Um papo com o Cazes

Elizeth Cardoso 100 Anos: um caso de amor com o palco

sábado, 20 de junho de 2020

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Ao nos aproximarmos do centenário da "Divina" Elizeth, poderia escrever aqui sobre muitos aspectos de uma carreira tão rica e gloriosa. Mas fiquei achando mais original, já que tantos irão escrever sobre ela, falar de um ponto de vista mais pessoal, daquilo que mais gosto e que mais ouço dentro da vasta discografia que a cantora nos legou: os discos ao vivo.

Primeiramente, gostaria de contar que entre as primeiras recordações da música feita pelos amadores lá em casa, no subúrbio do Méier, são justamente as de Conceição, minha mãe, cantando, acompanhada pelo violão de Marcel, meu pai:

"Eu escrevi na fria areia um nome para amar
O mar chegou, tudo apagou, palavras leva o mar"

Além desse grande hit elizethiano, "Nosso momentos", muitas outras obras entraram lá em casa pela voz da Elizeth e outro dia, fui olhar os LPs que ainda guardo e vi que o quanto eles foram muito ouvidos. 

Quis a sorte que aos 21 anos de idade eu tivesse oportunidade de tocar pela primeira vez com Elizeth, como membro da Camerata Carioca, com quem ela dividiu um Projeto Pixinguinha em agosto de 1980. Aí foi a vez de aumentar mais a admiração por ela. Além de uma profissional impecável, caprichosa ao extremo, as quatro semanas de convívio com a "Divina" revelaram uma pessoa com humor, que gostava de falar dos momentos de dureza, das dificuldades, dos trabalhos como cabeleireira e dançarina no dancing, que ela encarou antes de se tornar uma cantora de sucesso. Outro aspecto que fez minha admiração crescer foi o domínio que ela tinha do palco, o prazer que sentia em cena e que contagiava o público e a nós mesmos. 

Duas historinhas me vêm a mente para exemplificar essa capacidade de não deixar a peteca cair em cena. Uma vez, em 1984, num cine-teatro superlotado em Feira de Santana, Elizeth aproveitou uma música mais lenta e foi se abaixando, abaixando, de um jeito que nunca havia feito naquele espetáculo. Quando entrou a segunda parte da música, ela levantou, começou a caminhar e ao passar por minha estante de música deixou ali o pivô que havia caído de sua boca em pleno espetáculo. Daí cantou com o microfone de lado até final, com direito a bis. Sem perder a elegância e atendendo a pedidos.

No ano seguinte, numa estreia do Projeto Pixinguinha, no Circo Voador, um bêbado subiu no palco e quando íamos intervir, ela fez um sinal para ficarmos sentados. Acalmou o transtornado, levou um papo, dançou com o bebum e fez ele descer sob aplausos da plateia. O palco era mesmo habitat natural de Elizeth e isso se reflete em sua discografia. 

Participei da gravação de 2 discos ao vivo com ela: "Uma rosa para Pixinguinha" (1983, com a Camerata Carioca e Radamés Gnattali) e "Leva meu samba" (1984, com Ataulfo Alves Jr.) e em ambos escrevi parte dos arranjos, um orgulho danado para um arranjador então em começo de carreira. Outros discos ao vivo de Elizeth são igualmente preciosos, como os que resultaram do show com Jacob do Bandolim e Zimbo Trio em 1968. Recentemente encontrei no acervo do IMMUB o disco gravado ao vivo no Japão em 1977, com a participação de Nelsinho do Trombone. Já tinha ouvido falar que era especial e constatei que era mesmo. Ouçam só: clique AQUI.


Trabalhei com artistas que sofriam quando estavam no palco e com outros que, de tão preparados e condicionados, levavam a performance sem estresse. Com Elizeth era diferente disso. Um caso de amor com o palco, a plateia, a equipe, tudo em harmonia. Isso faz os discos ao vivo trazerem Elizeth para junto de nós. Meiga presença, divina companhia!

Henrique Cazes

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