Entrevista

Entrevista Exclusiva: Moska e Zélia Duncan Conversam Sobre "Um Par Ímpar" no Circo Voador

por Mila Ramos e Caio Andrade

terça, 17 de janeiro de 2023

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Paulinho Moska e Zélia Duncan já são parceiros desde o primeiro disco solo de cada um, isso lá nos anos 1990. Cada um seguiu seu próprio caminho na MPB, mas sem nunca abandonar essa união. Já tiveram diversos lançamentos em parceria como "Carne e Osso" (2005), "O Tom do Amor" (2011) ou "Medo do Medo" (2018).

A celebração de tantos anos de de amizade culminou na realização de shows entoados pela canção "Um Par Ímpar", que dessa vez se apresenta no palco do Circo Voador dia 19 de janeiro, véspera de feriado. O show acontece um mês após o lançamento do single "Verdade na Fonte", disponível em todos os aplicativos de música. A noite na lona mais famosa da Lapa começa com a apresentação de Vanessa Moreno e tem discotecagem da Festa Batmakumba. Quer programa melhor do que esse para essa quinta-feira?

SERVIÇO
ZÉLIA DUNCAN E PAULINHO MOSKA
Show "Um Par Ímpar"
Abertura: Vanessa Moreno
Discotecagem: Festa Batmakumba
Abertura dos portões: 22h
Garanta seu ingresso (clique aqui)

Nessa entrevista exclusiva para o IMMuB dias antes do show, eles contam um pouco sobre esse novo projeto, referências musicais, escolha de repertório e seu próximo show no Circo Voador. Confira abaixo:


IMMuB: Em circulação desde maio de 2022, no dia 19 de janeiro o público do Circo Voador será presenteado com o dueto "Um Par Ímpar", show que celebra os 25 anos de amizade entre vocês. O que cada um viu no outro de tão essencial pra esse projeto nascer?

ZD: Nos descobrimos há muito tempo, temos parceiras queridas e o plano de um show inteiro juntos vem de alguns anos. A pandemia nos fez adiar ainda mais, porém a sensação de que foi na hora certa nos acompanha, é um show feliz e muito bem amarrado.

Moska: Nossa amizade verdadeira surgiu por causa da música e da poesia. Os dois cantores compositores se viram espelhados desde o primeiro disco, quando nos conhecemos. De lá pra cá cada projeto de um foi aplaudido pelo outro. Enquanto ela se transformava em outras eu também renascia a cada disco, e assim refletimos a dinâmica da vida em nossas obras através da cumplicidade e da admiração mútua. Nos tornamos parceiros de canções nos primeiros anos de convívio e a ideia de fazer uma turnê juntos sempre foi uma questão de tempo.


IMMuB: Estamos falando de 25 anos de amizade, mas também são mais de 3 décadas de carreira! O que sustenta a gana de ir para o palco com esse tempo todo de estrada? 

ZD: No meu caso, 41 anos. Eu procuro o que me desafia, o que me estimula. Tenho momentos muito diferentes na minha carreira, procuro apontar em várias direções e não saberia ficar anos a fio fazendo a mesma coisa. Isso que me faz continuar com aquele friozinho no estômago a cada terceiro sinal.

Moska: O palco é onde renovamos as energias pro dia a dia, onde acontece o contato real com o público, com as pessoas que acompanham nossa carreira como uma forma de amizade, de troca, de identificação. É um pertencimento, um altar, um lugar onde pegamos fogo ao mesmo tempo em que nos rebatizamos na água fluida do teatro, da música, da poesia e da vida. Palco é alimento e vitamina. É berço e estrada.


IMMuB: Conhecidos pelo bom uso da palavra poética em suas letras, como vocês definem a relação entre música e poesia? Existe uma fronteira que delimita essas duas expressões?

ZD: A canção sempre pressupõe melodia e letra, coladinhas uma na outra. O poético é ainda outro elemento. Pra mim fundamental, amo as palavras, por isso eu canto. Tento viver isso no que escrevo e me identifico demais com os escritos de Paulinho.

Moska: A definição de "canção" é justamente o encontro de uma melodia/harmonia com as palavras. Esse é nosso ofício, dizer determinadas coisas cantando. Eu e Zélia temos um amor muito grande pela palavra e pela música, cada um do seu jeito, mas o sentimento é o mesmo: a canção é nossa voz principal, nossa rainha, a verdadeira deusa que nos tem como escravos e súditos, com muito prazer. A música é como uma roupa-corpo que o compositor veste no esqueleto da palavra.


IMMuB: Paulinho possivelmente já respondeu incontáveis vezes a próxima pergunta, por isso, pergunto para Zélia: o que você faria se só te restasse um dia?

ZD: Cantaria "A Seta E O Alvo."


"Você não precisa de artistas? Então me devolve os momentos bons. Os versos roubados de nós. As cores do seu caminho. Arranca o rádio do seu carro, destrói a caixa de som" 

IMMuB: 'A gente não precisa de vocês. A gente precisa de médicos, advogados, arquitetos. Mas a gente não precisa de artista para nada'. Em resposta a este comentário durante a pandemia, Zélia viralizou com seu desabafo: "Vida em Branco". Gostaria de saber do Moska, como seria a vida sem arte?

Moska: Nietzsche disse: "Sem a música a vida seria um erro." Eu concordo porque vejo "arte" e "vida" como sinônimos, são a mesma coisa. O artista é um investigador da vida, um aventureiro, um mergulhador. A vida é a matéria prima da obra artística. Vida e arte são como irmãs siameses, nasceram unidas pelo coração. As duas abstrações estão interligadas, se retroalimentam e se potencializam constantemente. Até quando conversamos estamos fazendo música, entoando nossas palavras em resposta à entoação das palavras do outro. A vida é um grande teatro, uma dança, um filme, um livro. Nós somos seus atores, seus personagens.


IMMuB: Tanto no show do Paulinho quanto no show da Zélia é possível sentir uma energia muito positiva, de troca, quase uma simbiose entre palco e plateia. O que o público do Circo Voador pode esperar desse show?

ZD: Exatamente o que você acaba de descrever! Com um tempero a mais, nossa cidade, nosso Circo! 

Moska: O show transborda nossa relação construída em quase 30 anos de parceria, amizade e admiração. Uma celebração de nossas canções escritas juntos e também separados. A primeira lista de repertório tinha mais de 60 canções, foi difícil chegar à um "set list" final, mas acho que conseguimos dar uma boa volta por nossos sucessos individuais, entre as parcerias e algumas inéditas. Eu e Zélia sentimos uma alegria muito grande quando estamos juntos no palco porque percebemos nossas vozes se encontrando em equilíbrio e soando parecidas. É como um casal que vai ficando cada vez mais semelhante e complementar através do tempo que vai moldando a relação.


IMMuB: Dois amigos que se conhecem e dividem o amor pela música há mais de 25 anos. Qual foi o fio condutor que fez nascer a ideia do projeto até a concretização de levar isso para o palco pela primeira vez e transformar em turnê?

ZD: Nosso desejo, antes de mais nada. Uma vontade antiga, que se aflorou, se impôs, ficou urgente pra nós e aqui estamos, já colhendo frutos suculentos que fazemos juntos.

Moska: Quando já tínhamos mais de dez parcerias feitas, anos atrás, começamos a nos prometer esse encontro. Por volta de 2017 escrevi uma canção chamada "Um Par Ímpar" e enviei pra Zelia com o seguinte recado: "Pensei em você... quando fizermos nossa turnê juntos vamos gravar essa canção-tema." Ela me respondeu cinco minutos depois com mais doze maravilhosos versos de letra! Estava sacramentada a ideia da turnê e desde então começamos a ruminar o desejo de realizá-la.


IMMuB: “Um Par Ímpar” apresenta as versões das parcerias, além dos clássicos da carreira individual de cada um e, também, canções de outros autores como Itamar Assumpção e Rita Lee. Qual a relação de vocês com esses artistas?

ZD: Rita foi meu primeiro ídolo e continua sendo. Itamar o ídolo absoluto. Gravei um álbum só com coisas dele e sempre quero a obra dele perto de mim. Já gravei 25 músicas de Itamar.

Moska: Itamar e Rita são dois artistas fantásticos, dois criadores inquietos, dois personagens provocadores, duas obras leves e profundas ao mesmo tempo. Zélia já dedicou um disco inteiro cantando obras do Itamar e Rita é rainha máxima de todos que gostam de músIca brasileira. Enquanto um parece ser uma viagem intensa para o universo de dentro, o outro explode no rock do universo de fora. Um é tímido e fechado, o outro esbanja alegria de sorriso aberto. Os dois são irônicos nas letras e singulares na música. Criaram assinaturas e estilos próprios. Rita e Itamar também são um par ímpar. Diferentes e complementares.


IMMuB: Moska e ZD formam um dupla singular, mostram sintonia através das várias composições que fizeram em dupla. Qual o tom do amor que faz essa parceria ser tão duradoura?

ZD: Admiração e confiança sem fim.

Moska: Somos de todos os tons, de todas as cores, de todos os sons, de todos os amores. O tempo só nos melhora, só intensifica nossa certeza de que nosso encontro é fundamental na carreira de cada um. Zélia sempre foi um espelho pra mim, sempre vi em sua obra e em sua vida pública elementos que me serviam como estímulo. Além de tudo ela também é uma voz política, social, militante, ativa. Aprendo muito com sua perseverança em gritar pro mundo sua defesa dos menos privilegiados. O amor é nosso tom principal.


IMMuB: Vocês são dois compositores de canções que têm um olhar próprio e particular sobre o mundo, conseguem passar a mensagem musical com fluidez. Música brasileira de alto valor de letra. Quando vocês se juntam pra compor, rola legal ou vocês se consideram compositores exigentes?

ZD: Sim, somos exigentes, mas não deixamos de nos divertir com o que fazemos e isso faz muita diferença. Amamos nosso ofício de um jeito parecido.

Moska: Nossa parceria é muito fácil, muito natural, transcorre sempre sem entraves. Em nossas canções juntos Zélia escreve a letra e eu a música. Na maioria das vezes eu já leio suas palavras cantando, de tão familiar que me soa. Ela me surpreende e me provoca com suas imagens poéticas e isso me estimula muito. Zelinha é bem exigente e rigorosa com cada sílaba, tudo bem pensado e esculpido com detalhes, num ritmo interno que eu vou desvendando enquanto me delicio. Também sou bem exigente e tento sempre fazer o que faço com minhas próprias letras: torná-las ainda mais saborosas com as harmonias, melodias e levadas no violão.


IMMuB: Neste show, além da faixa-título e de "Verdade na Fonte", clássicos das carreiras de ambos também serão contemplados. Pergunto para Paulinho e Zélia: qual dos clássicos da carreira individual de cada um vocês sentem que mais toca o seu coração?

Moska: O repertório do show foi afunilando justamente nesse critério, "tocar o coração". Cada canção do Par Ímpar foi escolhida por ser indispensável, por ser fundamental. As inéditas são como filhos recém-nascidos, as parcerias são como retratos dos nossos encontros e as canções individuais refletem nossa admiração mútua. Pra mim, é como um bloco de amor, que só faz sentido se for inteiro.

Show "Um Par Ímpar" no Sesc Pinheiros, em São Paulo/Reprodução da internet (Foto de Carneiro)

IMMuB: Sobre desenhos que figuram roupas e cenários no show, também tatuados na pele. Qual o significado por trás delas? De onde nasceu a ideia?

Moska: Em 2017 eu produzi uma série de televisão chamada "Tu Casa es Mi Casa", misturando arte e ciência em doze episódios filmados nas capitais de doze países da América Latina. Em cada episódio eu me encontrava com um cientista, um artista visual e um cantautor como eu. A partir da pesquisa do cientista eu tinha quatro dias para compor uma canção em parceria com o cantautor convidado e no último dia eu tatuava no braço um desenho feito pelo artista visual. Eis que no episódio do Rio de janeito minha convidada Zélia Duncan decidiu fazer uma tatuagem também, desenhada pelo mesmo artista visual (Antonio Bokel). Fizemos as duas tatuagens no mesmo estúdio, na mesma hora, na frente das câmeras. Foi como um casamento (rs), os desenhos fixados em nossos corpos são uma verdadeira aliança. O significado dos dois seria "a consciência e a inconsciência dentro da mesma mente", resultando em amor recíproco.


IMMuB: O Circo Voador é uma casa de shows bastante popular e de artistas heterogêneos. Como vocês enxergam a relação de uma apresentação nesse palco?

ZD: Acho que respondi acima! O Circo tem algo de mágico!

Moska:  Será a primeira vez que apresentaremos o Par Ímpar em um local "aberto", com o público de pé. Estamos ansiosos por esse momento porque todos os shows até agora foram em teatros fechados, com o publico sentado. Acho que a energia será diferente, mais quente, talvez. Pessoalmente estou bem empolgado porque o Circo é mágico, tem uma atmosfera de celebração popular explosiva e o show, embora seja de "violões e vozes", também tem uma energia roqueira e festiva em muitos momentos. A sonoridade foi desenhada pelo incrível Rodrigo Suricato, que deixou tudo com sabor de festa e explosão. E temos a ajuda do grande Miguel Bestard, um uruguaio maravilhoso que canta e toca violões com a gente.


IMMuB: Depois de todas as vivências que tivemos com a pandemia, alguma composição antiga ganhou novos sentidos ou reforçou a ideia principal da canção?

ZD: Todas ganham novos sentidos, foi também outra viagem essa, de cantar com outros sentimentos, o que já cantávamos há tempos.

Moska: O fato de eu e Zélia sermos adeptos de uma poesia metafórica, construída com imagens que podem ter sentidos variados, nos proporciona a experiência de uma leitura diferente a partir das novas realidades que nos aparecem pela frente. Eu diria que TODAS as letras (minhas e dela) ganharam novos sentidos por conta da pandemia e também por causa das questões sócio-políticas que estamos atravessando. Letras de amor ganharam ares de luta, letras de esperança são agora abraços de vitória. O melhor exemplo é a inédita "Verdade na Fonte", escrita há mais de 20 anos, à princípio por causa de uma decepção que Zélia teve com uma pessoa conhecida. Quando começamos a definir o repertório do show nos demos conta de que essa letra era perfeita para expressar nosso sentimento em relação à polarização política do povo brasileiro. Afinal de contas, o que seria melhor nesse momento que a Verdade na Fonte?


IMMuB: A virada do ano vem como uma luz no fim do túnel para a área cultural no Brasil, as expectativas são altas para o setor em inúmeras áreas: literatura, música, teatro e todas as artes. "Tudo novo de novo". Está pintando um novo tempo em que o Brasil irá se reinventar?

ZD: A partir desse clima todo, é impossível não achar que vivemos um certo milagre. O país saiu das mãos de líderes inimigos, escolhemos a democracia, a diversidade, o amor. Por enquanto, o Brasil foi salvo do abismo onde já havia caído e sim, estamos aliviados, mesmo sabendo que a luta, a boa luta, não pode parar.

Moska: Mesmo durante as crises continuamos a nos reinventar, a arte não depende de "estar tudo bem". Grandes obras, como "Guernica", do Picasso, foram feitas sob forte pressão social. Sem dúvida estamos esperançosos com a possibilidade dessa imensa abertura cultural que está aparecendo no horizonte. O Brasil sempre foi um país que se destacou no mundo inteiro por sua cultura vasta e múltipla, brilhante e diversa, acolhedora e celebrativa. Aqui acontece o que se espera do futuro da humanidade: a convivência inspiradora entre os diferentes. Estamos de volta ao caminho do abraço, da empatia, do amor pelo outro. E a cultura é que promove esse fenômeno.


Nós da equipe IMMuB agradecemos o carinho de Vivi Drumond e Miriam Roia da assessoria de Paulinho Moska e Zélia Duncan pela entrevista gentilmente cedida.


Fotos: Marcos Hermes/imagens cedidas pela assessoria/Divulgação



Mila Ramos é fascinada por música e foi em seu trabalho com bandas cover em 2012 que encontrou uma nova paixão: o Music Business. Especializou-se em Marketing e Design Digital pela ESPM-RJ e somou seus conhecimentos ao mundo musical como Produtora Artística. Em 2017, entrou para o Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB). Lá chegou ao cargo de Coordenadora de Comunicação e, sob sua gestão, conquistaram o Prêmio Profissionais da Música 2019, e o Programa Aprendiz esteve entre os finalistas de 2021.

Caio Andrade é graduando de História da Arte na Escola de Belas Artes (EBA/UFRJ) e Assistente de Pesquisa e Comunicação no Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB) desde 2020. Grande apaixonado por samba, pesquisa sobre o gênero há mais de uma década, além de tocar em rodas e serestas no Rio de Janeiro.

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