Colunista Convidado

Elba Ramalho transforma em ouro o pó da estrada

quinta, 31 de janeiro de 2019

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Desbravadora da estética roqueira nordestina nos 70 com seu trinado de pastorinha, a paraibana Elba Ramalho, décadas e pilhas de álbuns depois, não precisa mais provar nada. Poderia, como letrou o conterrâneo Belchior em “Como nossos pais”, “ficar guardada por Deus/ contando o vil metal”, apenas regravando hits e celebrando o passado. No entanto, a guerreira enfrenta os moinhos de vento do mercado fragmentado pela tirania dos singles, com um álbum completo e coeso, onde inclui um Belchior pouco conhecido, e profético “Princesa do meu lugar”, em levada de xote: “Se me der vontade de ir embora/ vida adentro, mundo afora/ meu amor, não vá chorar”. O CD “O ouro do pó da estrada” (Deck) opera como um manifesto de vitalidade da arte singular e plural de Elba, descendente de mestres como Jackson do Pandeiro, João do Vale, Marinês e o patrono Luiz Gonzaga, evocado no esfuziante fecho “O fole roncou”, raro rock do rei do baião, em parceria com Nelson Valença.

Com produção suntuosa dos múltiplos instrumentistas e arranjadores Yuri e Tostão, da talentosa família pernambucana Queiroga, que ainda fornece as estruturais “Ouro do pó da estrada” (de Yuri e Lula Queiroga), “Calcanhar” (Yuri e Manuca Bandini) e “Girassol da caverna” (Lula), o disco singra um repertório vigoroso. Do totem Dominguinhos, homenageado em “Alem da última estrela” (letra de Fausto Nilo), a seu discípulo de sanfona Marcelo Jeneci, no xaxado “Oxente”, parceria com Chico Cesar: “busquei nas veredas da cidade/ ser inteiro e não metade/ pois metade eu me sinto só”. Do pós mangue-bit Siba (“José”) aos vanguardistas paulistanos Arnaldo Antunes, Paulo Tatit, Alice Ruiz na encantatória “E se tudo pode acontecer” (com João Bandeira). De André Abujamra (Os Mulheres Negras) a babélica “O mundo” (“é uma salada russa/ tem nego da Pérsia, tem nego da Prússia/ o mundo é uma esfiha de carne/ tem nego do Zâmbia/ tem nego do Zaire”), acicata os segregacionistas, unindo as vozes da solista mais Roberta Sá, Maria Gadu e Lucy Alves. Da carícia ao gutural, Elba esbanja domínio vocal e dos diversos estilos do percurso. Mas, principalmente exibe a altivez das divas, que não se dobram ao pragmatismo invertebrado da atual conjuntura da MPB. É como ela canta no xote de George Sauma: “Se não tiver amor/ não tem graça/ se não tiver amor/ não dá certo”.


Por: Tárik de Souza


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