Música

Erika Ribeiro lança álbum solo pela Rocinante

Disco chega quando completa meio século sem Stravinsky e 90 anos de Gubaidúlina

quarta, 11 de agosto de 2021

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Pela primeira vez, a pianista Erika Ribeiro fez um disco pensando em lado A e lado B. Aos 39 anos, a paulistana radicada no Rio de Janeiro, com um intermezzo de dois anos e meio em Berlim, onde se aperfeiçoou no instrumento, vai lançar um álbum, o primeiro solo, pela nova gravadora Rocinante. Com fabulosa pintura de Tomie Ohtake na capa, o álbum reunirá peças de dois russos em ano de efemérides: Igor Stravinsky quando completa meio século de sua morte e Sofia Gubaidúlina nos seus 90 anos de vida.

Para puxar um pouco as teclas à música brasileira, Erika somou a este repertório clássico uma peça da lenda popular Hermeto Pascoal transcrita pela primeira vez para piano, pois foi originalmente gravada com a formação de grupo e, logo depois, foi transcrita e tocada pelo Duo Assad de violões. “A gente ouve Hermeto e pensa logo naquele mágico que transforma tudo em música, toca mil instrumentos, toca até o que não é instrumento, como uma chaleira ou um pato de borracha, além de fazer aquela harmonização vocal única. Escolhemos gravar ‘Série de Arco’, e ali toquei como se estivesse realizando uma redução de orquestra”, comenta Erika.

É como se você tocasse toda a orquestra em um único piano - e nisso Erika é bem experiente. O que escutamos em pouco mais de meia hora, em faixas curtas e iluminadas, vem sendo burilado desde agosto de 2020 pela pianista ao lado de Sylvio Fraga e Bernardo Ramos, os diretores musicais do álbum. Sylvio selecionou as peças, Erika fez as benditas transcrições – vale destacar que as transcrições das peças de Stravinsky são inéditas! Em estúdio foram necessários apenas quatro dias, com a equipe inteira apta a fazer esta viagem coletiva. Trouxeram o piano da famosa loja do Zé Luís, em São Paulo, para o estúdio da Rocinante, que fica em Araras, no meio da floresta.

Os engenheiros de som Pepê Monnerat – diretor técnico da gravadora – e Duda Mello já haviam estudado tudo sobre o instrumento em questão, um CFX Yamaha. “Gostei demais do caminho que percorremos para gravar este disco. Investigar as opções, a linguagem. Imprimir o meu jeito de tocar piano nessas peças que tinham outra estética e isso muito me agrada assim como estar na Rocinante, que tem forte essa coisa de trazer o novo e não faz discos previsíveis”, analisa a pianista.


O desafio de renovar a tradição hoje

“Ao propor suas transcrições – retratos em branco e preto de obras escritas para outras formações –, Erika Ribeiro reconecta-nos à chamada Era de Ouro do piano, renovando uma tradição brilhante dentro dos novos parâmetros do terceiro milênio”, atesta o crítico de música de concerto Irineu Franco Perpetuo no texto que será impresso na contracapa do vinil. Quer ler o texto completo?


Por Irineu Franco Perpetuo ::

“Nos dias de hoje, as transcrições são um artifício que costuma ser empregado para alargar o repertório de instrumentos que não foram contemplados pelos compositores canônicos da História da Música. Antes da difusão das tecnologias de gravação, contudo, a transcrição era uma prática muito mais disseminada, e até corriqueira no instrumento para o qual esses mesmos “compositores canônicos” mais escreveram – o piano.

Virtuoses do teclado transpunham sistematicamente para suas 88 teclas as árias das óperas mais célebres, as obras-primas do repertório sinfônico – ora procurando fielmente reproduzir-lhes a linguagem, ora embelezando-as com os recursos específicos da técnica pianística. Ao propor suas transcrições – retratos em branco e preto de obras escritas para outras formações –, Erika Ribeiro reconecta-nos à chamada Era de Ouro do piano, renovando uma tradição brilhante dentro dos novos parâmetros do terceiro milênio.

Esse disco foi gravado em 2021, em meio a tributos prestados pelo mundo inteiro aos 50 anos de falecimento do compositor-síntese do século XX: o russo Ígor Stravinsky (1882-1971). Nascido em Oranienbaum, morto em Nova York, enterrado em Veneza, e tendo residido na Suíça e na França, Stravinsky foi cosmopolita como a São Petersburgo em que passou seus anos de infância e formação. As transcrições de Erika refletem o caráter camaleônico e multifacetado de seu talento.

Stravinsky abalou o planeta com sua ‘Sagração da primavera’, estreada pelos Ballets Russes em Paris, em 1913. Enquanto trabalhava na orquestração da partitura que seria seu passaporte para a posteridade, o compositor musicava ‘Três poesias da lírica japonesa’, a partir de versos de Yamabe no Akahito, Masazumi Miyamoto e Ki no Tsurayuki, que ele conheceu em tradução russa. Inspirado pelo Pierrot Lunaire, do compositor que é considerado seu antípoda na música do século passado, Arnold Schönberg (1874-1951), ele escreveu as obras originalmente para voz e pequeno grupo de câmara: duas flautas, dois clarinetes, quarteto de cordas e piano.

Em sua autobiografia, ‘Chroniques de ma vie’, o compositor conta que os versos causaram-lhe uma impressão “que apresentava uma semelhança impressionante com o efeito produzido pela arte da estampa japonesa. A solução gráfica dos problemas da perspectiva e de volume que se via neles incitavam-me a encontrar algo de análogo na música”.

As ‘Quatro canções russas’ são um pouco posteriores, escritas em 1915–1918. Stravinsky narra: “conheci uma cantora croata, Madame Maja de Strozzi-Pécic, que tinha uma bela voz de soprano. Ela me pediu para compor algo para a sua voz, e escrevi, sobre textos populares, meus ‘Quatre chants russes’ traduzidos por Ramuz”. C. F. Ramuz (1878-1947) foi o escritor suíço que trabalhou com Stravinsky em obras como ‘História do Soldado’, ‘Les Noces’ e ‘Renard’. Originalmente pensadas para voz e piano, as obras mereceriam, em 1954, instrumentação do próprio compositor para grupo de câmara.

Quando orquestrou as ‘Quatro canções’, Stravinsky já tinha abandonado o idioma neoclássico que o caracterizara por mais de três décadas, e abraçado, surpreendentemente, o dodecafonismo de Schönberg. Exemplo de seu novo credo é o ‘Epitáfio’, originalmente para flauta, clarinete e harpa, que ele compôs em 1959, em memória do príncipe Max Egon zu Fürstenberg, patrono do festival de Donaueschingen, no sudoeste da Alemanha, que recebera o compositor em 1957 e 1958.

Quem acompanha a carreira de Erika Ribeiro sabe que seu amadurecimento como artista passou muito pela descoberta da música brasileira e sua identificação cada vez maior com esse universo, acima de rótulos e fronteiras de estilos. Assim, em um disco dela não poderia faltar música do Brasil, e o privilegiado escolhido, dessa vez, foi o “bruxo dos sons” das Alagoas, Hermeto Pascoal. ‘Série de arco’ nasceu de uma curiosa encomenda de Jovino dos Santos Neto, pianista de seu grupo: uma obra para que a irmã de Jovino pudesse utilizar em sua coreografia da série de arco de ginástica rítmica. Hermeto e Jovino viram a coreografia da ginasta, cronometraram-na, e daí surgiu a primeira versão da peça, para piano solo. Ao ser gravada, em 1982, no LP "Hermeto Pascoal e grupo", a obra teve a instrumentação ampliada, para contemplar o conjunto de Hermeto. Assim, ao executá-la somente ao teclado, Erika como que restaura sua sonoridade original.

Outro compromisso de Erika é com a música das mulheres compositoras, e aqui ela defende uma das mais brilhantes: a russa Sofia Gubaidúlina, cujos 90 anos são celebrados em 2021. Sua produção para teclado é relativamente escassa: apenas cinco obras. Os ‘Brinquedos musicais’ datam de 1969, tratando-se de um ciclo de 14 breves miniaturas, que a própria compositora definiu como “dedicatória tardia à própria infância”. Pelo tipo de demandas técnicas que coloca ao intérprete, trata-se menos de obras para serem tocadas por crianças do que peças que lidam com o universo infantil, de caráter fortemente evocativo, e com a originalidade e inventividade que caracterizam a produção de Gubaidúlina”.

Encaminhado por: Belmira Comunicação

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