto. Devemos lembrar que Waldick teve uma origem pobre, provavelmente passou por desilusões amorosas nesses termos, e mesmo não sendo um compositor “engajado” falou de questões sociais em suas músicas, fazia sucesso entre as camadas mais pobres. E com essas letras percebemos como a desilusão amorosa se mistura com o estigma social, talvez isso ajude a explicar o sucesso dos chamados artistas “cafonas”.


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