Supersônicas

Disponibilizado Acervo e álbuns do fabuloso Ederaldo Gentil

por Tárik de Souza

segunda, 22 de janeiro de 2018

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Berço do samba de roda e das tias que instauraram as incubadoras do gênero primal na Praça Onze, no Rio, além de terra do cantor do primeiro marco oficial do gênero (“Pelo telefone”, Baiano, 1916), a Bahia da axé music e seus derivativos, não dá o devido destaque a seus sambistas mais ligados às raízes. Integrante da fértil geração de Batatinha, Riachão, Panela, Edil Pacheco, Roque Ferreira e Nelson Rufino, o talentoso Ederaldo Gentil (1943-2012) morreu após uma longa doença e reclusão, deprimido com a marginalização de sua arte. A caixa de quatro CDs,A/C/E/R/V/O Ederaldo Gentil (Natura Musical), direção artística de Luisão Pereira (Dois em Um), sobrinho do homenageado, repesca sua obra repleta de pérolas luminosas. Como a notória “O ouro e a madeira”, do primeiro disco de Ederaldo, “Samba, o canto livre de um povo” (1975), sucesso de meados dos 70, nas vozes de Jair Rodrigues, Originais do Samba, Conjunto Nosso Samba e Timbalada. Curiosamente, trata-se de um samba ralentado, uma de suas várias composições que seguem a ginga cadenciada do mineiro Ataulfo Alves. Lembra até “Esperanças perdidas”, do filho de Ataulfo, Adeílton Alves, em parceria com Delcio Carvalho. Ainda deste disco de estréia tardia, são as cintilantes parcerias com Nelson Rufino, “Rose” (“O que é que houve com Rose, hein?/Com Rose, o que é que houve?”, êxito do cantor Roberto Ribeiro), com Batatinha (o afro samba “Pam pam pam”) e Paulinho Diniz (“Amargura). Só do homenageado, é a insinuante “Eu e a viola”. Se em “O ouro e a madeira”, Ederaldo “exercita sua poética da pequenez como um valor para a vida e motor da composição de música popular”, como anota no encarte, o músico e pesquisador Paquito, no álbum seguinte, “Pequenino” (1976) este conceito é aprofundado, no estupendo samba cadenciado “De menor”: “Sou o menor dos pequeninos/ o mais pobre dos plebeus/ o alheio inquilino/ o mais baixo pigmeu/ o comum do singular/ o último dos derradeiros”. Disco ligado à religiosidade afro baiana, com participações de João de Aquino (violão), Altamiro Carrilho (flauta), Marçal (ritmista), ele traz parcerias com Batatinha (“A Bahia vai bem”), “Edil Pacheco (“Manhã de um novo dia”), Paulinho Diniz (“O rei”), Nelson Rufino (“O samba e você”, com Memeu) e solitárias do solista, como as celebrantes “Bêrêkêtê”, “Dois de fevereiro” e “Rio das minhas ilusões”.

O terceiro álbum da caixa, gravado em Salvador, com a banda base do estúdio WR, destaque para o bandolim de Luiz Caldas, abre na estonteante faixa título, “Identidade”: “05342635 é o meu número, meu nome/ minha identidade/ mínimo salário é o meu ordenado/ 12 horas de trabalho (...) São tantos os descontos que nem mesmo sei/ me falam de vantagens que jamais ganhei/ é o INPS, FGTS, IRSS, o Seguro, o PIS/ com trinta de trabalho estou aposentado /e, com mais de 60, penso em ser feliz”. Há parcerias com o tropicalista Capinan (“Luandê”, sobre a questão racial na Bahia), Gereba, do grupo Bendengó (“Ternos da Lapinha”) e Roque Ferreira (“Provinciano”), mais originais só dele, como o samba de chula, “Nordeste de Amaralina”, “Baticun”, e a curiosa metáfora de relacionamento, “Cimento fraco”. O quarto CD, “Raridades”, nasceu de uma caixa de sapato repleta de fitas gravadas, que Ederaldo confiou à guarda do sobrinho, Luisão Pereira. Lapidadas no estúdio, entram “Feira de rolo”, ainda em demo, composta para Alcione que a gravou, a volta do minimalismo na fabulosa “A metade da metade” (“e na dor/ e na saudade/ só se deve acreditar na metade da metade”), a aguda “A sina e a ceia” (“Quem tem aval da vida/ vai na contramão”) e a solerte “Maria das Graças” (“A minha vida sem Graça/ não tem graça”).

O projeto A/C/E/R/V/O inclui digitalização e disponibilização de documentos, cronologia de sua obra e linha do tempo, fotos e vídeos de sua carreira, entrevista rara do solista, músicas gravadas por outros artistas (inclusive do exterior, como a cult portuguesa Lula Pena) e as inéditas “Ritual Ilê Aiyê” e “Canto a Kunta Kinte”, em versões demo. Além do site e do box de CDs, está previsto um show no Teatro Castro Alves, em Salvador, com novos artistas revisitando a obra de Ederaldo. “A Bahia precisa cuidar mais da nossa memória cultural. Produzir este projeto é mergulho na história do nosso samba”, defende Fernando Bezerra, da Maré Produções, coordenadora da produção do Acervo Ederaldo Gentil. 


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