Flores em Vida

"Eu sou devoto da poesia e te amar faz bem"

sexta, 25 de agosto de 2023

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Poeta e sambista baiano, Guiga de Ogum celebra 81 anos na esperança de um mundo melhor e vê como prioridade o registro de sua obra autoral

Na famosa Ladeira da Preguiça, no centro histórico de Salvador, todo mundo conhece Gumercindo Vieira Santos, morador do bairro há quase 50 anos. Conhecido como Guiga de Ogum, ele é o paizão querido por todos e todas, da criançada até o pessoal mais antigo.

Na laje de sua casa, com vista para a Baía de Todos os Santos, ele namora com a Bahia e se inspira para uma rotina de exercícios diários. Parece uma nascente: são letras e composições, que se distribuem entre papéis, livros, cadernos, bulas de remédio, notas, guardanapos. "Eu sou assim, meu filho. Eu não sei como é, mas é como eu falo na música: Deus é o todo poderoso quem manda, eu sou apenas autorizado para assinar".


Trajetória

Guiga nasceu no dia 25 de agosto de 1942, no bairro de Monteserrat, em Salvador. Filho de pais alagoanos, em 1957, acompanhou a fundação da Ritmistas do Samba, primeira escola de samba de Salvador. Aliás, parte dessa história, ainda pouco divulgada, pode ser escutada no disco Samba Enredo da Cidade da Bahia, lançado em 2021, trabalho do qual Guiga participou. "Para mim o samba-enredo mais bonito é o "Negro na Bahia", de Edson Menezes. Foi o samba do desfile da Ritmistas em 1965".

No dia 8 de abril de 1973 um fato que mudaria a vida de Guiga para sempre: foi na estrada velha de Piri-Piri, no subúrbio de Salvador, que um caminhão o atropelou. "Minha esposa me disse: você nasceu de novo. E foi aí que a inspiração começou a vir, começou a aparecer".

Foto: Camilo Árabe

E, assim, no dia 2 de dezembro do mesmo ano, em um talão de cheque do Banco de Crédito Real de Minas Gerais, Guiga compôs sua primeira música enquanto viajava num trem: "A inspiração vem em qualquer lugar, né?". Desde então, ela sempre foi leal companheira do compositor que acumula centenas de obras inéditas em seu baú.

A primeira gravação não demorou a acontecer: dois anos depois, em 1975. Por intermédio do amigo Edson Conceição, morador da Ladeira e autor do clássico "Não deixe o samba morrer", a música "Presentes do Mar" chegou ao conhecimento da cantora Leny Andrade, que incluiu no repertório de seu LP produzido pelo violinista João de Aquino. "No disco da Leny não era Guiga de Ogum, ali ainda era somente Guiga. Ogum já foi algo inspirado da minha própria cabeça: eu sou devoto de Santo Antônio desde criança e, no sincretismo, na Bahia, Santo Antônio é Ogum. Foi daí."


Aos poucos, o sambista viu algumas de suas obras sendo pontualmente gravadas por artistas como Edson Conceição, Firmino de Itapoã, Walmir Lima, Jorge Aragão e Jorginho do Império. "Mas ainda é muito pouco, tenho muita música inédita e nunca consegui viver profissionalmente como compositor, pois trabalhava como funcionário publico no Ministério da Saúde. Eu tenho esperança de conseguir mostrar meu trabalho e ver minha música gravada por grandes artistas", explica Guiga, que tem dois projetos de gravação em curso, previstos para serem lançados até o primeiro semestre de 2023 (acompanhe as redes de Guiga para saber as novidades).

Autor de canções que já são cantadas no circuito de samba de Salvador, como, por exemplo, "Prioridade" e "Eterna Namorada do Brasil", Guiga traz em seu repertório também todo universo afro religioso baiano. "A inspiração vem e gosto muito do ritmo. Eu sei lá, eu não sei de onde, eu sei que amo minha Bahia. Gosto muitos dos blocos afros da nossa Bahia."
?Foto: Camilo Árabe
Algumas dessas composições, inclusive, ganharam leituras interessantes de músicos de gerações mais jovens, como Gabriel Batatinha, neto do histórico sambista baiano Batatinha, através do grupo Sambagolá, e do conjunto paulistano Bambas de Sampa, que lançou CD com participação de Guiga em 2017.

Casa do Poeta e roda de samba de aniversário 
"Além de gravar minhas músicas, quero estruturar a Casa do Poeta",  conta Guiga em referência ao centro cultural que coordena junto com sua filha, Geovana Miranda, e seu neto, Geovane Tchucasso. Trata-se, na verdade, do primeiro andar da própria casa da família, espaço que sustentam de maneira independente e serve de ponto de encontro para moradores e moradores do bairro. "Eu vivo do amor e do amor pela minha família".

Para comemorar o 81° aniversário, o poeta Guiga de Ogum festeja com roda de samba do Coletivo Sindicato do Samba no tradicional reduto cultural Toalha da Saudade, o Batatinha Bar, no dia 25 de agosto, sexta-feira. "Quero comemorar com todos meus filhos e filhas. Sou forte porque tenho a poesia. Eu sou devoto da poesia, um mensageiro da arte. Te amar faz bem".

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