Almanaque do Rock Brasileiro

As quatro estações de uma década

quarta, 28 de dezembro de 2022

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Parece cocaína, mas é só tristeza”, talvez isso possa definir 1989, uma excitação triste tal qual a cocaína. De um Brasil que já podia votar, mas ainda vivia afogado em dívidas. Um Brasil que tinha um rock que trazia esperança pouco a pouco tendo sua luz apagada. Em 1989, Cazuza já estava agonizando os males do HIV, ninguém já nem lembrava mais o que era a Blitz que se separou em 1986, mesma época que explodiu um tal de RPM que em 1989, já estava vivendo seus últimos dias. Ou seja, o fim dos anos 80 talvez fosse um 31 de dezembro de um ano que não queria ou deveria acabar. Tudo foi muito intenso, muito selvagem e inocente, mas teve um fim. E talvez esse long transmita um pouco do que foi esse fim.

A Legião Urbana fez o que deveria, um disco apontando novos horizontes, mas sem perder sua essência na mensagem, mas com um novo som. "As Quatro Estações" não foram só um momento do grupo, foi o momento do país!


A nova velha forma de se contar uma história

Muito se dizia que a Legião Urbana havia mudado sua postura, mudado suas músicas e não eram mais como antes. Quem quis manter o mesmo dançou! E sabendo disso, o trio expandiu seus horizontes. Mas essa mudança não foi tão grande assim.

Compare 1965 (Duas Tribos) com algumas outras músicas, como a própria Que país é esse e veja se não existe relação, sendo a primeira bem mais escrachada e direta sobre um momento tenebroso do nosso país. Ou mesmo Sete cidades e Quase sem querer, são músicas que se complementam e tem uma mensagem similar. Mas o que vale realmente destacar neste disco são três canções específicas:

  • Quando o sol bater na janela do seu quarto

Uma canção bem alto astral que diz muito sobre aquele momento. Um país que voltava a votar, que tinha uma nova constituição. “Tudo é dor e toda dor vem de um desejo de não sentirmos dor”, talvez isso explique o que era o momento, um povo cansado de sofrer que já não quer mais esse sofrimento, quer apenas ver o sol nascer na sua janela e encarar o seu dia com dignidade.


  • Meninos e Meninas

Antes dos movimentos LGBTQI+, antes de se pensar em direitos, era quase impensável que uma música como essa pudesse ser um hit (Ainda mais nos tempos de ditadura), com um refrão que diz “Eu gosto de meninos e meninas”. A nova constituinte estava aprovada e essa música de certa forma era um grito entalado, de uma geração que queria liberdade para amar quem quisesse, viver a vida que quisesse.


  • País e Filhos

Nessa podemos ver como Renato Russo evoluiu como letrista, ao mesmo tempo que Dado e Bonfá constroem uma música incrível! Não é muito bom explicar letras de música, mas ter uma delicadeza para explicar a relação entre pais e filhos que vão desde necessidade de afeto até suicídio é para poucos. Tudo isso, com uma música que sabe valorizar os momentos da letra sendo melancólica quando deve ser, pra cima quando deve ser e blues quando deve ser.


Incrível e delicado

Ainda vale destacar “Eu era um lobisomem juvenil”, que é uma letra bem curiosa e estranha, algo que só a Legião Urbana poderia ter feito. 

Esse disco traz uma delicadeza, uma necessidade e um momento de esperança para o Brasil. Se o Barão Vermelho abriu a década dizendo que “Pouco importa o que essa gente vá falar mal”, sem se preocupar, sem limites e com muito rock. Aqui a Legião encerra a década dizendo “Cordeiro de Deus que tirai os pecados do mundo/Dai-nos a paz”, assim enterrando uma década de aventuras, loucuras e pedindo a Deus por dias melhores. 


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