Supersônicas

Entre a fome e a filosofia cintila “Taurina” de Anelis Assumpção

quinta, 08 de março de 2018

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Filha do vanguardista paulista Itamar Assumpção, Anelis chega ao terceiro disco, “Taurina” (Natura Musical), fiel à herança de iconoclastia paterna, mas traçando caminhos próprios de sua geração e concepção estética. O pai é lembrado em sua composição “Receita rápida” (parceria com Vera Motta), que nunca chegou a gravar, de letra arguta: “Quem é farinha no bolo/ não sola/ quem centeio integra o pão/ quem liga os ovos a todos/ consola”. Com a irmã Serena Assumpção, também compositora, que morreu, vítima de câncer, aos 39 anos, em 2016, Anelis escreveu o ácido “Chá de jasmim” (“eu te dava na cozinha/ cê gozava e eu fingia/ que tinha amor ali”), choro cevado a trombone e mellotron. E a homenageou em “Gosto Serena”, explícita na falta: “Gosto do que fui quando fui com você/ que susto foi te perder”.

A capa do disco, assinada pela artista visual Camile Sproesse | Crédito: Divulgação

Na seqüência do eloquente cartão de visitas “Sou suspeita, estou sujeita, não sou santa” (2011) e “Amigos imaginários” (2014), “Taurina” mistura metáforas gastronômicas e filosofia de vida, como no samba “Caroço”, cerzido pelos violões do parceiro Russo Passapusso e do produtor do disco, Beto Villares: “Tua panela velha tá vazia/ não cabe mais minha tampa/ comida boa que fazia/ virou adubo pro pasto da vida”. Russo também é parceiro, com Saulo Duarte, de “Amor de vidro”, ponteado pelo cavaco de Lelena Anhaia: “Frágil e delicado nosso amor pode quebrar/ uma ampola e dois cigarros / e me entrego sem pestanejar”. Os compassos alterados de “Escalafobética”, cuja letra nonsense justifica o título, resultam de uma parceria com o eterno modernista João Donato. Ava Rocha emparceira o reggae “Mortal à toa”, e Rodrigo Campos, a fluida “Água”, de refrão obsessivo (“se a água acabar, vou te deixar/ eu avisei mais de uma vez”) tilintada pela kalimba de Décio Gioielli. Conversas em whatsapp com amigos, inseridas nas músicas, desvelam bastidores do cotidiano da autora inspirada de “Segunda a sexta”, “Pastel de vento” e “Mergulho interior”: “Senta aqui comigo nessa pedra/ resolve teu drama/ meu sangue se dissolve”. 


Fonte das imagens: TRIP | Crédito: Caroline Bittencourt/Divulgação

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