Cultura

Completando 20 Anos, o Sebo Baratos da Ribeiro agora também é Selo Musical

E o duo Latexxx representa o rock carioca que a livraria ajudou a fomentar ao longo dos anos

domingo, 15 de dezembro de 2019

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Livrarias sempre foram pontos de ebulição cultural, não só porque os livros são fundamentais para a vida intelectual de uma cidade, mas pelos encontros que promovem: entre livros e leitores, ideias e pessoas. O mesmo vale para lojas de discos. E o sebo Baratos da Ribeiro é tanto disqueria quanto livraria – e não esqueçamos dos quadrinhos. Ali, poetas decidem publicar fanzines, um diretor de audiovisual descobre seu elenco (e até a locação!), o romancista conhece seu capista, um roteirista de quadrinhos encontra o ilustrador ideal e o guitarrista esbarra naquele baixista que faltava para começar uma banda. Por vezes, a livraria consegue até acolher o resultado final: promover o sarau, exibir o curta-metragem ou virar palco para a banda se apresentar ao vivo.


Fundada em 2001 pelo ex-fanzineiro e estudante de jornalismo Maurício Gouveia, um paulista de Taubaté, a livraria Baratos da Ribeiro, inicialmente localizada na rua de mesmo nome, em Copacabana (Rio de Janeiro), sempre esteve a serviço da produção cultural local. E o interesse do Maurício pelo rock autoral de seus contemporâneos acabou criando certa tradição e identidade para o estabelecimento. A ideia nem era original: logo em seus primeiros meses no Rio, o Maurício viu shows do Zumbi do Mato, Funk Fuckers e até Los Hermanos no sebo Berinjela, outro polo informal de efervescência cultural, localizado no Centro do Rio. Então, quando o amigo Pietro Luigi sugeriu que o Zumbi do Mato também fizesse um show no seu recém-inaugurado sebo, o livreiro não pestanejou. Abriu espaço entre as estantes para a banda e ainda ofereceu emprego ao amigo que teve a sacada. E Rock´n´Roll em meio aos livros e discos exige certo jogo de cintura – o pessoal precisa se adaptar às limitações de um espaço planejado para outros fins -, o que acabou sendo um dos charmes dos eventos que seguiram nesse formato: acesso gratuito ao público e proximidade com os artistas, clima intimista, músicos testando novas canções, à vontade para improvisar. 

O período entre 2004 e 2007 foi especialmente intenso de shows e eventos musicais, em geral, no sebo, graças à parceria com a MOSH!, revista em quadrinhos de temática roqueira editada pelos quadrinistas e storyboarders Renato Lima e S. Lobo. Foram eles que batizaram, e coproduziram, as primeiras apresentações musicais ao vivo na Baratos de “Vespeiros” e botaram grandes ilustradores cariocas para criarem flyers para os eventos – Fábio Lyra, Vinícius Mitchell e Fábio Monstro assinaram vários deles.

Nesse pique, foi realizado o mini-festival “Never Mind The Blocos”, que aconteceu no carnaval de 2005, com curadoria do próprio Maurício e da turma da MOSH!. Nele, durante o sábado e domingo da folia de Momo naquele ano, tocaram as bandas Jesse Saes, Pic Nic, Supercordas, Elepê, Pra Servirem de Espantalhos, Cactus Cream, Nelson & Os Gonçalves, Charme Chulo (de Curitiba) e Os Imperfeitos, grupo neo-mod do compositor e guitarrista carioca Fabio L. Caldeira. Fabio permaneceu figurinha fácil no sebo desde então, e voltou à Baratos para outras estreias: com nova formação dos Imperfeitos e com o projeto eletrônico Latexxx, duo composto com a pianista Gabriela Camilo, e que lançamos agora, inaugurando o selo musical da Baratos


Mas, da turma que passou pelo tal festival, não foi só o Fabio que seguiu na música e voltou a se apresentar na Baratos com projetos diferentes: entre outros, Francisco Kraus retomou o lendário Second Come e criou o Dead Suns depois do Jesse Saes; e a Flávia Couri, que era do Elepê – e em seguida integraria o Autoramas -, fez show no sebo ainda com as suas bandas Doidivinas e a internacional The Courettes – dupla de garage-rock original da Dinamarca, para onde se mudou após sair da banda do Gabriel Thomaz. O Letrux jamais caberia no sebo, mas Letícia Novaes também cantou lá algumas vezes: com o Ménage à Trois e Os Letícios, bandas anteriores ao Letuce, além de um show exclusivíssimo, em 2006, com a artista plástica e cantora Júlia Debasse e o tecladista Arthur Braganti, por circunstância do lançamento do livro “Az Mulherez”, de Natércia Pontes. Na ocasião, a turma se apresentou sob a alcunha de Jerônimo & As Degradadas Filhas de Eva!

Já nessa época, a rapaziada estava tão ligada na programação da Baratos que alguns shows foram divulgados na véspera e apenas no boca-a-boca, por receio da multidão que poderia aparecer. Foi o caso da gaúcha Cachorro Grande, que se apresentou na Baratos em 2007 – foram anunciados como The Great Southern Dog e passaram mais de duas horas tocando apenas seus ídolos: Beatles, Small Faces, Rolling Stones, The Who, The Kinks, etc., até a multidão que ocupava o sebo convencê-los a tocarem suas próprias canções. 

A história foi parecida com o igualmente sulista Wander Wildner, que passou casualmente pela loja de manhã e lançou a ideia de um show para ser realizado à tarde, com o improvisado acompanhamento dos amigos músicos do Maurício Gouveia que estivessem ali à disposição no momento. Wander voltou algumas vezes, de forma mais premeditada, acompanhado por uma banda escalada com habilidade pelo mesmo Maurício: Robson Riva (BNegão & Seletores de Frequência) na bateria, Eliza Schinner (Nove Zero Nove) no contrabaixo, Nelson Burgoz (Nelson & Os Gonçalves) na guitarra solo e Pedro de Freitas Branco (White) no violão e gaita. 

Em 2006 nasceu o Clube do Vinil, noites em que os frequentadores da Baratos atacam de DJ, dividindo com os amigos o prazer de escutarem seus LPs. Pedro de Freitas Branco, compositor e musicólogo que acaba de lançar o livro “Sobreviventes: o Rock em Portugal na Era do Vinil” pela Editorial Presença, é um dos colaboradores mais assíduos – e sua refinada coleção, em torno de 5 mil discos, das mais impressionantes. Outros autores participaram do Clube, como o jornalista Ricardo Schott (“Heróis da Guitarra Brasileira”, escrito em parceria com também jornalista Leandro Souto Maior), Rômulo Mattos (“Memórias de um Legionário”, com Dado Villa-Lobos, da Legião Urbana) e Sílvio Essinger (“Batidão: uma história do Funk”, “Punk: anarquia planetária e a cena brasileira”, “Almanaque dos anos 90”, etc.). E alguns desses Clubes funcionaram como evento de lançamento de livros, caso do “Discobiografia Mutante”, da Chris Fuscaldo, e “Júpiter Maçã: a efervescente vida e obra”, de Pedro Brant e Cristiano Bastos. Desde o nascimento da Rádio Graviola, em 2008, o Clube do Vinil é também um programa de rádio. Na verdade, foi o primeiro programa fixo da Graviola, que já ganhou três vezes o Prêmio Profissionais da Música e é atualmente a web rádio brasileira campeã de audiência.

Nos últimos anos o Sebo Baratos diminuiu o ritmo dos shows e se concentrou no Clube do Vinil. Desde 2015, a partir da mudança da loja de Copacabana para o lindo e espaçoso sobrado azul situado no número 15 da Rua Paulino Fernandes, em Botafogo, foram gravados mais de 150 edições do Clube, o que significa mais de 300 horas de música captada de vinil e bate-papo. Shows foram poucos, mas caprichadíssimos: Picassos Falsos; Jonnata Doll & Os Garotos Solventes (Fortaleza / São Paulo); Fred Zero Quatro (Mundo Livre S/A); Verônica Vallentino (da Verônica Decide Morrer, num show só com canções do Belchior); Melvin & Os Inoxidáveis; Tagore (Recife); Gilber T & Gerson King Combo; Jorge Vadio (Portugal); O Branco & O Índio e Estranhos Românticos; entre outros. E, diferentemente daqueles anos em Copacabana, houve distribuição de senha e, em alguns casos, vaquinha para arcar com os custos das produções. 


E já foram definidos quais serão os próximos lançamentos do Selo Baratos: Fausto Fawcett & Os Robôs Efêmeros, quebrando um hiato discográfico da banda que vinha desde 1989, quando lançaram seu, até então, último trabalho.

O outro lançamento confirmado é um compacto da Blastfemme - formada no final de 2016 por mulheres da cena independente carioca, a Blastfemme tem se destacado e impressionado plateias até na China, literalmente (a banda fez uma turnê por lá em 2018), com sua forte influência do Punk e do Noise, equilibrada com batidas da Disco Music e o teor do Pop, e que lançou álbum (independente) homônimo de estreia neste ano, coproduzido pela própria banda e Gustavo Benjão.

Juntos, Latexxx, Fausto Fawcett & Os Robôs Efêmeros e Blastfemme serão os três primeiros lançamentos do “Selo Baratos/ Clube do Vinil”, ao longo de 2020. E ideias para mais lançamentos adiante não faltam! Bandas e artistas com repertório incrível e com quem o sebo Baratos tem afinidades também não! 


Ufa! É muita história até aqui. Mas Maurício, Fabio, Gabriela e Pedro têm certeza de que há muito mais por acontecer. Os últimos 20 anos foram muito divertidos. Os próximos serão ainda mais!



Encaminhado por: Build Up Media
Fonte da imagem: Divulgação | fotos de Ana Paula Moniz / Lucas Henrique


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