Tema do Mês

Inezita Barroso, a voz da nossa terra

TEMA DO MÊS de MARÇO!

domingo, 08 de março de 2020

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Não é à toa que Inezita Barroso veio ao mundo justamente no mês da mulher (nasceu em 4 de março de 1925, há 95 anos): ela foi uma mulher e tanto! Transgrediu normas, desbravou caminhos e incorporou o ideal feminista muitos anos antes do movimento ganhar a força estrondosa que tem hoje no Brasil. Desde criança, na infância em Barra Funda, São Paulo, ela já fugia dos tradicionalismos impostos às mulheres, preferindo trilhar seu próprio caminho de liberdade. 

Embora fizesse aulas de piano (como era esperado de toda “boa moça” da época), seu interesse musical foi despertado mesmo pelo violão, instrumento então muito ligado à boemia e ao mundo masculino. Ainda pequena, a jovem Ignez Magdalena (seu nome de batismo), surrupiava o violão de sua tia e tocava sozinha, escondido. Mais tarde, quando já era uma artista conhecida, o violão se tornou parte de sua persona: ela sempre se apresentava tocando e são muitas as capas de LPs que mostram Inezita agarrada ao instrumento. Isso antes que Nara Leão e a bossa nova aliviassem a carga negativa que ainda pairava sobre ele. 


Inezita Barroso foi forte e dona de si numa época em que se esperava das mulheres um comportamento sempre educado e submisso. Ela nunca deixou de fazer o que tinha vontade por preconceitos alheios e não calou a boca diante do que lhe incomodava. Manifestava suas fortes opiniões com uma liberdade pouco comum às mulheres de sua época. “Eu odiava boneca”, ela chegou a dizer: “As de celuloide eu queimava para ver a fumaça e sentir aquele cheirinho de plástico. Gostava mesmo era de jogar pião, bolas de gude, futebol e voleibol, subir em árvore...” 

Mas para além de tudo, foi uma mulher de muito talento, e multifacetada. Além de cantora, Inezita foi professora (deu aulas particulares de violão e ensinava folclore brasileiro em Universidades), atriz (atuou em diversos filmes, inclusive em “Destino em Apuros”, o primeiro longa brasileiro em cores), pesquisadora e apresentadora (quem é que não se lembra de “Viola, Minha Viola”, atração apresentada por ela na TV Cultura por mais de 30 anos?). 

Mas foi na música que ela encontrou sua paixão e expressão mais contundente. E não qualquer música: Inezita é até hoje a grande representante da música caipira nacional. Ela gostava de cantar os sons que vêm do campo e das terras áridas, longe dos grandes centros urbanos. E se recusava a chamar tal gênero de “sertanejo”, pois acreditava na força e na potência do “caipirismo”. Sem se paramentar com chapéus, botas ou outros ornamentos ligados ao estereótipo do campo, mas com sotaque carregado e a voz grave, ela cantou o nosso folclore, o som que vem dos cantos mais recônditos e profundos da alma brasileira. Por causa disso, muitos a caracterizaram como uma “caipira chique”, mas o fato é que Inezita simplesmente se recusava a vestir uma fantasia ou seguir um modismo: ela cantava somente o que amava e acreditava. E foi assim que nos brindou com gravações de músicas que extrapolaram o universo caipira e se tornaram clássicos da música brasileira, como De papo pro á, Tristeza do Jeca, Fiz a cama na varanda, Meu limão, meu limoeiro (tema folclórico depois regravado por Wilson Simonal), Prenda minha, Peixe vivo, Moda da pinga, Lampião de gás e muitas outras. 


A paixão pela música caipira levou Inezita a desenvolver ainda outro ofício de inestimável importância: o de pesquisadora. Inspirada pelos estudos de Mário de Andrade, de quem era fã, realizou diversas viagens pelo Brasil e recolheu um sem fim de músicas folclóricas. Muitas eram gravadas por ela em seus discos, e outras tantas organizadas em seu acervo, hoje uma peça fundamental da historiografia da música brasileira.

Um episódio bem significativo dessa sua faceta aconteceu em 1957. Nesse ano, ela embarcou em um jipe com o cunhado Maurício Barroso e o amigo e ator Nelson Camargo. Como nenhum dos dois sabia dirigir, ela mesma assumiu o volante, capitaneando a jornada que saiu de São Paulo em direção a Belém, percorrendo as mais remotas e inexploradas estradas brasileiras.

Sobre a empreitada, contou uma orgulhosa e corajosa Inezita Barroso ao produtor Aloísio Milani: “Quis chegar até o Rio Grande do Norte, se possível, pelo litoral. Não tinha estrada nenhuma, a gente chegava na praia e ia pela areia. Se tinha um rochedo muito alto que entrava pelo mar, entrávamos 100 quilômetros lá para dentro e dávamos uma volta para sair na frente, para passar o rochedo”.


Passados 95 anos de seu nascimento e 5 de sua morte, ouvir a obra de Inezita Barroso é se dar conta de uma identidade brasileira que, embora esteja fragmentada no meio de uma enxurrada de outras informações, permanece viva. Afinal, somos todos um pouco caipiras, e não vai aí nenhum tom pejorativo. Como a própria Inezita nos mostrou, ser caipira é ser também moderno, inventivo, original, mas sobretudo sensível à nossa história. Disse ela certa vez: “A música caipira é uma coisa que mora dentro das pessoas. Não é um modismo, é uma paixão pela raça, pela terra”. Por isso, haja o que houver, é preciso que sejamos todos cada vez mais caipiras. E que Inezita Barroso esteja sempre conosco, como a voz quente e poderosa da nossa terra.  


Texto por: Tito Guedes
Fonte das imagens: Internet

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