Colunista Convidado

Ivan Vilela, Benjamim Taubkin, viola, piano, orquestra e a arte dos encontros

sábado, 03 de agosto de 2019

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O mineiro de Itajubá, Ivan Vilela, começou no violão e integrou os grupos Pedra e Água Doce, ambos ligados à pesquisa musical da região. Mas foi em Campinas, São Paulo, após um bacharelado em Artes e Composição Musical, na Unicamp, que ele passou para viola caipira e se transformou num dos maiores virtuoses do instrumento – tão pouco valorizado, a despeito de sua riqueza timbrística. Doutorado em Psicologia Social pela USP, com a tese “Uma história social da música caipira”, atualmente pesquisador na Universidade de Aveiro, em Portugal, Ivan tem uma longa carreira em discos, shows e temporadas no país e no exterior. Ele gravou o CD “A força do boi” (Kuarup) com a Orquestra do Estado de Mato Grosso, sob regência de Leandro Carvalho, reunindo clássicos da música caipira, composições próprias, a beatle “Eleanor Rigby” (só na versão digital) e a “Serenata Op. 20”, para cordas, do inglês Edward Elgar. “Esta combinação inusitada e proposital de repertório objetiva quebrar barreiras e estimular as pessoas a abrirem seus ouvidos, e ouvirem música sem pensar em rótulos e classificações”, estimula Leandro Carvalho no texto da contracapa. “A possibilidade de se juntar um instrumento tão marcadamente antigo e ligado às culturas populares portuguesa e brasileira como a viola com uma orquestra, que bem representa o universo erudito das artes musicais, nos traz a possibilidade de que a música é uma só”, complementa Ivan no encarte.

O encontro de Ivan com a orquestra ocorreu em novembro de 2014, em Mato Grosso e reverbera versões grandiosas de músicas aparentemente singelas como “Tristeza do jeca” (Angelino de Oliveira), “Saudade da minha terra”, da dupla Belmonte e Goiá e “Carreirando”, de  Pereira da Viola. À frente da emissão massiva orquestral (11 violinos, três violas, três violoncelos, dois contrabaixos, percussão) Ivan costura os temas com alinhavo de solista eloqüente. Ainda é coadjuvado por uma eventual viola de cocho, de sonoridade peculiar, e transita por composições próprias como a fabular “Menino (saci e acalanto)”; “Sertão”, com arroubos de violinos em pizzicato e uma citação de “Caicó”, tema folclórico explorado tanto por Villa Lobos quanto por Milton Nascimento e Teca Calazans. A agalopada faixa título “A força do boi” é invadida por um aboio, enquanto a orquestra esculpe um cenário de impressionar.

Estas duas composições de Ivan entram também – em versões diferentes, é óbvio – no disco “Encontro” (Núcleo Contemporâneo), que ele gravou com o paulistano Benjamim Taubkin. Pianista desde os 18 anos, ele trabalhou em peças de teatro (versão paulista da “Ópera do malandro”), dança contemporânea (Klaus Viana, Clarisse Abujamra, Ruth Rachou) e atuou em casas noturnas (Baiúca, Padock). Taubkin estreou em disco autoral em 1997 (“A terra e o Espaço Aberto”), no mesmo ano em que fundou e passou a dirigir o projeto Núcleo Contemporâneo, gravadora e produtora, que de 2011 a 2016 também foi centro cultural. Em variadas formações, do solo à sinfônica (Abaçaí, Trio +1, Moderna Tradição, Orquestra Popular de Câmara), ele já atuou com músicos como Moacir Santos, Hermeto Pascoal, Marcos Suzano, Paulo Moura, Raphael Rabello e interpretes como Monica Salmaso e Zizi Possi, além de um longo percurso no exterior, com músicos internacionais. No “Encontro”, ele divide autorias com Ivan Vilela, que além de “Sertão” e “A força do boi”, fornece “Castelo dos mouros”, repleta de cenários, onde viola e piano pincelam timbres entre o sutil esboço e o agudo espanholado, “chick coreano”.

De Taubkin, são a faixa título, de acentuação binária, a lírica aquarela de “Caipira” e a narrativa “Mantendo a fé”, com espasmos de toada. No repertório, ainda há três composições de Milton Nascimento, dentro do clima fronteiriço entre o regional e o erudito, providenciado por Vilela e Taubkin: “A lua girou” (adaptação do folclore), a afro “Cravo e canela” (com Ronaldo Bastos) e a etérea “Milagre dos peixes” (com Fernando Brant). Também por seu selo Núcleo Contemporâneo, Taubkin lança o duplo CD e DVD “O piano que conversa”.  O roteiro, que condensa atividades recentes do Núcleo, também escala uma de Milton, “Ponta de areia” (com Brant), mas em associação com “Long arirang”, tema tradicional coreano com participação de músicos do Cobra Project, que entra ainda em “Alyo”, destaque para o piano de Taubkin e o violino de Ricardo Herz. A boliviana Comunidade Sagrada Coca intervém em “Ajayu Pachamana (El espíritu de la tierra)”, “Wayram takipa (Camino Del viento)” e “Wayno Sikuri”, temas entrançados com improvisos e digressões étnicas. No DVD, estes grupos e ainda criadores de Moçambique, Israel e Polônia, em cinco encontros, são documentados pelo cineasta Marcelo Machado. O filme tem 78 minutos de imagens que falam por si próprias. A música e a irresistível comunhão de seus praticantes, sob a batuta invisível do onipresente Taubkin, conduz a magia da narrativa. 


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