Entrevista

Arthur Nogueira conversa com o IMMuB sobre música e poesia

Entrevista por: Tito Guedes

terça, 09 de março de 2021

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Arthur Nogueira conheceu Antonio Cicero em 2004, ainda aos 15 anos. Na época, ele já se interessava por música, poesia e a alquimia entre essas duas expressões. 

Passados 17 anos desse primeiro encontro, Arthur Nogueira é hoje cantor, compositor e produtor musical responsável, segundo o jornalista Leonardo Lichote (O Globo), por renovar a “tradição dos poetas na canção brasileira”. De seu primeiro encontro com Antonio Cicero, por exemplo, nasceu uma sólida parceria, que desaguou em uma série de canções feitas em conjunto (como “Sem medo nem esperança”, gravada por Gal Costa), um álbum de tributo, “Presente (Antonio Cicero 70)”, um livro (“Encontros”, coletânea de entrevistas organizada por Arthur), além de diversos espetáculos colaborativos. 

Toda a sua discografia, composta por quatro álbuns de estúdio, dois EPs e alguns singles, é marcada pela interseção entre música popular e poesia. Em meio a canções autorais e regravações de clássicos como “Mal secreto” (Jards Macalé e Waly Salomão), não é raro esbarrar com versos musicados de poetas como Eucanaã Ferraz, Adília Lopes, Omar Salomão, Adonis, Rose Ausländer e outros.  

Foto: Ana Alexandrino

Essa intimidade com a poesia é o tema da entrevista que o IMMuB realizou por e-mail com Arhur Nogueira. Além, é claro, de outros assuntos, como a experiência de trabalhar com Fafá de Belém e Adriana Calcanhotto e pistas sobre seu novo projeto autoral. 

Leia logo abaixo e confira! 

IMMuB: A relação entre música e poesia é um dos fatores mais marcantes do seu trabalho. O jornalista Leonardo Lichote chegou a escrever no jornal O Globo que você “renovou a tradição dos poetas na canção brasileira”. Como você se iniciou nessa alquimia? O que veio antes na sua vida: a música ou a poesia?

Arthur Nogueira: As canções chegaram primeiro, porque ouço música desde criança, por influência do meu pai. Ele tem uma excelente coleção de LPs e CDs e, nos fins de semana, os momentos musicais da nossa família eram uma espécie de ritual. Só que nunca pensei em trabalhar com música. O que me chamou para a composição, que é a atividade mais fascinante para mim, foi a descoberta dos poetas letristas. Lembro do dia em que meu pai me mostrou um LP da Gal, chamado "Gal a todo vapor". Lá, eu descobri a poesia de Waly Salomão e tomei conhecimento da tradição a que o Leonardo Lichote se referiu. No Brasil, são inúmeros os poetas "do livro" a serviço da canção popular, desde Vinicius de Moraes. Sem dúvida, esse é um aspecto muito importante para a complexidade e singularidade da canção brasileira. Sou fascinado pela potência das canções no Brasil e posso afirmar que, desde o início e até hoje, só faço música por causa dos poetas.

Capa do álbum "Gal a todo vapor" (Foto: Reprodução) 

IMMuB: Existe uma longa discussão sobre os limites entre música e poesia. Há quem defenda que uma letra de música pode ser encarada como poesia e há os que acham que são duas coisas diferentes. Como você enxerga essa questão? Existe, de fato, uma fronteira que delimita essas duas expressões?

Arthur Nogueira: As vanguardas provaram, como explica Antonio Cicero, que não existem formas lícitas para a poesia. A priori, qualquer coisa pode ser considerada um poema. No caso, a diferença básica é que o poema vale por si, enquanto a letra de canção é parte de uma obra lítero-musical. Uma letra não precisa, quando lida sem a melodia, portanto, ter a mesma força do poema cravado na página em branco. É notório que havia um preconceito, por parte da academia, em relação aos letristas. Foi isso o que suscitou essa tentativa de diferenciar os poemas e as letras, como se a letra de música fosse, necessariamente, menor. Eu penso que essa discussão foi enterrada de uma vez por todas quando Bob Dylan ganhou o prêmio Nobel de Literatura.

IMMuB: Uma de suas parcerias mais antigas e consolidadas é com Antonio Cicero, filósofo, poeta e letrista de músicas muito populares. Como começou sua relação com ele - tanto como apreciador de sua obra quanto como parceiro de trabalho? 

Arthur Nogueira: Eu conheci o Cicero em 2004, quando ele foi a Belém para lançar seu livro "A Cidade e os Livros". Eu tinha 15 anos, era o mais novo da fila de autógrafos, e isso chamou atenção do poeta. Como eu estava cheio de dúvidas sobre poesia e música, ele gentilmente me deu seu e-mail, dizendo que eu poderia escrever com meus questionamentos. E assim começou uma correspondência basilar para mim, à la Rilke e Franz Kappus. Quando mudei para o Rio, em 2012, ficamos amigos de verdade e começamos uma parceria artística da qual me orgulho muito. Realizamos várias canções e espetáculos juntos, além de um livro com as entrevistas dele, reunidas por mim. Posso adiantar que meu próximo disco terá o nome de uma nova parceria nossa, ainda inédita.

Arthur Nogueira e o parceiro Antonio Cicero (Foto: Daryan Dornelles/Divulgação) 

IMMuB: Além de Antonio Cicero, Adriana Calcanhotto é outra influência evidente na sua produção musical. Quais são os outros poetas e músicos que você acredita que tenham lhe formado como artista? 

Arthur Nogueira: Como já contei, Waly Salomão foi um divisor de águas para mim. A obra dele é lotada de referências, então fui levado a vários outros poetas fundamentais, como Walt Whitman, João Cabral de Melo e Konstantínos Kaváfis. Hoje em dia, tenho interesse cada vez maior pela poesia clássica greco-romana, de autores como Horácio, Safo, Anacreonte e Ovídio, e os compositores que mais influenciam o meu trabalho musical são Caetano Veloso e Tom Waits.

IMMuB: No senso comum, existe a ideia de que poesia é algo distante, erudito, difícil. Você acredita que a poesia pode se tornar um elemento pop de alguma maneira? Transformar poemas em canções seria um caminho nessa direção? 

Arthur Nogueira: De fato, é raro um livro de poemas virar best-seller. Isso ocorre porque a poesia exige muito do leitor. Cicero sempre diz que não se pode ler um poema como se lê uma notícia de jornal, por exemplo. Ele quer dizer que o poema demanda que nós lhe dediquemos nosso tempo, colocando para jogo todas as nossas faculdades. É como se soltar do princípio do desempenho e elevar a cabeça às nuvens. Nesse sentido, nada pode ser mais fascinante e provocante do que a poesia em tempos de utilitarismo e time is money. Sim, a história da música brasileira prova que a canção pode ser uma forte aliada para a divulgação de grandes obras e poetas. Apesar de saber que o poema vale por si, sei também que foi Caetano Veloso quem me aproximou de Oswald de Andrade e Gregório de Matos. Esse é o meu estímulo para resistir em favor da poesia, tornando minha música, acima de tudo, uma ferramenta de incentivo à leitura em um país de poucos leitores.

IMMuB: Em se tratando do processo de composição, existe alguma diferença entre musicar um poema já existente, como você fez com “Onda”, de Antonio Cicero, e “A propósito de estrelas”, de Adília Lopes, por exemplo, e musicar um texto que já foi criado para ser uma letra de música? 

Arthur Nogueira: Na verdade, eu tenho poucos parceiros que me enviam letras para serem musicadas. No geral, se não for um poema, como nos dois casos que você citou, eu prefiro criar primeiro uma melodia para o parceiro colocar a letra, como fiz com a Zélia Duncan em "Dessas Manhãs Sem Amor", ou receber uma melodia para letrar, como fiz com o Zé Manoel em "Moonlight". Criar ou receber uma melodia previamente instaura uma espécie de forma fixa, que oferece dificuldades para a escrita. Eu penso que criar dificuldades é um recurso importante para se chegar a um resultado melhor e mais profundo. Os grandes poetas gostam mesmo é das dificuldades. Paul Valéry, por exemplo, escreveu em seus cadernos: "sempre amei a dificuldade, pois a facilidade é o automatismo — o que se faz sem pensar."


IMMuB: Recentemente, você participou como produtor de dois trabalhos muito elogiados e importantes: “Humana”, álbum de Fafá de Belém lançado em 2019, e “Só”, o disco “de quarentena” que Adriana Calcanhotto lançou no ano passado. Como foram essas duas experiências? 

Arthur Nogueira: Foram experiências muito diferentes. "Humana" foi feito em um mundo sem pandemia, quando havia a possibilidade de criar os arranjos coletivamente no estúdio, a partir de encontros presenciais entre mim, a Fafá e a banda que formei para o projeto. Trabalhamos sob uma concepção jazzística, considerando o improviso e o máximo de gravações ao vivo. No caso da Adriana, foi um álbum produzido nos primeiros meses do isolamento social, sem qualquer possibilidade de encontros presenciais. Por isso, formei um núcleo criativo remoto em Belém, com meus parceiros STRR e Leo Chaves, que assinam a coprodução musical. Eles atuaram como instrumentistas, mas também como engenheiros de som do disco, organizando e pré-mixando todas as tracks que eu recebia dos músicos convidados, espalhados pelo Brasil. Durante esse processo novo e desafiador, eu cantava para a Adriana assim: "eu ando pela casa dirigindo gente falando ao telefone."

IMMuB: Sabemos que você já está produzindo seu novo álbum. Pode adiantar alguma coisa desse novo trabalho? 

Arthur Nogueira: Digamos que será o meu álbum mais brasileiro até aqui. A desilusão com o país me faz ter vontade de pensar mais profundamente sobre ele. Também será o mais autoral, porque pela primeira vez escrevi praticamente todas as letras, e versátil, porque comecei a explorar ritmos até então inéditos em meu trabalho, como o samba e o baião.

Foto: Ana Alexandrino 

Explore a obra Arthur Nogueira no IMMuB (clique aqui!) 


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