Vire o Vinil

É criticado, estereotipado; mas quando toca, ninguém fica parado - Funk Carioca

segunda, 17 de fevereiro de 2020

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O artigo deste mês te levará aos primórdios do gênero musical que é tão carioca quanto a Lapa, o Pão de Açúcar, o Biscoito Globo e aplaudir o pôr do sol no Arpoador.

É só chegar no sapatinho. Solta o Som DJ...

É como chover no molhado, mas em um momento onde a "noiva de um inimigo meu" quer criar um evento "Família" para combatê-lo, claro que é preciso citar o quão marginalizado o Funk é e em especial nos tempos atuais.

Há quem diga que não é música, que é pobre de letra, que só serve para fomentar o crime e o sexo; sinto informar, mas pensar assim é fazer questão de não enxergar os primórdios do Funk, com letras românticas, bem humoradas ou que dava voz àqueles que antes ninguém queria ouvir, a periferia e seus problemas sociais, o descaso por parte dos governantes de plantão, os excessos praticados por quem os deveria proteger; assim como o pedido por apenas poder ser feliz e andar tranquilamente na favela onde nasceu.

Hoje a apropriação está aí, onde os poderosos do mercado da música, enxergando no Funk uma usina que produz grana em grandes proporções, abraçaram a causa, ao seu jeito e com seu "perfil de personagens"; que transitam no cenário internacional, tem contratos milionários, são aceitos e se tornaram formadores de opinião quando fazem publicidade para produtos ou serviços que todos consomem. A intenção não é desmerecer quem está na crista da onda, mas esse artigo, como de costume, vai voltar um pouco no tempo...

Rap, Montagens... É difícil estabelecer uma linha cronológica exata, como acontece em outros gêneros musicais; mas que bom! Isso já mostra o tamanho da ruptura que o movimento causou, onde influenciados pelo trabalho de gente como o DJ Marlboro, talvez o maior nome da história do Funk Carioca, jovens das comunidades se mobilizavam e se viam motivados a também cantar suas realidades, participavam de bailes locais, alguns acabavam sendo enxergados talvez com maior potencial pelas equipes de som e pronto! Portas abertas, oportunidade de expor sua arte, suas dores e suas rimas, indo em um sentido totalmente oposto aos formatos tradicionais, com seus artistas consagrados, em um mercado monopolizado, onde jamais se poderia imaginar um favelado adentrando as luxuosas sedes das gravadoras, usando bermudão, boné, camiseta e tênis.

O Funk acabou por democratizar o cenário, onde uma infinidade de nomes surgiram, "armados" com papel, caneta, criatividade, uma visão crítica da realidade que viam todos o dias em suas comunidades e... Aquilo passou a soar como um protesto musicado, mas diferente de outros movimentos musicais, quase nunca bem aceito por uma maioria.

Mc Bob Rum e o "Rap do Silva", contando a história do homem que era funkeiro, mas era pai de família, Cidinho e Doca e o clássico "Rap da Felicidade"... Caberia citar tantos e tantos nomes; mas creio que esses são bons exemplos e suficientes para refrescar a memória dos que talvez ainda não queiram enxergar como tudo começou.

Mas peraê! Precisamos voltar mais um pouco e citar o MC Batata e o seu "Feira de Acari", primeiro Rap a ser conhecido nacionalmente.

Acari é um bairro do subúrbio carioca. Lá havia uma feira (ou ainda há, não tenho a certeza), conhecida por vender de tudo o que se possa imaginar e para pagar valia grana, escambo, permuta; os caras faziam qualquer negócio.

Voltando ao Batata... A letra que era uma sátira sobre o que podemos chamar de "Modus operandi" da supracitada feira. É ótimo! É divertido e caricato, em especial para quem conhece um pouco e sabe como as coisas funcionavam por lá.

Quanta gente por aí diz que funkeiro não ouve mais nada, que não saca de música, que A, que B... Errado, meu nobre, ou minha nobre; e eu vou te dar algumas provas de que os caras buscavam inspirações onde sequer se imagina, para criar aquela sequência de batidões que quando toca ninguém fica parado.

O já citado MC Batata foi longe para buscar inspiração para o seu "Feira de Acari", tendo utilizado como base samples da música "Das Model" do grupo alemão "Kraftwerk", muito influente no cenário eletrônico, e se você curte uma sonoridade mais New Wave, anos 80; possivelmente já andou curtindo o som desses caras em algum momento.

Querem mais? Ok! Mais alguns bons exemplos. Cyndi Lauper. Você conhece? Sim? A dupla Nélio e Espiga também, afinal o sucesso "Girls Just Wanna Have Fun", serviu como base para todo o romantismo contido no "Rap da Lembrança".

Afrika Bambaataa. O lendário cantor, compositor, produtor musical e DJ estadunidense; tem na sua sonoridade um caminho seguido pela galera do Funk Carioca, em especial se tratando da conhecida música "Planet Rock", obra de Bambaata liderando o grupo "Soul Sonic Force".

Um exemplo da utilização no cenário do nosso Funk está em mais uma das composições de Cidinho e Doca, "Cidade de Deus".

E as divertidas montagens? Incríveis. Era um lance meio viral, os caras já previam os "memes", mas com um batidão de fundo. Tudo aquilo que grudava nos ouvidos ou eles achavam bacana, virava montagem. A flauta dos Power Rangers chamando o Dragonzord, aquele som irritante dos minigames que eram moda na época, alusões às histórias infantis como Chapeuzinho Vermelho cantando "Pela estrada afora" ou o "Pare de Mentir, Pinóquio".

Ainda sobre as montagens, preciso dar um pouco mais de atenção a dois trabalhos que eu acho geniais, de verdade.

Em algum momento um DJ tomou conhecimento da obra de Léo Canhoto e Robertinho, dupla sertaneja que deu origem a uma das mais famosas sequências de montagens.

A dupla ficou conhecida por gravar canções que narravam sagas com uma pegada Bang Bang, e prometo um dia escrever algo dedicado a eles, mas como o tema é o som do tamborzão, vale citar a origem de montagens como "Chumbo Quente", "Eu sou a Dona Gigi", "Rock Bravo"; e as clássica "Jack Matador", "Homem Mau" e "Gaiteiro".

Bem! Como já dito, transformavam tudo em montagem, mas e a do "Sax"? Muita gente fazendo passinho nos bailes, curtindo o Funk sem sequer imaginar que... Aquilo é um sample do Dire Straits, uma das bandas de Rock mais famosas de todos os tempos. Sim! Até a belíssima balada romântica "Your Latest Trick", fazia a cabeça da galera.

Para quem ainda insiste em dizer que o Funk prega o mal, no mínimo não conhece seu lado romântico, mas se quiser falar de amor, fale com o Marcinho, autoridade no assunto, Príncipe do Funk e responsável por baladas como o "Rap do Solitário", "Princesa" e "Garota Nota 100".

Seria maravilhoso poder escrever mais, há tanto a se dizer sobre o gênero musical, mas encerramos com a dupla mais famosa, Claudinho & Buchecha, responsáveis por inúmeros sucessos, tendo uma abordagem diferente, sonoridade muito peculiar e... Português impecável! 

Há algum tempo vi uma entrevista de Buchecha, que falou um pouco sobre seu processo de composição, citando seu cuidado ao escrever, com a presença constante de um dicionário ao lado e não tem como duvidar, em especial quando se ouve frases como a contida em "Nosso Sonho":

"Tumultuado o palco quase caiu
Eu desditoso, e você se distraiu..."

DESDITOSO? Você sabe o que significa DESDITOSO? Os caras lançaram essa em um Funk e todo mundo cantava e ainda canta.

Enfim! Funk é um tema interessante, se você não estiver repleto de preconceitos, tem em sua origem letras que infelizmente seguem atemporais, pois certos problemas relatados pelos MCs em suas canções, continuam a ser uma triste realidade para muitos.

Atualmente as letras abordam uma outra temática? Objetificação da mulher? Sexismo? Sim, e isso não só é triste, como deve ser combatido; mas tente parar um pouco e ouça bem muito do que é produzido em massa hoje pela industria musical, é veiculado nas grandes mídias, crianças cantam e perceba que há muita coisa que não é legal; mas talvez você aceite, afinal são bandeiras levantadas por artistas de cabelo, maquiagem e vestes apertadas impecáveis; diferente do verdadeiro Funk feito por gente humilde e que tem origem nas comunidades. Pense sobre...

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