Com Açúcar, Sem Desafeto: cantar ou não o passado?
por Caio Andrade
Recentemente, Chico Buarque anunciou que não cantaria mais Com Açúcar, Com Afeto, sucesso de seu repertório e clássico na voz de Nara Leão (1942-1989), em função de pautas de movimentos feministas.
Antes de mais nada, é bom deixar claro que o texto a seguir não tem a mínima intenção de defender um lado ou tomar posições – a pessoa que mais teria uma posição para expressar seria o próprio Chico, e ele já a fez decidindo por não cantar mais essa música.
A canção, composta em 1967, fala de uma mulher doméstica, que conta (ou canta) suas desilusões amorosas por um marido que só quer saber da gandaia e da boemia enquanto ela fica em casa cuidando do lar. O autor comentou que foi a própria Nara, à época, quem pediu uma música nesse estilo, de uma "mulher sofrida", à la grandes compositores como Assis Valente, Ary Barroso e outros tantos.
Chico Buarque e Nara Leão em 1977 / Agência O Globo
Entretanto, um ponto importante de se pensar é o eu-lírico da canção, já que ele não reflete necessariamente a posição de um autor. Tanto que, nesse caso, a canção foi um pedido de uma amiga pessoal do compositor. Essa questão é abordada também por pesquisadores como Mauro Ferreira e Rodrigo Faour, que defendem a necessidade de se levar em conta o eu-lírico nesse processo.
Capa dos álbuns Nara Leão (Philips, 1967) e Chico Buarque de Hollanda Vol. 2 (RGE, 1967)
Além disso, para alguns, a música pode ser entendida na verdade como um desabafo, tendo a mulher da letra expondo a realidade melancólica na qual está imersa. Sendo assim, estaria Chico agora justamente denunciando uma triste verdade que era naturalizada e, portanto, ele e Nara sendo transgressores nesse sentido?
Como a professora e ativista Lola Aronovich mesmo disse, a música não está censurada, e, portanto, não vai sumir dos streamings, não vai ser proibida de ser reproduzida por outros artistas, nada disso – é apenas uma posição pessoal do autor, que, inclusive, não é nada unânime entre fãs, pesquisadores, músicos e todos que já ouviram Com Açúcar, Com Afeto.
No fim, o que se tem é uma discussão um tanto quanto pertinente, polêmica e inconclusiva que talvez fosse impensada há 10, 20, 50 anos, com uma autocrítica que vale para o repertório de diversos outros artistas da nossa MPB. Não existe, aqui, certo ou errado, apenas o diferente, ou sei lá o que.
Comentários