Colunista Convidado

'Barraco barroco', a anarquia criativa do mutante mineiro Túlio Mourão

quarta, 16 de dezembro de 2020

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 O pianista, compositor e arranjador mineiro Túlio Mourão celebra 50 anos de carreira a bordo de seu novo disco, “Barraco barroco” (Jazzmineiro), gravado em novembro de 2019, no estúdio Bemol, em Belo Horizonte. Ele sai na seqüência da publicação de seu livro de memórias, em formato de afiadas crônicas, “Alma de músico” (Editora Gulliver, 236 pgs.). Entre elas, sua inesperada convocação para a fase progressiva dos Mutantes, pelo guitarrista Sergio Dias, o que lhe valeu a primeira viagem a São Paulo, financiada pela venda de um piano, residente há apenas 15 dias em sua casa. E outra, do encontro entre taças de champagne, servidas pelo próprio presidente socialista francês François Mitterand e a esposa Danielle, no camarim de um show, em Paris, de Milton Nascimento, a quem Túlio acompanhava. O Clube da Esquina e a iconoclastia mutante militante são apenas duas etapas do longo trajeto do pianista, que tocou com Chico Buarque, Caetano Veloso, Raul Seixas, teve músicas gravadas por Maria Bethânia, Ney Matogrosso, Eugênia Melo e Castro, Nara Leão , Pat Metheny, compôs trilhas de filmes como “Jorge, um brasileiro” (Paulo Thiago) e “O viajante” (Paulo Cesar Sarraceni) e dividiu palcos com Wayne Shorter, Santana, James Taylor e Paul Winter. Obviamente, este turbilhão de vivências também aduba o disco de título sardônico, “Barraco barroco”, que ele define como “anarquia criativa, impulso de experimentar, eliminar distâncias e conciliar antagonismos”.

Foto: Maria Clara Mourão 

As faixas “A saga Ibérica” e “Tocata poente das araras” atravessam a ponte Minas-Espanha, estabelecida por Milton Nascimento (“San Vicente”, “Dos Cruces”). Túlio transporta ainda ecos da infância, das audições na vitrola paterna, de Manuel de Falla, Joaquin Rodrigo, Albeniz, Tárrega, recicladas pelo fusion flamejante de Chick Corea, de “My Spanish heart” (1976). A “Serenata Sevilhana” também ganha pinceladas islâmicas (da época em que a península ibérica viveu sob o domínio árabe), cerzidas pela erudição do violonista Juarez Moreira. Outras cordas virtuoses mineiras, as do guitarrista Toninho Horta, bordam a epitelial “Céu de cacos de vidro”, entre a farpa e a delicadeza na tessitura, como sugere o título. “Sob inspiração de Toninho, alguns violonistas enriqueceram a cena instrumental da cidade a partir de uma nova elaboração harmônica e uma profundidade melódica, que nortearam toda uma geração de músicos e compositores e se cristalizaram em marcas da música mineira”, decreta Túlio.

Foto: Maria Clara Mourão 

Escritor do denso ensaio musicológico “A música de Milton Nascimento” (2013), sobre o parceiro com quem escreveu “Pietá”, Chico Amaral, co-autor de mega sucessos do conterrâneo grupo Skank (“Te ver”, “Garota nacional”, “Jackie Tequila”, “Pacato cidadão”, “Simplesmente”, “Tão seu”, “Acima do sol”) e também parceiro de Ed Motta (“Daqui pro Méier”), Erasmo Carlos (“A guitarra é uma mulher”) e Beto Guedes (“Dias assim”) é outro convidado de Túlio. Tão acurado instrumentista quanto letrista, ele sopra o sax tenor de improviso jazzístico do sacudido “Baile acabado”, construído sobre um groove, que acentua a mão esquerda do pianista. O tenor de Amaral também rasga o lânguido “Jardim do afeto”, pontuado pelo baixo de Vagner Faria e a bateria sutil de Edvaldo Ilzo. Já em “A dois passos do nunca”, escrita por Túlio quando acompanhava Milton Nascimento em uma de suas muitas turnês pelos EUA, é o baixo acústico de Bruno Vellozo que pontifica, bem a propósito. “É uma peça feita para destacar as linhas melódicas do contrabaixo”, sublinha o solista, que assim homenageou um dos primeiros instrumentos tocados por Milton, ainda iniciante, na noite belorizontina. Fecha o roteiro o solo pianístico da “Sonata caipira”, em intensa narrativa improvisada, na linha de Keith Jarrett, segundo ele, “inspirada na poesia rural”. “Quando busco o melhor de mim, encontro a música que me ergue acima de meus medos e também encontro entendimento, convicções e esperanças, que me amparam sobre abismos da descrença, da indiferença e da intolerância”, professa ele, no autobiográfico livro “Alma de músico”.

Tárik de Souza

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