Entrevista

Entrevista Exclusiva: 85 anos de Gisa Nogueira

Por Caio Andrade, Cecília Innecco e Vinicius Oliveira

quarta, 13 de dezembro de 2023

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Gisa Nogueira, nascida Adalgisa Maria Nogueira Machado em 1938, completa hoje 85 primaveras!

Irmã do também bamba João Nogueira, Gisa recordou conosco um pouco de suas memórias musicais e trajetória no mundo da música, desde os saraus na casa do pai durante a infância até as primeiras composições e gravações nos anos 1970. Apesar da vida artística não ter sido a principal atividade dela, compôs diversas canções e com o irmão tem registrados dois duetos: "Blá Blá Blá" (1972) e "Saldo Positivo" (1978). Essa última foi lançada no primeiro álbum de Gisa e rendeu até um clipe no Fantástico pouco tempo depois:

Venha conosco conferir como foi esse encontro ocorrido em novembro em um famoso bar no Leme/RJ:

IMMuB: Você veio de uma família bastante musical. A pequena Gisa já imaginava ser artista, cantora, compositora?

Gisa: Não. Quando criança, eu gostava de fazer show com as amigas, morava numa vila no Méier onde nasceu João, que era o caçula, e a gente criança brincava muito de teatro, de cantar e tal, mas não tinha nada pensando nisso. Só que o meu pai era um grande violonista e tocava com João da Bahiana, Donga, Pixinguinha, e inclusive algumas noites a gente dormia ao som deles fazendo um sarauzinho na vila da Rua Magalhães Couto. Então, eu acho que muito disso ficou na gente impregnado, tanto que João foi primeiro quem apareceu.

Naquela época, não era muito comum a mulher ter liberdade para sair, então acho que o fato de eu compor sozinha, com pouquíssimas parcerias com o João, vem daí porque a gente não saía à noite para conversar, para fazer música. Então, eventualmente, só em casa, o João dizia: “Gisa, vamos escrever isso aqui assim"...e vamos embora, aí eu fazia. Mas isso vem anos depois que eu casei, tive filhos, me separei e voltei pra casa da mamãe, que morava com o João. Aí nós começamos a compor, isso lá pelo final da década de 1960…ou seja, há 60 anos…

IMMuB: E qual é a primeira música que você se lembra de ter ouvido na vida? Uma música que te marcou na infância e que você lembra muito?

Gisa: Ah, mas são muitas músicas, eu não vou saber o nome. Aqueles choros e modinhas que cantavam nos saraus que meu pai fazia...aquilo tudo fica na minha cabeça, mas os nomes eu não sei, não lembro. Minha mãe cantava muito bem, tinha uma voz lindíssima. Na época, ela não podia ser cantora porque mulher, jamais! Papai, nordestino, "mulher cantar?"

A voz da minha mãe era lindíssima. Eu me lembro das valsas que ela cantava. Me lembro de "Cigana", acho que essa marcou [e cantarolou]:

“Eu te conheci na minha vida um dia
Num vestido de louca fantasia
Oh, cigana das tribos vagabundas...
"

Ela cantava isso. Tinha uma voz aguda, mas nota perfeita. Essa eu me lembro do nome, o resto eu não lembro.

IMMuB: Você se lembra de alguma canção que marcou um momento específico da sua vida?

Gisa: A minha primeira música de parceria com o João foi “Meu Lema”, que a Clara Nunes gravou. Foi quando eu voltei para a casa de mamãe, ele estava fazendo e disse: "Gisa, faz aqui comigo". Aí eu fiz algumas partes. Tem uma também que eu lembro que é "Samba de Amor". Eu fiz numa padaria aqui na Avenida Nossa Senhora de Copacabana. João era padrinho da Banda do Lido e [quando] acabou o desfile, nós descemos na padaria para fazer um lanche e eu estava acompanhada deles, João e Mauro Duarte. O Mauro, onde parava, começava a batucar em qualquer lugar [batucando à mesa para imitar o colega] para fazer samba na mesma hora, aqui, na parede, qualquer lugar. E assim estava num balcão, aí veio: "Outra vez vem me buscar...", disse "Entra, Gisa", e eu continuei: “...pra saber como é que estou" e o samba foi saindo. “Tudo bem, está normal, apesar do mal que você me causou, malandro não morre de mal de amor...” e do outro lado o João já tava olhando de lá, perguntou se podia entrar na sua parceria. Aí veio e fez a segunda parte. Acho que a Marina Íris até gravou "Samba de Amor". Esse também foi um momento que marcou.

IMMuB: E "Terno Branco", você lembra como foi o processo?

Gisa: "Terno Branco" fui eu que fiz, né? Eu fui a um show num teatro em Marechal Hermes para assistir um conhecido meu que ia cantar. Enquanto esperava o show começar, eu estava acompanhada da Lygia Santos, filha de Donga, que é minha amiga, minha irmã praticamente. Tinha um rapaz atrás, conversando com outra pessoa, contando a história que ele tinha conhecido uma pessoa e ele disse justamente isso, que "botou o terno branco, desceu o morro para conquistar a mulher dos olhos azuis", aí guardei aquilo. Eu falei: "Isso aí dá um samba", e chegando em casa eu fiz o samba "Terno Branco".

Clementina de Jesus” também. João me levou para conhecer o Teatro Opinião e quando Clementina entrou vestida de branco me deu uma sensação tão boa, achei aquilo tão bonito, aquela criatura negra vestida de branco, com aquela voz rascante, rouca. Achei lindo, no dia seguinte, eu fiz “Clementina de Jesus”, que foi gravada pela Beth Carvalho e depois eu gravei. Essas são algumas músicas que eu lembro a história.

Gisa Nogueira segurando seu primeiro álbum, lançado pela EMI-Odeon em 1978, no dia da entrevista.

IMMuB: Você sente que motivou ou contribuiu com as compositoras mulheres na história do samba?

Gisa: Eu não sei se cheguei a tanto, acho que entrei muito devagar. O fato de ter filho pequeno, adolescente e tal, não me abriu carreira. Eu não pensei em fazer uma carreira, me atirar na música. Eventualmente, eu fui fazendo poucas coisas e a música vem sem você dar ordem para ela, não é? Pra compor então eu tenho liberdade total, porque ela vem mesmo aí eu faço. Mas o fato de enfrentar uma carreira não era muito a minha, já por causa dos filhos que já tinha, né? Porque quando eu voltei para casa da minha mãe, onde o João morava, é que eu comecei a compor. Até então, estava casada e com filho. Não tinha nada a ver mais com a música. Fiz algumas coisas, mas não tinha uma carreira séria, assim, comprometida, entendeu? Viajar pra lá e pra cá também não me agrada, tenho horror de avião.

Não podia enfrentar isso e já trabalhava. Eu era professora primária, já tinha alguns anos de trabalho, não iria largar. O João que dizia: "Larga esse negócio de triênio para você cantar". Já tinha tempo de trabalho, não ia largar. Tenho 2 filhos, não larguei mesmo. Anos depois tive chefes maravilhosos na minha carreira, que de vez em quando me cediam para fazer uma viagem, cantar e tal, então foi bom o que eu fiz. Acho que a mim satisfez. O fato de compor, que é o que eu mais gosto, me dá muito prazer, não que não goste de cantar. Então eu sigo bem.

IMMuB: Mas como você enxerga o samba hoje?

Gisa: Tem muitos bons cantores e compositores. Como cantora, posso citar a Marina Íris que, por acaso, é minha enteada. É da família do meu marido. Moyseis Marques é maravilhoso também. Tem muita gente muito boa nesse estilo de samba que eu gosto. Não quer dizer que eu não goste do estilo do pagode. "Pagode" para mim continua sendo uma festa, não é? Não era um ritmo, mas bom, teve esse nome, as coisas mudam, os tempos vão passando, os nomes também vão mudando. Não estou aqui para rejeitar, mas prefiro a linha desse pessoal jovem que está aparecendo ainda com o samba tradicional e outros tipos de samba também. 

Eu, inclusive no álbum que eu fiz, estava aquele monte de música lá, guardada sem fazer nada. Tem choro, valsa, tango, tem de tudo. A inspiração vem e eu não vou dizer que não faço, né? Nessa nova safra de músicas, tenho parcerias com mulheres. Há uma parceria com uma cantora nova que eu nem conheço pessoalmente, Iara Ferreira. Ela me mandou uma letra que quando eu li, eu vi um tango ali direto. A melodia foi surgindo e acho que ficou bonito. Chama-se “Fumaça”.

IMMuB: Atualmente, você se sente mais sambista ou pintora?

Gisa: Depende do que que se pensa como sambista. Sambista é a pessoa que só faz samba? Aí eu não sou sambista, né? A maior parte das músicas que eu faço é samba, mas eu faço tudo, posso fazer uma valsa...aliás, tenho duas lindas em parceria com o Paulo César Feital, choro e tango que eu gosto muito do ritmo. Então, me considero compositora de música popular, 80% sambista.

A pintura, durante a pandemia, eu parei. Também porque não tenho espaço em casa para pintar, mas foi um bom trabalho que eu fiz. Participei de um catálogo lá no Louvre, participei de uma exposição na Finlândia, fiz exposições em São Paulo, aqui no Rio também. Fazia quando eu ia fazer show ali pela região da Lapa e tal, aproveitava [e fazia] a exposição junto com o show. E me satisfez, mas eu agora estou meio parada, não estou com muita vontade de pintar. Isso me satisfaz muito:

"fazer as coisas na hora que eu gosto,
que eu quero, não ter compromisso,
a obrigação de fazer isso".

IMMuB: Vai que a capa do seu próximo álbum seja uma pintura...

Gisa: É verdade, pode ser.

IMMuB: Bom, dia 15 agora temos seu aniversário. Qual música você escolheria para esses 85 anos?

Gisa: Das minhas músicas? Para 85 anos, acho que vou escolher uma valsa. "Empório Brasileiro", que fala de cultura, acho que me representa.

 

Ao fim da entrevista, Gisa, ainda cantou para nós "Terno Branco". Que honra!

A Equipe do IMMuB agradece todo carinho e atenção dela e de Didu Nogueira, filho da artista, que prontamente nos atenderam. Desejamos muita saúde e música boa. Foi um prazer de ter conversado com a artista nesse momento tão importante da vida. Parabéns, Gisa, feliz aniversário!

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