Colunista Convidado

Branka na “Trilha sonora” de Sombrinha

terça, 11 de fevereiro de 2020

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O paulista de São Vicente, Montgomery Ferreira Nunis, é um dos maiores ases do samba carioca. Não está ligando o nome à pessoa? Ele é o apelidado Sombrinha, que, ao lado de Bira, Ubirany, Neoci, Sereno, Almir Guineto e Jorge Aragão, foi um dos fundadores do grupo Fundo de Quintal (com quem gravou 13 discos), acantonado no bloco Cacique de Ramos, no Rio. Com parceiros como Arlindo Cruz, Luiz Carlos da Vila, Sombra, Zeca Pagodinho, Almir Guineto, Jorge Aragão, Dona Ivone Lara, Franco, Adilson Victor, Beto Sem Braço, Marquinhos PQD, Ratinho, Jotabê, ele assinou petardos como “Só pra contrariar”, “O show tem que continuar”, “Seja sambista também”, “Não quero saber mais dela”, “Além da razão”, “Alto lá”, “Fogo de saudade”, “Ainda é tempo de ser feliz”, “Malandro sou eu”. E mais: “Mutirão de amor”, “Paz de Deus”, “Silêncio no olhar”, “Raiz e flor”, “Pintura na tela”, “Quem é de sambar”, “Ponta de dor”, “É sempre assim”, “Deixa clarear” “Pedaço de ilusão”, “O que resta de nós”, “Essência de um grande amor”, “Desalinho”, “Sorrir já não basta”, “Um natal diferente”, “Chega devagar”. Talvez pela discrição do nome artístico, desculpem o trocadilho, ele tenha ficado à sombra de astros mais badalados. Mas, até o rótulo de sambista é exíguo para etiquetar o compositor e intérprete que, aos 16 anos, já tocava em casas noturnas, após ganhar um violão de 7 cordas do pai músico, e aos 18, como profissional, gravava com o genial violonista Baden Powell e o grupo Originais do Samba – um antecessor do Fundo de Quintal.

Além do violão, Sombrinha domina banjo, bandolim, cavaquinho e gravou quatro discos com o parceiro Arlindo Cruz, entre 1996 e 2002. Em 2013, já desfeita a dupla, o mesmo Cruz produziu o manifesto de Sombrinha, “Matéria prima”, sua afirmação autoral, em álbum com participações de Chico Buarque (parceiro autoral e vocal em “Deixa solto”), Zeca Pagodinho, Hamilton de Holanda, Sombra e a Velha Guarda da Mangueira. O novo álbum/songbook “Trilha sonora” (MG Records) da cantora Branka, com produção de seu companheiro, Carlinhos 7 Cordas, dedicado aos 60 anos de Sombrinha, abre mais o leque estético do autor. Vai da enevoada valsa “Infinito é o tempo”, (parceria com Nilton Barros) à “Desamor” (com Arlindo Cruz), introduzida pelo violão característico da bossa nova, pontuado por Claudio Jorge, um dos craques do time instrumental do disco, ao lado de Jorge Helder (baixo) e Dirceu Leite (sopros). Na viagem, sofisticados arranjos dos ases do piano Gilson Peranzzetta, Leandro Braga e Fernando Merlino embalam as oito faixas. Para quem não sabe, a curitibana Branka - num episódio raro no show bizz - iniciou carreira na seara pop/rock sob seu nome próprio, Karyme Hass. Converteu-se ao samba, a partir de “Barra da saia”, já produzido por Carlinhos, em 2013. Encarou o repertório da diva mineira Clara Nunes em “Branka canta Clara” (2016). No disco seguinte, “Trilogia flores douradas – A flor” recebeu o endosso e inéditas dos bambas Nei Lopes, Arlindo Cruz e Moacyr Luz.

Encorpado e elegante samba canção, a faixa título,“Trilha sonora”, parceria de Sombrinha e Paulo Cesar Feital, desfia um glossário de sumidades: “Eu, Pixinguinha ouvi/ Assis Valente, Ary/ Baden, Luis Bonfá/ pelas manhãs de carnaval/ vi Elizeth enluarar com Jacob, em noites cariocas/ me trouxe Raphael Sete Cordas tocar/ então joguei La-Lamartine nas veias, ouvindo Elis/ cantando com Cauby, “Bolero de Satã”/ são dois pra lá/ são dois pra cá/ e mais dois, de João e Aldir”. A eclética Zélia Duncan é a parceira do homenageado no gingado samba “Sorriso na avenida”, onde o cenário carnavalesco se presta a ressignificados amorosos (“uma luz vem lá de cima/ me mostrar o que eu não via”), e um improviso jazzístico final deixa tudo em aberto. Inédita parceria com Neoci, do tempo do Fundo de Quintal, o samba “Meus erros” (“é preciso de uma vez me libertar/ e nunca mais por amor chorar”) conjuga sincopas de piano e violão, enquanto “Lua de Paris” (com Moacyr Luz), calçado por tamborim, trata com delicadeza um relacionamento em crise: “a vida anda perigosa/ te trato bem, flor amorosa/ (...) juro que não quis te magoar/ se eu errei foi por um triz/ melhor me perdoar”. Remansosa, “Bahia de Amado” (com Marquinho PQD/Rafael dos Anjos), perfumada por acordeon, exalta “Salvador, terra de pura magia” e dois de seus ícones, o escritor do título e o maior compositor da “terra que ninguém define/ só mesmo Caymmi mostrou com seu canto”. Outra exaltação fecha o cortejo, o irresistível samba, pavimentado por piano e tamborim “Pra sempre Mangueira” (só de Sombrinha): “Lá vai a Mangueira/ rosaverdeando o caminho de luz/ vai esbanjando poesia/ vai brincando de alegria/ faz meu povo mais feliz”. E segue, com citações de “Folhas secas” (Nelson Cavaquinho/ Guilherme de Brito) e “Exaltação à Mangueira” (Enéas Brittes da Silva/ Aloísio Augusto da Costa): “É a minha Estação Primeira/ vai ser sempre a campeã/ é a Mangueira de ontem/ Mangueira de hoje/ ela é do amanhã”.

Tárik de Souza


Fonte da imagem: Ingo Rosler

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