Música

As histórias de Carlos Imperial

terça, 24 de novembro de 2020

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Se estivesse vivo, Carlos Imperial estaria completando 85 anos em 24 de novembro de 2020. Nascido em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, Carlos Eduardo da Corte Imperial é uma daquelas figuras que precisa de muitas vírgulas para ser descrito: produtor musical, diretor de cinema, ator de pronochanchada, radialista, apresentador de TV, compositor, agitador cultural, caça-talentos, político, colunista, narrador dos resultados do Carnaval da Sapucaí, cafajeste profissional e por aí vai… Esse foi Carlos Imperial, imponente e exagerado até no sobrenome. 

Foto: Agência O Globo 

Embora muitas vezes seja lembrado simplesmente como um pitoresco personagem do folclore pop brasileiro, Carlos Imperial teve mais importância na música nacional do que se supõe. Em primeiro lugar, foi ele um dos maiores responsáveis pela consolidação do rock no Brasil. Como espécie de militante da “música jovem”, os programas de rádio e TV liderados por ele, como o "Clube do Rock” na TV Tupi, abriram as portas e os ouvidos do público para a popularização do gênero no Brasil. Nos tempos da Jovem Guarda, quando o rock explodiu de vez por aqui, ele contribuiu tanto como o revelador dos talentos de Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Eduardo Araújo, quanto como compositor de clássicos do movimento, como “O Bom”, “Vem quente que eu estou fervendo”, “Pra nunca mais chorar” e outros tantos. 

Além disso, ele escreveu seu nome nas páginas iniciais das biografias de artistas que se tornaram ídolos imortais da música brasileira. Foi ele o autor, por exemplo, do primeiro sucesso de Clara Nunes. Depois de um tempo cantando no estilo romântico do “iê iê iê”, ela ganhou de Imperial a música “Você passa, eu acho graça”, uma inusitada parceria com Ataulfo Alves, que catapultou o sucesso da portelense. 


Mais surpreendente ainda foi sua relação com Elis Regina. Muito antes de ela se consagrar como a grande voz feminina do Brasil, Imperial produziu seu primeiríssimo álbum, “Viva a Brotolândia”, uma curiosa coletânea de versões à la Celly Campello lançada em 1961, bem antes de sua virada jazzística no Beco das Garrafas (leia mais aqui). 

Mas a relação mais profunda foi com Roberto Carlos, bem antes de este se tornar Rei. O futuro ídolo da Jovem Guarda era ainda um menino tímido e melancólico apaixonado por Elvis Presley e João Gilberto quando Imperial viu nele a aura de um ídolo popular, na qual apostou incansavelmente. De gravadora em gravadora, engolindo uma série de recusas, conseguiu os primeiros contratos de Roberto e produziu seus primeiros discos: o 78 rotações pela Polydor, em 1959, e depois o seu LP de estreia, “Louco Por Você”, de 1961 (leia mais aqui). 

O pupilo Roberto Carlos e o padrinho Carlos Imperial (foto: Reprodução)

Isso sem contar outros tantos que começaram a trilhar seu caminho na música com a ajuda de Imperial, como Erasmo Carlos, Tim Maia, Gerson King Combo, Tony Tornado, Dudu França e Wilson Simonal. Foi Simonal, inclusive, quem mais tarde encabeçou o movimento da “pilantragem”, uma mistura de samba e rock com acento jazzístico que servia também como filosofia de vida para Imperial. 

Dono de uma imaginação incontrolável e obcecado em fabricar ídolos, ele não hesitava em utilizar meios, digamos, “questionáveis” para promover um pupilo ou uma música que não ia bem nas rádios. 

Quando Erasmo estava pra lançar “Vem quente que eu estou fervendo”, sua parceria com Eduardo Araújo, Imperial encenou um quebra-pau (com direito a agressões físicas e verbais) com o Tremendão durante um programa de rádio. Saiu em todas as revistas de fofoca e a música estourou logo depois. 

Quando “A Praça”, lançada na voz de Ronnie Von, não emplacou nas rádios, Imperial contratou o músico Edson Silva e pediu que ele fosse aos jornais reclamando que a tal canção era um plágio. A acusação ganhou as manchetes, Imperial deu entrevistas rebatendo o sujeito e… “A Praça” se tornou um hit lembrado até hoje:


Isso sem contar a “omissão” de parceiros no crédito das composições e no roubo da autoria de músicas de domínio público. “Meu limão, meu limoeiro”, por exemplo, gravada com sucesso por Simonal, é até hoje citada como “uma das grandes composições de Carlos Imperial”. 

Essa imaginação frenética, que ele colocava a serviço do sucesso de seus protegidos, também poderia ser usada para o infortúnio das muitas inimizades que cultivou (“amigo meu não tem defeito. Inimigo, se não tiver, eu ponho”, ele costumava dizer) ou simplesmente para criar lorotas que se tornavam lendas populares. 

A mais conhecida de todas foi quando disse a um repórter, na falta de novidades, que os Beatles estavam prestes a gravar uma versão de “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. É claro que isso não aconteceu, mas até hoje existem pesquisadores que enchem o peito para dizer que possuem um disco com essa gravação raríssima e muita gente jura que foi a Londres na época e ouviu o cover dos Fab Four tocando nas rádios. 

Outra foi uma espécie de autopromoção política. Em dezembro de 1968, logo após a instauração do AI-5, Imperial entrou no espírito natalino e enviou aos amigos (e alguns inimigos) um cartão de Natal que o retratava sentado no vaso com os seguintes dizeres: “Espero que Papai Noel não faça no seu sapato o que eu estou fazendo neste cartão.” 

Um desses mimos foi parar nas mãos dos militares, que acharam se tratar de uma provocação à ditadura. Imperial foi preso e passou um tempo para se explicar. Até o fim da vida, ele contava - comovido - como foi torturado e como levou um tiro no joelho. Diziam que ele até chorava ao narrar o episódio. Mas não houve nenhuma agressão física na prisão e a tal marca no joelho era um problema de varizes, como contou o seu biógrafo Denilson Monteiro. 

O espírito natalino de Carlos Imperial (foto: Reprodução) 

Carlos Imperial faleceu no Rio em 1992, aos 56 anos, em decorrência de complicações após uma cirurgia. Auto intitulado o “Rei da Pilantragem”, incorporou um personagem complexo e tipicamente brasileiro. O charmoso anti-herói, ou anti-vilão, que conquista a (quase) todos por viver sempre na corda bamba do que é permitido socialmente. Cunhador da frase “só a vaia consagra o artista”, tentou ser vaiado a vida inteira, e talvez tenha conseguido. Mas foi muito querido também. 

Por baixo do personagem, das lendas e mitos, Carlos Imperial foi um homem  no mínimo curioso, que entre vaias, aplausos, mentiras e escândalos, deixou seu nome escrito na história da música brasileira. 

Foto: Reprodução

Texto por: Tito Guedes 

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