Resenha de Samba

Deixa Malhar do Legendário Mano Eloy é retratada em livro

sexta, 04 de agosto de 2023

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Historiador Sormani Silva reconstitui os passos de Escola de Samba extinta em 1943

A Escola de Samba Deixa Malhar foi fundada no início dos anos 1930 no bairro da Tijuca e enrolou a bandeira muito possivelmente após o Carnaval de Guerra de 1943. A agremiação ficou consagrada por ter sido o reduto de onde surgiu o primeiro Cidadão Samba da história, em 1936: o legendário Mano Eloy. Na Deixa Malhar também despontava elegantemente o então desconhecido Moleque Saruê, realizador de passos acrobatas de dança do estilo gafieira e iniciante crooner desse tipo de baile popular, posteriormente imortalizado como Jamelão. Hoje, após mais de 60 anos do desaparecimento da Deixa Malhar, impressionantemente ela tem a sua história narrada em livro. O responsável por esse feito é o historiador Sormani Silva, autor da obra “Escola de Samba Deixa Malhar: Batuques e outras sociabilidades no tempo de Mano Elói na Chácara do Vintém entre 1937 e 1947”. Mas essa conquista só foi possível graças ao repasse oral de vivências e saberes de um sambista pouco lembrado, mas que foi um bamba de seu tempo: Seu Rubens da Silva, também conhecido como Rubens da Vila.

 Mano Eloy: 1º Cidadão Samba da história (1936) e maioral da Deixa Malhar

A história das Escolas de Samba do Rio de Janeiro começou a ser documentada na imprensa em tempo real, a partir de 1930. Entre os jornalistas pioneiros nesse assunto, é possível destacar Carlos Cavalcanti, Graveto (Venerando da Graça), Enfiado (Luís Nunes da Silva), Marron (Luís Correia de Barros), Paraíso (Carlos Pimentel) e outros cronistas carnavalescos que num tempo de ostensivo racismo, orgulhosamente retratavam núcleos recreativistas essencialmente negros. 

Porém, ao que parece o primeiro esforço para se contar a história dessas agremiações aconteceu algumas décadas depois, com a série “Escolas de Samba”, publicada em 1961 e assinada pelo jovem jornalista Sérgio Cabral. Já o primeiro livro a abordar o tema de forma individual foi “Escolas de Samba - An Affectionate Descriptive Account of the Carnival Guilds of Rio de Janeiro”, editado inteiramente em inglês em 1967 pelo escritor francês Luis D. Gardel. Seguidamente, vieram os não menos relevantes e pioneiros “Escolas de Samba em Desfile - Vida, Paixão e Sorte” (1969), de Amaury Jório e Hiram Araújo; “As Escolas de Samba - o quê, quem, como, quando e por quê” (1974), de Sérgio Cabral e “Do Batuque à Escola de Samba - Subsídios Para a História do Samba” (1976), de J. Muniz Jr. 

A primeira Escola de Samba a ser enfocada individualmente em livro talvez tenha sido a Mangueira, com “O Palácio do Samba: Estudo Antropológico da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira”, lançado em 1975 por Maria Julia Goldwasser. De lá para cá, as Escolas de Samba de forma geral têm sido bem documentadas, o que fica evidente com o livro de Sormani Silva abordando a Deixa Malhar. 

 Sambistas da Deixa Malhar reunidos na celebração do Dia de São Sebastião / Jornal O Imparcial, 1941

Mas, via de regra, essa documentação fica restrita ao eixo das grandes e tradicionais Escolas: Mangueira, Portela, Império Serrano, Salgueiro e Unidos da Tijuca. Escolas extintas, muitas das quais consideradas pequenas, ainda permanecem com registro bibliográfico quase inexistente. A exceção da pioneira Deixa Falar, do bairro do Estácio, e de outras que serviram de base para o surgimento de novas Escolas, como a Prazer da Serrinha que, de sua dissidência, formou a Império Serrano; Azul e Branco, Depois Eu Digo e Unidos do Salgueiro, que se reuniram nos Acadêmicos do Salgueiro, a maioria das outras padecem no mais silencioso anonimato.

Agremiações como Cada Ano Sai Melhor (Morro de São Carlos), Fiquei Firme (Morro da Favela), Recreio de Ramos, Rainha das Pretas (Madureira), Filhos do Deserto (Morro da Cachoeira) e tantos outros celeiros de bambas há muito extintos, hoje se encontram no limbo da memória do Samba. Isso porque os personagens que vivenciaram as suas histórias, na maior parte das vezes eram sambistas anônimos, pessoas comuns, trabalhadores de cada dia. Esse fato de base sociológica gerou um desinteresse de décadas ante a história dessas Escolas. 

É justamente nesse ponto que reside um dos maiores méritos da obra de Sormani Silva: ela ousa reconstituir a trajetória de uma Escola de Samba perseguida pela elite carioca que teve seu fim silenciado há mais de 60 anos. O embrião desse livro foi um improvável encontro ocorrido numa parada de vans no município de São Gonçalo (RJ) em 2010, quando Sormani conheceu por acaso o sambista Rubens da Silva, que havia pertencido à memorável Deixa Malhar.

 Seu Rubens da Vila, ao centro / Acervo Sormani Silva

Mano Eloy era frequentador das rodas de carteado, Samba e Jongo do Morro da Serrinha, além de compadre e amigo dos Monteiro, uma das principais famílias do lugar. Por isso, muito provavelmente por influência de Eloy, após o desaparecimento da Deixa Malhar em 1943, Seu Rubens da Silva passou a fazer parte da Escola de Samba Prazer da Serrinha. Lá, por volta de 1946 compôs em parceria com Tio Hélio o samba “Prazer da Serrinha”, hino da Escola, eternizado na voz de Dona Ivone Lara, que também fez parte desta agremiação. 

O maior parceiro de Rubens da Silva em sua trajetória como compositor foi outro bamba da Serrinha, o grande Mano Décio da Viola, com quem deixou gravado “Nunca Mais” e “Não Foi Surpresa” (1976); “Desabafo” (1977) e “Hipocrisia” (1985). Mas a obra-prima de Rubens da Vila é o belíssimo “Saudade do Passado”, também feito com Mano Décio, lançado em 1976 no LP “Encontro Com a Velha Guarda” que reuniu sambistas da pesada e teve produção honesta de Noel Rosa de Oliveira:

(Mas hoje!) Hoje / Tenho o dom de um novo canto / Meu samba é mensagem de lamento e prantos / Com o rufar dos meus pandeiros / Eram / Verdadeiros cenários musicais / Vendo as baianas que relembram / Saudosos carnavais / II / Sinto em mim / Uma saudade que o passado me deixou / Mas a tristeza não me dominou / Meu samba é nostalgia / Eram / Verdadeiros cenários musicais / Vendo as baianas que relembram / Saudosos carnavais

Reunião de Bambas na contracapa do LP “Encontro Com a Velha Guarda” (1976). Sentados: Alvaiade, Walter Rosa e Ismael SilvaDe pé (esq. - dir.): Noel Rosa de Oliveira, Duduca, sambista não identificado (de branco), Rubens da Silva, Mano Décio da Viola, Iracy Serra, Pelado da Mangueira e Ernani Alvarenga.

Ao ser apresentado a Seu Rubens, Sormani foi contagiado por uma força que desconhecia e que o dominou. Desse primeiro contato casual com o bamba veterano em 2010, surgiram inúmeros outros e, graças a essa relação entre sambista e historiador, a literatura do Samba foi enriquecida com o livro “Escola de Samba Deixa Malhar: Batuques e outras sociabilidades no tempo de Mano Elói na Chácara do Vintém entre 1937 e 1947”.

Para quem quer conhecer melhor Mano Eloy, a trajetória da Deixa Malhar, os Carnavais de Guerra e a marginalização sofrida pelas Escolas de Samba em seus primórdios, a leitura da obra de Sormani Silva é altamente recomendada.

Sormani chegou a tempo, Seu Rubens contava então com 92 anos e logo veio a falecer. A leitura desse trabalho nos traz um obrigatório questionamento: Quantos “Rubens” experimentados na vida e no Samba estiveram à espera de um “Sormani”? Quantos “Rubens” ainda restam à espera de um “Sormani”?

Livro de Sormani Silva é um marco na historiografia do Samba

O livro pode ser adquirido a preço popular diretamente com o seu autor.

Basta solicitar pelo e-mail: sormanisil@outlook.com
ou pelo Instagram

SERVIÇO:

LIVRO: “Escola de Samba Deixa Malhar: Batuques e outras sociabilidades no tempo de Mano Elói na Chácara do Vintém entre 1937 e 1947”
ONDE COMPRAR: com o próprio autor pelo e-mail sormanisil@outlook.com
VALOR: R$ 30,00 + frete
AUTOR: Sormani Silva
ANO: 2018
EDITORA: Edição do autor
LOCAL DE EDIÇÃO: Niterói - RJ
INSTAGRAM: osormanisilva


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