Colunista Convidado

“Desse modo” traz o piano e as ideias inovadoras de Márcio Hallack

quarta, 13 de janeiro de 2021

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O pianista, compositor e arranjador mineiro Abdo Márcio Sarquis Hallack, o Márcio Hallack, nascido em Juiz de Fora, em 1953, é um dos pilares da MIB - Música Instrumental Brasileira. Já gravou com Tom Jobim, Paulinho da Viola e terçou notas com ases instrumentais do porte de Hermeto Pascoal, Mauro Senise, Jaques Morelenbaum, Toninho Horta, Raul de Souza, Marcos Suzano, Robertinho Silva, Gilson Peranzzetta, Nelson Ângelo, Novelli, Adriano Giffoni, Nivaldo Ornellas, Fernando Leporace, Victor Biglione, cujo quinteto integrou, e mais o conjunto Galo Preto e o saxofonista canadense Jean Pierre Zanella. Está lançando seu sexto disco solo, Desse modo (Kuarup), com canções autorais inéditas e temas de Lô Borges e Milton Nascimento. Ele se segue a “Talismã”, de 1987, uma estreia com participação da cantora Telma Costa, que acabou distribuída nos EUA, “Tudo azul” (1995), “De manhã”, (2012), com homenagens a Hermeto (“Free campeão”), Toninho (“Da Horta”) e Peranzzetta (“Maestro Gil”), indicado ao Prêmio Tim de Música. E mais “Piano solo, choros e canções” (2010) e “Aquelas canções” (2013), onde desvela parcerias com Murilo Antunes, do Clube da Esquina e o carioca Moacyr Luz, por sua vez, parceiro de Aldir Blanc.

De início autodidata, ele cursou o Conservatório Estadual de Música, de Juiz de Fora, e o Conservatório Brasileiro de Música, de Barbacena, onde classificou-se em primeiro lugar. Teve mestres como Luiz Eça, Vilma Graça, Esther Scliar, Gilberto Tinetti, André Pires e Vittor Santos, entre outros. Em 1979, ele classificou em terceiro lugar no Festival Brahma MPB seu choro “Um presente pro titio”, com arranjo do maestro Gaya e participação do lendário flautista Copinha. Vencedor do Prêmio BDMG Instrumental em 2002 e 2007, ele participou de outros festivais como o Free Som, em 1989, II Pró-Jazz Festival, em 1993, Rock in Rio Instrumental (1998) e Thelonious Jazz (Chile, 2011). Compôs músicas para o filme “Janela do caos”, de José Sette, sobre a vida do poeta mineiro Murilo Mendes, e também foi pianista e arranjador de outro filme de Sette, “O rei do samba”, sobre o bamba do sincopado, Geraldo Pereira, mangueirense nascido em Juiz de Fora. E ainda criou as trilhas de “Lanterna mágica”, de Alexandre Alvarenga e do curta “Veredas Santeiro” (2011) sobre a vida e obra do cineasta Sérgio Santeiro.

Foto de Aloizio Jordão

O núcleo central do disco “Desse modo” congrega Márcio Hallack (piano), Enéas Xavier (baixo acústico) e Esdra Expedito Ferreira, o Neném, na bateria. O trio abre com uma revisita ao clássico do disco Clube da Esquina, de Milton Nascimento, de 1972, “Tudo que você podia ser” (Lô Borges/Márcio Borges). As reentrâncias dissonantes da composição permitem uma longa exploração jazzística de seus veios, incluindo um solo meditativo de baixo, com notas sequenciadas. Gravada inicialmente por outro integrante do Clube, Beto Guedes, no disco “Amor de índio” (1978), “Novena” (Milton Nascimento/Marcio Borges) transcorre entre reviradas de bateria e um diálogo jazzístico acendrado entre o piano do solista e o sax soprano coltraniano de Chico Amaral, o quinto Skank. São as duas únicas faixas não assinadas por Hallack.

Entre as homenagens do roteiro essencialmente autoral, “Dia de Santo Antonio” exalta a nordestinidade do compositor carioca Edu Lobo, entrançado pelos sopros de Jorge Continentino (clarinete) e Mauro Rodrigues (flauta em sol). As angulosidades do afrojazz futurista do pernambucano Moacir Santos valseiam em “Valsi”, encorpadas pelo trombone de João Machala. Praticamente bossa nova na acentuação rítimica, a faixa “To Ron” celebra o modalismo do compositor americano Ron Miller, entrecortada por violão e guitarra de Humberto Mirabelli. Outro totem do cenário jazzístico americano o saxofonista Michael Brecker é lembrado em dois temas de mote recorrente compartilhado, “Samba do Brecker” e “Brecker no Rio”, singrados por um faiscante sax tenor em cada um deles: Breno Mendonça no primeiro, e AC (Afonso Claudio) no segundo.

Os perfis homenagens que enriquecem “Desse modo” (uma faixa título que se desenvolve em climas alternados, sob a liderança do piano e pinceladas expressionistas do sax alto de Zé Canuto) seguem nos labirintos vilallobianos de “Chorin”. A faixa, adensada pelo cello de Hugo Vargas Pilger, louva um ilustre discípulo do mestre erudito, o violonista e compositor carioca Guinga. Outro luminar que não cessa de semear seguidores, o iconoclasta Hermeto Pascoal, é cultuado em “Tree” pelo piano multidisciplinar de Márcio Hallack, na sintética definição do historiador Zuza Homem de Mello, um músico “que une a introspecção mineira à liberdade carioca”.


Tárik de Souza


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