Chegou a 5º edição de 'Choro: do quintal ao Municipal'
Nos últimos dias de abril passado chegaram os exemplares da nova edição do meu livro “Choro: do quintal ao Municipal”, que traz como novidade um posfácio e a discografia atualizada para as plataformas digitais.
O processo que gerou o livro teve início em fins de 1992, num encontro em São Paulo com o produtor Fernando Faro, que comentou que a intenção de fazer um programa “Ensaio” na TV Cultura, contando a história do Choro. Preparei o repertório e gravamos no início de 1993. A ideia parecia promissora e foi sendo aperfeiçoada no ano seguinte, gerando o CD “Desde que o Choro é Choro”. Ainda em 1994, o design Egeu Laus e o editor Rodrigo Ferrari criaram a revista “Roda de Choro” e ao ser convidado para participar, propus uma história do Choro em capítulos. Quando saiu o capítulo 2, fui surpreendido por um telefonema do jornalista Tárik de Souza, me convidando para escrever um dos livros da coleção “Ouvido Musical” para a Editora 34. Para me mostrar como seria a coleção, com guias que explicassem os diferentes segmentos da música popular, enviou para minha casa o primeiro lançamento, “Blues: da lama a fama” de autoria de Roberto Muggiati. Foi a partir deste título que surgiu “do quintal ao Municipal”.
Capa da 5ª edição do livro "Choro: Do Quintal Ao Municipal" (Reprodução)
Em setembro de 1995 assinei o contrato e parti ferozmente para entrevistas, pesquisas em arquivos, etc. Resolvi, logo de início, incluir informações oriundas de teses e dissertações acadêmicas, e ao ler uma delas, escrita por Marcia Taborda sobre Dino 7 Cordas, discordei da afirmação do próprio Dino, de que teria desenvolvido suas baixarias no violão de 7 cordas, a partir dos contrapontos que ouvira Pixinguinha executar nos duetos com Benedito Lacerda. Havia uma incongruência musical na afirmação, pois tanto o desenho das frases, quanto a colocação dessas em relação a melodia eram muito diferentes nos dois casos. Liguei para a Marcia e ela comentou que para checar essa incongruência, só ouvindo as gravações da fase mecânica, ou seja, realizadas entre 1902 e 1927. Nesse momento acendeu uma luz e, em seguida, liguei para o generosíssimo pesquisador Jairo Severiano. Jairo me contou que tinha uma cópia em fitas de rolo de mais de 3500 fonogramas dessa fase. Disse que me emprestaria as fitas, desde que eu arranjasse um gravador de 4 pistas para reproduzi-las. Arranjei o gravador e alguns dias depois da luzinha acender, comecei uma expedição auditiva pela fase mecânica. Aconteceu como em alguns filmes em que o personagem fica obcecado, cresce o cabelo e a barba e se torna monotemático. Um dia, após horas e horas de audição das gravações, fui relaxar no bar Bip-Bip em Copacabana. Assim que cheguei comecei a falar de fase mecânica, fase mecânica, só tinha esse assunto. Foi aí que um senhor, amigo do Alfredinho, o dono do bar, colocou a mão no meu ombro e disse: você é jovem, casamento é assim mesmo, vocês vão superar essa fase. Estava pirando mesmo.
Além dessa viagem na fase mecânica, numa feliz coincidência de um encontro na rua com a historiadora e radialista Lilian Zaremba, ela me disse que em 1978 tinha colhido uma série de depoimentos com os chorões e me entregou um pacote com uma dúzia de fitas cassete. Dino, Canhoto, Orlando Silveira, Radamés, Severiano Araújo, estavam todos ali. Sérgio Cabral liberou para mim seu acervo de recortes de jornal, com precioso material dos anos 1960 a 80.
O esforço para transcrever tanto material e estruturar o texto, me levou a uma tendinite e o trabalho, que achei que faria em 6 meses, levou 20 para ficar pronto. Convidado para escrever o prefácio, Hermano Vianna caprichou um texto que ajudou a abrir portas para o livro.
Finalmente, em agosto de 1998 aconteceu o lançamento, com uma mega roda de choro no Centro Cultural da Light e antes que o ano terminasse, outra edição foi rodada. Foi lançado ainda um CD coletânea com título homônimo, que pode ser ouvido aqui, no acervo do IMMUB.
Em 2004, ao reler o texto para incluir correções na 3º edição, achei que o tom um tanto panfletário do livro, uma espécie de manifesto pela liberdade no Choro, não era mais necessário e reescrevi boa parte do material. Agora na 5º edição, que ganhou na capa o selo “Choro 150 Anos” desenhado por Haroldo Cazes, um posfácio comenta os avanços recentes e propõe esta múltipla definição de Choro no século XXI.
• um acervo de composições
• um conjunto de características rítmicas e fraseológicas, um estilo
• um gênero musical que teve sua forma definida por Pixinguinha
• uma prática musical que combina memorização de repertório e improviso
Esta coluna é antes de mais nada um agradecimento ao Faro, Egeu, Rodrigo, Tárik, Marcia, Jairo, Lilian, Sérgio, Hermano e a toda a equipe incansável da Editora 34.
Henrique Cazes
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