Foi com grande prazer que li "Cancioneiro Geral (1982-2023) de José Carlos Capinan". Uma edição primorosa, organizada por Cláudio Leal e Leonardo Gandolfi, que traz além das letras de suas canções, sua poesia escrita e pouco conhecida. É impressionante a qualidade de ambas. Eu, que já era fascinada pelas suas canções, agora fui capturada pelos poemas.
Um elemento presente tanto numa como noutra forma de expressão é a amplidão do olhar do poeta, sua abrangência, que abraça tanto a cultura tradicional como a moderna, tanto temas líricos quanto políticos. “Soy loco por ti América”, com Gilberto Gil, homenageando Che Guevara, escrita logo após sua morte, “Ponteio”, com Edu Lobo, que nos remete ao Brasil profundo, “Vinhos finos...cristais”, com Paulinho da Viola, canção lírica urbana com ressonâncias baudelerianas, “Mais que a lei da gravidade”, com Paulinho da Viola, com aquela sabedoria presente em nosso samba, “O tempo e o rio”, com Edu Lobo e “Movimento dos barcos”, com Jards Macalé, as duas com a reflexão filosófica sobre a passagem do tempo, tema presente em sua obra e que nos remete ao rio heraclitiano.
É difícil escrever sobre Capinan exatamente por isto que constitui o tesouro de sua obra: a amplidão de seu olhar. É com excelência que ele transita por estes universos múltiplos que compõem nossa cultura, nossa alma brasileira – boiadeiros, orixás, homens urbanos – na busca do sentido da vida, em que inúmeros espelhos surgem, refletindo estes fragmentos que compõem o tecido da nossa cultura e da nossa existência.
“Confissões de Narciso”, “Inquisitorial”, “Novos Poemas”: encontrei ressonâncias da poesia de João Cabral Drummond e Pessoa. Estarei certa?
Para terminar, quero citar uma estrofe de Capinan que revela o sentido que percorre a alma de muitos de seus versos:
"Mesmo um homem não é nunca seu fim
Mesmo se agindo,
Nunca se encontra em si,
termina sempre mais amplo
Tal em mar se acaba um rio."
Eliete Negreiros