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Cátia de França chega aos 75

Redescoberta e celebrada pelas novas gerações de músicos e pesquisadores musicais

domingo, 13 de fevereiro de 2022

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Incentivada pela mãe a aprender piano e violão e, pelo pai, acordeon, com menos de 20 anos, ela já tocava muito bem. Com 32 anos, em 1979, lançou seu primeiro álbum, “20 Palavras ao Redor do Sol”. Depois de alguns anos oscilando entre o ostracismo e suas gravações e aparições públicas, com 69, voltou com tudo: lançou seu disco mais recente, “Hóspede da Natureza”, em 2016; protagonizou um mini documentário produzido pela Trip TV para o YouTube em 2017, quando celebrou seus 70 anos; e, em 2018, criou um centro cultural com seu nome em São Pedro da Serra (RJ).

Paraibana nascida em João Pessoa, Cátia de França completa 75 anos neste 13 de fevereiro de 2022, definitivamente redescoberta e celebrada pelas novas gerações de músicos e pesquisadores musicais. Depois de 2018, outras novidades vieram: a compositora, cantora e multiinstrumentista recebeu convites para gravações, e ganhou de presente a reedição do “20 Palavras ao Redor do Sol”, que saiu acompanhado de um texto biográfico assinado por Lorena Calábria. O LP icônico ainda ganhou um texto do jornalista Marcelo Pinheiro para o livro “1979: O ano que ressignificou a MPB”, prometido para o segundo semestre, mas já em pré-venda.

“Recentemente, teve lançamento do Jorge du Peixe, eu cantando ‘O Fole Roncou’ (de Luiz Gonzaga e Nelson Valença) com ele. Teve a banda The Baggios, de Sergipe, que me chamou para cantar ‘Barra Pesada’ (de Julio Andrade, vocalista e guitarrista da banda) com eles e Chico César... E, em plena pandemia, meu disco de 1979 foi relançado pelo Três Selos, do Rafael Cortes. A ideia foi do músico Juliano Holanda, de Pernambuco. Ele ligou para Rafael e disse: ‘Meu irmão, relance o ‘20 Palavras’’. Imediatamente o Rafael me contactou e eu aceitei na hora. Todo mundo estava com medo, porque o brasileiro é hipocondríaco, mas o disco nasceu, que é o que melhor me representa”, celebrou Cátia durante a live de divulgação do livro organizado pelo Célio Albuquerque, em conversa comigo e com Marcelo Pinheiro.

Com o aval da mãe, Catarina Maria de França Carneiro nasceu católica, estudou em escola protestante, fez primeira comunhão, foi catequista, na adolescência virou adventista e, mais tarde, foi “feita” em um terreiro de candomblé. Mais tarde, ela viria a fazer parte da banda de Zé Ramalho e ser apadrinhada por ele na gravadora CBS, mas não sem antes aprontar muito em sets de filmagens e em palcos teatrais. 

A cantora e compositora Cátia de França em peça promocional de ’20 Palavras ao Redor do Sol’, seu primeiro álbum. Foto: Divulgação / Epic

Cátia de França começou sua história profissional se alternando entre festivais de música e teatro. Em 1970, defendeu no IV Festival Paraibano de MPB a composição “Mariana”, uma parceria com o jornalista Diógenes Brayner que acabou em um compacto duplo com as quatro finalistas do evento. Dois anos depois, foi selecionada para embarcar para Lisboa e Madri para apresentar a peça “Uma cena para dois povos”. O apoio do Governo português e do Governo paraibano veio através do intermédio de João Cabral de Melo Neto, então embaixador do Brasil em Portugal e amigo pessoal de uma professora da Fundação Artística Manuel Bandeira (FACMA). Elba Ramalho já estava entre a música e o teatro e também embarcou nessa viagem. 

Entre 1974 e 1976, Cátia de França atuou como sonoplasta, instrumentista e até diretora musical de peças como “Lampião no Inferno”, de Jairo Lima, dirigida por Luiz Mendonça, e “Viva o Cordão Encarnado”, de Luiz Marinho, também sob direção de Mendonça. Ainda com Mendonça, para a peça “Feira Livre”, baseada em poemas de Plínio Marcos, compôs a trilha sonora. Já atuando como atriz, Elba foi quem indicou a Geraldo Azevedo – diretor musical escolhido por Luiz Mendonça – os nomes de Cátia, Pedro Osmar e Vital Farias, todos paraibanos egressos da cena musical sessentista de João Pessoa. 

Naquela época principalmente, as sociedades carioca e paulistana viam os nordestinos como mão de obra barata ou personagens caricatos. Preconceito era o que não faltava. “Pau de arara”, “Risca faca”, “Paraíba” e “Cabeça Chata” eram alguns dos apelidos pejorativos que menosprezavam os migrantes. Mas ali por 1977, o pessoal da Paraíba e de Pernambuco não se dava por vencido. Além dos encontros constantes, tanto na casa de Elba e Geraldo quanto na de Cátia, os nordestinos também visitavam juntos a feira de São Cristóvão. Cátia era lésbica assumida, apesar de, naquela época, não ser de bom tom levantar o assunto nas rodas de conversa com nordestinos mais machistas. Não era exatamente o caso de vários amigos que adoravam Cátia e apoiavam sua carreira.

No disco de estreia de Zé Ramalho, lançado em 1978, Kátia de França  (que na época assinava com K) gravou triângulo em “A Noite Preta” e sanfona em “Voa, Voa”. Ela ainda excursionou com o conterrâneo, tocando acordeon. Em 1979, em seu álbum “Frevo Mulher”, Amelinha incluiu a faixa “Coito das Araras”, de Kátia. No mesmo ano, Elba Ramalho gravou a sua “Kukukaya – Jogo da Asa da Bruxa” no disco “Ave de Prata”. E foi nesse 1979 que Zé Ramalho e o produtor Carlos Alberto Sion incentivaram a CBS – que ganhou o apelido pejorativo de “Cearenses Bem-Sucedidos” – a assinar com a artista, que já estreou com “20 Palavras ao Redor do Sol”, assinando como Cátia de França. Zé e Sion produziram o disco de estreia, no qual ela se assumiu como violonista e colocou suas composições para fora.

Cátia sofreu com o alcoolismo e acabou tendo muitos altos e baixos.Também não teve quem lhe ajudasse na administração de sua carreira – fantasma de todo músico que não consegue um bom empresário. No entanto, seu recolhimento indo morar na região serrana do estado do Rio de Janeiro a partir de 2005 e seu talento ajudaram na reconquista de seu lugar ao Sol. E, por falar na estrela central do Sistema Solar, Cátia tem “20 Palavras ao Redor do Sol” como o que mais a representa, mas também são obras-primas “Estilhaços” (1980) e “Hóspede da Natureza” (2016). Em sua discografia estão ainda “Feliz Demais” (1985), “Avatar” (1998) e “No Bagaço da Cana / Um Brasil Adormecido” (2012). Quem ainda não deriu à moda da redescoberta de Cátia de França não sabe o que está perdendo. 



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