Escambo Sonoro

Gravidade D: O Lado Grave de Djavan (Parte 1)

terça, 23 de janeiro de 2024

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Djavan Caetano Viana completa setenta e cinco anos no próximo vinte e sete de janeiro e com isso, o compositor reúne vinte e cinco álbuns em sua discografia. Desde os diferentes sambas gravados em seu primeiro trabalho até seu mais recente disco, a banda que o acompanha, tanto em gravações quanto em turnês,  sempre foi de altíssimo.

Entre idas e vindas, os baixistas escolhidos para sustentar e conduzir a dedo suas canções guardam em comum o virtuosismo. Todos exímios instrumentistas, donos de técnicas surpreendentes, cuja principal característica nunca foi tocar frases rápidas ou sem sentido, mas conhecer exatamente a nota e, principalmente, as pausas certas para as canções, sem perder, é claro, a singularidade que lhes é própria.

Ao longo da discografia, recheadas de sucessos, passaram pelas quatro cordas (quase sempre cinco) sete senhores do grave, além de Liminha, o fazedor-de-tudo Na pista ETC (2005), lotado de remix. Seria este número uma espécie de cabala a guardar o elixir da condução precisa da qual necessita o grande D? Vejamos como cada contrabaixista elabora sua alquimia.

Quem assume as quatro cordas nos dois primeiros álbuns é o introdutor (ou seria o inventor?) do contrabaixo no samba: Luizão Maia. Produzido por Aloysio de Oliveira, A voz, o violão, a música de Djavan (1975) já apresenta canções clássicas como Flor de Lis, Pára-Raio e Fato Consumado. Em termos de linhas e frases, as canções Na Boca do Beco, Maria das Mercês com sua condução firme e Maçã do Rosto com alguns acordes no contrabaixo se destacam.

 Luizão Maia

Ainda com Luizão Maia, o disco Djavan (1978) inicia sua jornada sonora com Cara de Índio, sucesso da telenovela Aritana (TV Tupi). As levadas de Serrado e Samba Dobrado são aulas de condução no samba. Repare bem nas pausas e nas frases construídas por Maia com o timbre roncando do Precision Bass. Álibi é uma balada, e por isso, são notas mais longas a preencher os espaços com exatidão, junto a existência de mais alguns acordes no contrabaixo, dando um toque singular à canção.


Em Alumbramento (1979), o baixista é Sizão Machado. Ao longo de sua extensa carreira, o músico acompanhou artistas excepcionais da música nacional e internacional. Da primeira leva, podemos citar nomes como Guinga Simples e Absurdo (1991); Ivan Lins —  20 anos ao vivo (1992); Victor BiglioneVictor Biglione e Baleia Azul, ambos de 1986 e Falamansa — Deixa Entrar (2000). Na carreira internacional, o músico tocou com Chet Baker (Rique Pantoja & Chet Baker, 1987), Jim Hall, o lendário guitarrista de jazz; Bob Kaufman (Worlds Together / 2008) e Paul McCandless (Adventures With Oboe: A Retrospective - 2017). O músico conta com dois discos instrumentais: Quinto Elemento (2001) e Benção (2014). O primeiro trabalho demorou nove anos para ser concluído, sendo as gravações iniciadas em 1992. Por outro lado, o segundo disco faz certas Coisas surpreendentes com a obra de Moacir Santos.

Sizão Machado no Tom Jazz — lançamento do cd Bênção — outubro de 2014

Sizão participou do que podemos chamar de segunda fase da carreira de Djavan, onde a banda Sururu de Capote — homônima a última canção do primeiro álbum gravado por ele — deu nova forma ao seu som. Ao todo, Sizão gravou seis álbuns ao lado de Djavan: Alumbramento (1980); Seduzir (1981); Luz (1982); Lilás (1984); Meu Lado (1986) e Não é Azul, mas é Mar (1987).


No primeiro deles, logo na introdução de Tem Boi na Linha, reconhecemos algo de Luizão Maia na condução e sobretudo, nos acordes, embora seja possível reconhecer a identidade de Machado logo nas primeiras frases. O clássico Meu Bem Querer apresenta certa orquestração cinematográfica bastante curiosa no final da canção. Em Aquele Um, Sizão aplica vibratos e ghost notes que valem a pena ser escutados um a um. Triste Baía da Guanabara é composta por Novelli e Cacaso, o mesmo dos álbuns: Beto Guedes, Danilo Caymmi, Novelli, Toninho Horta e Naná Vasconcelos, Nelson Angelo e Novelli, ambos de 1973. Após a introdução camerística de Seduzir (1981), ouve-se um Jazz Bass nas primeiras notas de Pedro Brasil. À medida que a música se desenvolve, Sizão encaixa slaps e, mais uma vez, certos acordes. Seduzir, música que dá nome ao disco, conta com uma linha bem construída, na qual reconhecemos o significado de acompanhar um cantor. Os destaques dos graves ficam com Jogral, com suas frases idiomáticas; A Ilha, com introdução feita pelo contrabaixo, violão e bateria e Êxtase, com linhas a la Pastorius.

Economia. Talvez em termos próprios do contrabaixo, seja essa a palavra que resume toda a Luz (1982) do quinto álbum. Com a reconhecida gaita de Stevie Wonder em Samurai, Djavan abre o disco de forma magistral. Vale lembrar: ao relançar o disco, as faixas Pétala e Samurai (1 e 6), trocaram de lugar. Abraham Laboriel, reconhecido mundialmente, guarda em sua extensa discografia mais de quatro mil gravações, tendo gravado metade das faixas deste álbum.

Abraham Laboriel 

Os pontos culminantes das canções, ou melhor, a maneira como este simpático mexicano seleciona as notas em determinados trechos, chama atenção. Exemplo disso são os únicos dois slaps tocados em Açaí, em 1 '57’’ e em 4' 11 ", e em outra ocorrência da técnica em  4 '25’’, mas no caso, a música caminha para o fade out. Bons tempos em que tal recurso era usado, não é mesmo? Ademais, a expertise em usar a técnica consagrada a grandes baixistas parece ser a responsável por seu destaque em momentos oportunos. Reparem bem na sutilíssima risada solta aos 3 '26’’, logo após Djavan cantar “la passion”, única palavra dita no idioma vizinho ao longo da canção. Por outro lado, em Esfinge, a ocorrência dos slaps é maior, mas sem se tornar o que será a próxima canção. Essa, sim, gravada por Sizão Machado, se transforma num carnaval da técnica usada de modo a conferir ao executante a primazia do bom gosto. Por último, a introdução de Capim, também gravada por Sizão, é um excelente recurso aos professores que pretendem ensinar e aos estudantes que visam aprender o piparote percussivo.


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