Um papo com o Cazes

Da Rádio Clube a Netflix, 70 anos de sucesso do baião 'Delicado'

segunda, 27 de janeiro de 2020

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No último trimestre do ano de 1950, ainda saboreando o estrondoso sucesso de "Brasileirinho", lançado em maio do ano anterior, Waldir Azevedo (1923-1980) escolhia uma música para o seu 4º disco de 78 RPM. Essa música iria fazer par com o choro "Vê se gostas", feito em parceria com o clarinetista Otaviano Pitanga e o virtuose do cavaquinho andava cheio de dúvidas. Numa espera de bastidores para uma apresentação no Clube Quitandinha, em Petrópolis-RJ, Waldir comentou com Chiquinho do Acordeom (1928-1993), que pensava em gravar um bolero e mostrou o tema. Chiquinho gostou, mas achou que daria mais um baião. Perguntou pelo nome da música e, como Waldir ainda não tinha um, sugeriu: "Delicado".  

Lançado em dezembro daquele ano, com uma introdução de 4 compassos marcando bem o ritmo do baião, "Delicado" alcançou grande execução e vendagem ao longo de 1951 e estava destinado a uma trajetória internacional.  

O começo da caminhada de "Delicado" pelo mundo se deu pelas mãos do grande multi-instrumentista Laurindo Almeida (1917-1995), que se radicara em Los Angeles em 1947 e algum tempo depois foi tocar na orquestra de Stan Kenton. Laurindo esteve no Brasil em 1951 e levou o disco com o baião de sucesso para mostrar a Kenton, que gostou e gravou. O arranjo traz a 1º parte solada na guitarra por Laurindo e a 2º com orquestra. No mesmo ano a Orquestra Angelini gravou na Itália uma versão com solo dividido entre acordeom, xilofone e guitarra. A versão italiana se tornou muito famosa pois foi usada durante anos na abertura do programa de rádio de grande audiência, "Ballate con Noi".



Em 1953 foi a vez de Percy Faith gravar, usando solo de cravo na 1º parte e de orquestra na 2º. Essa gravação vendeu mais de 1 milhão de cópias e consolidou "Delicado" como um hit internacional. No ano seguinte, a comédia romântica italiana "Terza Liceo", dirigida por Luciano Emmer, que passou anos depois no Brasil com o título "As colegiais", trazia uma cena longa de um baile de estudantes, embalado pela gravação original de "Delicado"


Em 1955, no último programa de televisão que fez, na noite em que viria a morrer em sua casa de Beverly Hills, Carmen Miranda cantou a música com uma letra escrita por Aluísio de Oliveira. A letra, diferente da que foi gravada antes no Brasil por Ademilde Fonseca, começa com um premonitório "Eu quando escuto o Delicado dá uma dor aqui do lado, aqui no meu coração"


Nas décadas seguintes, o baião de Waldir continuou sua trajetória de êxito, resistiu aos ataques de Jacob do Bandolim, que odiava a música e foi regravado inúmeras vezes, dentro e fora do país. Eu mesmo, gravei até hoje 4 versões e posso afirmar, por experiência própria, que nos dias atuais o tema da música ainda é a identidade sonora do cavaquinho pelo mundo. Em outubro passado, em concertos pela Itália, pude ver o sorriso do público de cabeça branca quando o cavaquinho atacava o tema marcante de Waldir. Conheci também o conjunto de choro romano "Os Delicados", onde brilha o cavaquinho de Fabio Falaguasta.  

Ao assistir recentemente o filme "O irlandês" de Scorcese, fui surpreendido por uma cena de quase três minutos embalada pela gravação de Percy Faith, ora sendo usada como trilha ora em cena. 


Antes de comemorarmos efusivamente o centenário de Waldir Azevedo em 2023, podemos esse ano marcar os 70 anos de sucesso de "Delicado", ouvindo e vendo o material aqui citado, totalmente disponível no Youtube.  


Por: Henrique Cazes




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